Ligre, zebralo e urso grolar: como surgem os animais híbridos?

O cruzamento entre animais de diferentes linhagens é comum na natureza e pode revelar alguns dos mistérios da evolução.

Híbridos entre ursos pardos e ursos polares – chamados pizzlies ou ursos grolar – podem se tornar mais comuns à medida que as temperaturas aumentam e os intervalos das espécies se sobrepõem.

Foto de Philippe Clement Arterra, Universal Images Group, Getty
Por Jason Bittel
Publicado 8 de nov. de 2022, 10:41 BRT

No verão de 2020, cientistas da Pensilvânia, nos Estados Unidos, avistaram algo que ninguém jamais havia visto antes: um pássaro que parecia um grosbeak-de-peito-rosa, mas cantava como um sanhaçu-escarlate.

Após uma análise mais detalhada, posteriormente se determinou que o animal era um híbrido, resultado do acasalamento entre duas espécies separadas.

"Quando eu vi, eu disse: ‘meu Deus’'', lembra Bob Mulvihill, ornitólogo do Aviário Nacional em Pittsburgh, EUA. Mulvihill capturou o pássaro e extraiu uma amostra de sangue para estudar os genes do animal híbrido.

Alguns híbridos de animais, como a mula, são bem conhecidos, mas este caso foi incomum devido às diferentes cores de cada espécie de ave. Os grosbeaks-de-peito-rosa são pretos e brancos com uma mancha vermelha no peito, enquanto os sanhaçus-escarlates são laranjas e pretos brilhantes.

Antes de 2020, os cientistas nunca haviam registrado um cruzamento entre um grosbeak-de-peito-rosa (acima, um pássaro no Zoológico Columbus) e um sanhaçu-escarlate.

Foto de Joël Sartore National Geographic Photo Ark

Estes pássaros não são exatamente primos, nem mesmo parentes próximos. Mulvihill suspeita que as espécies podem estar separadas por mais de 10 milhões de anos de evolução divergente.

Ainda mais estranho é o fato destas espécies coexistirem em grande parte de suas áreas de distribuição na América do Norte, levando os pesquisadores a se perguntarem por que ninguém nunca viu evidências de cruzamento antes.

“Foi apenas um caso de Romeu e Julieta? ”, questiona o especialista, entre risadas.

Na era moderna do sequenciamento de genes e análise genética, os animais híbridos ganham nova relevância e podem conter pistas que esclareçam os mistérios da evolução.

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    Os cientistas determinaram recentemente que existem sete espécies distintas de gambás manchados na América, como o gambá manchado oriental.

    Foto de Joël Sartore National Geographic Photo Ark

    O que são animais híbridos?

    Geneticamente, um animal híbrido é o resultado do cruzamento entre linhagens divergentes, explica Erica Larson, bióloga evolutiva da Universidade de Denver.

    A maioria entenderia que isso significa cruzamento entre duas espécies diferentes, mas os cientistas explicam que também pode incluir subespécies ou mesmo populações dentro de uma espécie que são distinguíveis umas das outras com base em certos traços ou características.

    “Eles podem se reproduzir em diferentes épocas do ano, ou podem ter diferenças comportamentais que os tornam menos propensos a acasalar”, diz Larson. “Mas, se eles acasalarem, eles podem fazer híbridos em excelentes condições.”

    Um exemplo disso pode ser o gambá manchado, que os cientistas recentemente dividiram em sete espécies, algumas das quais parecem quase idênticas e vivem nas mesmas áreas, mas acasalam e dão à luz com meses de diferença.

    “Outro grande exemplo é o coral”, diz Larson. “Muitos corais liberam seus gametas em um momento muito específico. Portanto, todas essas espécies estão fisicamente no mesmo lugar e talvez possam formar um híbrido”, mas perdem a chance de reprodução ao desovar com horas ou dias de intervalo.

    Em cativeiro ou em um laboratório, no entanto, esses tipos de barreiras naturais são um obstáculo a menos para a hibridização bem-sucedida.

    Um Ligre, resultado do cruzamento entre um leão africano macho e um tigre fêmea, é visto no Safari Taman em Java Ocidental, na Indonésia.

    Foto de Joël Sartore National Geographic Photo Ark

    Quais animais podem hibridizar?

    Um dos exemplos mais conhecidos de hibridização é o ligre, um cruzamento entre um leão macho e uma tigresa. Os ligres ficaram famosos na cultura popular após uma referência no filme Napoleão Dinamite, de 2004, mas poucas pessoas tinham ouvido falar do tigreão, o filho de uma leoa e um tigre macho.

    Ambas combinações são extremamente improváveis ​​de acontecer na natureza porque os territórios de leões e tigres quase nunca se sobrepõem. O mesmo vale para a cama, resultado do acasalamento entre uma lhama e um camelo árabe, que vivem em lados opostos do Oceano Atlântico, mas foram cruzados por pesquisadores.

    Os equídeos podem ser especialmente propensos a hibridizar. Burros e cavalos podem se reproduzir para criar mulas, enquanto zebras e cavalos fazem zebralos ou outras combinações.

    Em 2019, os cientistas provaram pela primeira vez que os narvais, às vezes, hibridizam com as belugas, dando como resultado uma narluga. Há também pelo menos 20 relatos de várias espécies de golfinhos e baleias produzindo híbridos, tanto na natureza quanto em cativeiro.

    E não são somente mamíferos. Há também casos documentados de hibridização entre cascavéis de madeira e cascavéis-diamante ocidentais, crocodilos cubanos e americanos, esturjão russo e peixe-remo americano, truta assassina e truta-arco-íris, bem como em vários insetos, como formigas, abelhas, vespas e cupins. As plantas são especialmente capazes de hibridizar e acredita-se que o fazem em taxas ainda mais altas do que os animais.

    Uma das espécies híbridas mais populosas da Terra podem ser os humanos modernos, que carregam sinais genéticos de hibridização com outros hominídeos antigos, como os neandertais e os denisovanos. 

    Kamilah, um híbrido entre um camelo árabe macho e uma lhama fêmea, chamada cama, ao lado de sua mãe no Centro de Reprodução de Camelos em Dubai, em 2002.

    Foto de Reuters Alamy

    É comum a hibridização de animais?

    Embora os híbridos pareçam infrequentes, é provável que muitos sejam bastante comuns. Por exemplo, Mulvihill diz que, provavelmente, não seja coincidência que a hibridização seja bem documentada em pássaros, onde surpreendentemente 10% das mais de 10 000 espécies conhecidas hibridizam. 

    Uma razão pode ser que existe um grande número de observadores de pássaros tirando fotos de avistamentos interessantes, que depois são publicadas em fóruns, páginas de associações de pássaros ou aplicativos de smartphones como o iNaturalist.

    “Certamente, a hibridização também é bastante conhecida em borboletas”, cita Mulvihill. Mas, ao contrário dos observadores de pássaros, poucos observadores casuais de borboletas podem detectar facilmente sinais de hibridização nos insetos.

    Alguns cientistas também acreditam que certos híbridos podem se tornar mais comuns no futuro. Por exemplo, à medida que as mudanças climáticas diminuem o gelo do mar Ártico, é esperado que os ursos polares passem mais tempo em terra, onde podem encontrar ursos marrons se expandindo para o norte. Se eles acasalarem, podem criar híbridos conhecidos como pizzlies ou ursos grolar.

    Um bebê zebralo, o híbrido de uma zebra macho e uma égua, brinca em uma fazenda em Cuchery, França, em 2013.

    Foto de ALAIN JULIEN AFP, Getty

    A hibridação de animais é boa ou ruim?

    A hibridização nem sempre significa destruição genética. Mas também pode não produzir espécies mais fortes.

    Por exemplo, os ligres são propensos a problemas de saúde, como crescimento rápido e problemas cardíacos. 

    Além disso, a espécie parental pode apresentar diferenças genéticas incompatíveis, como diferentes números de cromossomos. Muitas vezes, isto pode causar que os híbridos sejam estéreis, e uma prole não reprodutiva pode limitar o sucesso de um pai estendendo sua reserva genética.

    “Eles têm uma chance a menos de passar seus genes para uma geração futura”, resume Larson.

    A hibridização pode ser problemática se uma ou ambas as espécies parentais estiverem em perigo de extinção. Isso ocorre porque quando a genética de uma espécie se torna rara, a nova combinação genética do híbrido pode ameaçar sua existência por substituição. Isso é chamado de inundação genética, e é por isso que a hibridização com coiotes é uma das tantas ameaças que atualmente afetam os lobos vermelhos no sudeste dos Estados Unidos.

    No entanto, a hibridização também pode introduzir genes benéficos, como resistência a pesticidas, diz Larson. Se esses genes ajudarem o híbrido a sobreviver e se reproduzir, esses benefícios podem se espalhar em uma população. Isso é o que os cientistas chamam de introgressão adaptativa.

    “Mas penso que, na maioria das vezes, provavelmente não é benéfico ou prejudicial”, acredita Larson. “Na maioria das vezes, provavelmente não faz nada. ”

    Com os avanços nas ferramentas genéticas, os cientistas agora podem observar o genoma de um híbrido e identificar facilmente genes entrelaçados que podem ter sido originados em outro lugar. E isso significa que todo híbrido é uma janela para entender como a evolução cria novas espécies.

    “Quando você tem duas espécies cujos genomas passaram por uma evolução independente por centenas de milhares de anos, e depois você as reúne novamente e mistura esses genomas na forma de um híbrido”, diz Larson, “você consegue entender o que funciona e o que não.”

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