O que torna os sapos de vidro transparentes?

Os anfíbios transparentes têm uma estratégia incrível para se esconder durante o sono – o que pode aumentar nossa compreensão da coagulação do sangue.

Por Jason Bittel
Publicado 4 de jan. de 2023, 08:00 BRT

Órgãos e ovos em desenvolvimento de uma rã de vidro fêmea, Hyalinobatrachium mashpi. ​

Foto de Jaime Culebras

Nativos das florestas da América Central e do Sul, os sapos de vidro da família Centrolenidae recebem esse nome por causa de sua pele translúcida e músculos que os misturam perfeitamente ao ambiente da selva. Vire os anfíbios, onde o efeito é mais impressionante, e você verá seus corações, fígados e espirais onduladas de intestinos – não é necessária dissecação.

E agora, em um estudo publicado na revista Science, os pesquisadores descobriram mais um mecanismo incrível que os animais usam para se tornarem tão transparentes.

Quando as rãs de vidro de fleischmanni (Hyalinobatrachium fleishmanni) vão dormir, elas extraem 89% de seus glóbulos vermelhos de cores vivas para bolsas revestidas de cristal em seu fígado, que refletem a luz recebida e fazem as rãs parecerem quase invisíveis. Com seus glóbulos vermelhos fora de vista, os sapos se tornam duas a três vezes mais transparentes – um truque que os cientistas acreditam ajudar os animais a evitar predadores.

“A transparência é rara e muito difícil de fazer, porque nossos tecidos estão cheios de coisas que absorvem e espalham a luz”, diz o coautor do estudo Jesse Delia, pesquisador de pós-doutorado e explorador da National Geographic no Museu Americano de História Natural de Nova York, EUA.

“Os glóbulos vermelhos também absorvem muita luz, e descobrimos que o sapo pode realmente escondê-los, colocando-os no fígado”.

Sapo de vidro: segredos do sono 

Muitas criaturas aquáticas, como o krill e as salpas, são transparentes, mas é extremamente raro em terra – e é por isso que os cientistas há muito tempo ficam intrigados com a capacidade do sapo de vidro de se misturar com o ambiente.

Mas antes deste estudo, ninguém havia notado o fenômeno dos glóbulos vermelhos, talvez porque só ocorre enquanto o sapo dorme ao longo do dia.

 

Um sapo de vidro macho, H. valerioi, guarda três ninhadas de ovos.

Foto de Jaime Culebras

Além do mais, como os sapos de vidro são noturnos, aqueles que os estudam tendem a se tornar noturnos também. “Eu trabalhava à noite, então, todos os sapos selvagens que eu via estavam acordados”, lembra Delia, que estudou cuidados parentais em sapos de vidro como parte de sua tese de doutorado.

“Só quando eu trouxe um para o cativeiro e o vimos dormindo no vidro, é que percebemos que havia algo acontecendo”, conta.

A próxima pergunta era como estudá-lo.

O som e o sapo

Embora o truque do sapo de vidro seja tão impressionante que possa ser visto a olho nu, entender como ele funciona exigiu uma técnica de imagem conhecida como microscopia fotoacústica.

“Quando os pigmentos absorvem a luz, parte da luz que é absorvida produz calor”, explica o líder do estudo, Carlos Taboada, biólogo da Duke University, nos EUA. “E esse calor cria uma mudança local na pressão, que gera ondas sonoras.”

“Acontece ao nosso redor constantemente”, acrescenta Delia. “Tudo o que absorve luz, em teoria, também gera ondas sonoras.” 

No laboratório, os cientistas capturaram os sapos de vidro de fleischmanni e os submeteram a uma série de técnicas de imagem. Por exemplo, a espectroscopia óptica permitiu à equipe quantificar como a transparência aumenta durante o sono, enquanto a técnica de microscopia fotoacústica identificou os glóbulos vermelhos depois que eles desapareceram dentro do fígado.

Esse tipo de microscopia também pode detectar a hemoglobina, uma proteína que transporta oxigênio no sangue. A equipe descobriu que os sapos de vidro fleischmanni adormecidos tinham uma média de 96,6% menos hemoglobina oxigenada em circulação do que quando estavam ativos.

“As conclusões são, até onde eu sei, 100% novas!”, revela por e-mail Juan Manuel Guayasamín, biólogo evolutivo da Universidad San Francisco de Quito, no Equador, e explorador da National Geographic.

“Entender a evolução da transparência sempre envolveu duas questões principais”, destaca Guayasamín, que não participou do estudo. “Por que é produzido? E como os animais se tornam transparentes? Este artigo responde lindamente à segunda pergunta.”

Uma benção para as pessoas?

As descobertas não são apenas fascinantes, mas os pesquisadores dizem que podem levar a avanços na medicina humana.

Isso ocorre porque muitos glóbulos vermelhos em um só lugar geralmente formam um coágulo, que pode bloquear um vaso sanguíneo e levar a uma condição potencialmente fatal, como a trombose. Mas as rãs aparentemente podem condensar e expandir seus glóbulos vermelhos à vontade, sem nenhum efeito negativo.

“E, de fato, os animais ainda podem coagular normalmente quando estão feridos”, diz Taboada.

Isso pode significar que os animais já possuem o que os pesquisadores médicos buscam há décadas: um mecanismo biológico que evita o sangramento excessivo e, ao mesmo tempo, evita a coagulação excessiva.

“Tem sido chamado de Santo Graal da hematologia”, conta Taboada – e pode estar escondido à vista de todos, através da pele transparente de um minúsculo sapo da floresta tropical.

A National Geographic Society, comprometida em iluminar e proteger a maravilha do nosso mundo, financiou o trabalho do explorador Jesse Delia. Saiba mais sobre o apoio da sociedade aos exploradores, destacando e protegendo espécies críticas.

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