Como os primeiros macacos africanos chegaram na América do Sul?

Novas evidências sugerem que uma antiga linhagem de primatas viajou com segurança da África para a América do Sul em uma jangada formada naturalmente por vegetação. Trata-se de uma chance em um milhão, e isso aconteceu mais de uma vez.

Por Riley Black
Publicado 25 de jul. de 2023, 09:52 BRT

Ashaninkacebus simpsoni é um primata extinto que viveu no Brasil há mais de 30 milhões de anos.

Foto de Diego J. Barletta Jorge A Gonzalez

Durante décadas, os paleontólogos têm se perguntado como os primatas chegaram à América do Sul. Os macacos-aranha, macacos-pregosaguis do continente formam seu próprio grupo de primatas, separado dos da África e da Ásia. A teoria mais amplamente aceita é a de que os ancestrais desses macacos atravessaram o Oceano Atlântico em uma jangada, entre 40 e 32 milhões de anos atrás.

Entretanto, à medida que novos fósseis foram descobertos, a história se tornou muito mais complexa. A América do Sul abrigava uma variedade maior de primatas do que a conhecida anteriormente, o que aponta para uma era pré-histórica importante, quando jangadas formadas por vegetação arrancadas por tempestades intensas arrastaram os macacos antigos pelo mar. Isso parece ter acontecido pelo menos duas vezes, e talvez mais.

A evidência mais recente dessas antigas excursões transatlânticas é um minúsculo dente fóssil descoberto em rochas na Amazônia brasileira. "Imediatamente, quando um de meus colegas brasileiros me mostrou esse minúsculo dente emergente, meu coração começou a bater muito rápido", lembra Laurent Marivaux, paleontólogo da Universidade de Montpellier, na França. 

O dente de 34 milhões de anos, descrito por Marivaux e seus colegas na revista PNAS, não parece ser de um macaco sul-americano, mas se assemelha aos dentes de macacos primitivos chamados eosimiídeos, encontrados no sul da Ásia.

A nova espécie não é o primeiro animal estranho a aparecer na pré-história da América do Sul. Em 2020, o paleontólogo Erik Seiffert e seus colegas anunciaram a descoberta de um macaco no Peru chamado Ucayalipithecus que tinha ligações ancestrais com a África antiga, em vez de fazer parte da linhagem sul-americana moderna. Os primatas devem ter feito a viagem da África para a América do Sul pelo menos duas vezes, e o novo dente pode indicar que um terceiro grupo também cruzou o oceano.

Macacos: marinheiros pré-históricos

Batizado de Ashaninkacebus simpsoni por Marivaux e colegas, o novo primata fóssil é conhecido apenas por um único molar superior encontrado no Rio Juruá, no Brasil. A disposição das cúspides do dente o identifica como um primata e possivelmente como um eosimias, é um gênero de primatas primitivos. 

Com base em fósseis de eosimias encontrados em outros lugares, Marivaux e seus colegas acreditam que o Ashaninkacebus era uma espécie pequena, mais ou menos do tamanho de um sagui, e pesava cerca de meio quilo. A espécie se alimentava principalmente de insetos e frutas.

Embora o molar seja, sem dúvida, de um primata, outros especialistas não têm certeza absoluta de sua origem. Os eosimias estavam presentes tanto na África quanto na Ásia. "Como tal, esse é outro exemplo de uma linhagem primitiva da África que aparece na América do Sul", define a paleontóloga Mary Silcox, da Universidade de Toronto, no Canadá, que não participou do novo estudo.

Se o Ashaninkacebus for um eosimias, ele representaria um terceiro grupo distinto de primatas que navegaram entre os continentes. Mas há outra possibilidade, que conecta a nova descoberta aos macacos que vivem na América do Sul atualmente, conhecidos como platirrinos.

"Minha suspeita é que o Ashaninkacebus possa ser um platirrino-tronco", diz o paleontólogo Erik Seiffert, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), que não participou do novo estudo. Segundo ele, em vez de representar um grupo de primatas que chegou à América do Sul e depois foi extinto, o molar poderia documentar quando os primeiros ancestrais dos macacos do continente chegaram. "Se esse for o caso, só haverá evidências de duas dispersões", diz Seiffert.

Independentemente do fato de o Ashaninkacebus ser um platirrino primitivo ou representar um grupo distinto, ainda resta a questão de como os primatas saltaram entre continentes várias vezes.

"Todas as nossas hipóteses e cenários são baseados em nosso conhecimento do registro fóssil", diz Marivaux. Desde a década de 1970, os paleontólogos têm se perguntado se os primatas poderiam ter atravessado o Atlântico em jangadas formadas por vegetação flutuante. Nenhuma outra explicação parecia se encaixar. Não havia pontes terrestres ligando a América do Sul e a África na época em questão, e não havia evidências de que os primatas tivessem seguido uma rota terrestre tortuosa.

E os macacos não foram os únicos animais a fazer a viagem. Os paleontólogos também descobriram que os ancestrais das capivaras e de outros roedores, chamados histricognatos, provavelmente também viajaram da mesma forma da África para a América do Sul.

Sobreviver a uma viagem intercontinental sobre uma massa de vegetação parece ser uma chance em um milhão. Portanto, os cientistas têm tentado determinar se houve uma única viagem de jangada com roedores e macacos juntos sobre um leito de plantas emaranhadas ou várias.

O quebra-cabeça é quase impossível de ser resolvido com evidências fósseis diretas. No entanto, Marivaux e seus colegas, depois de reconstruírem como eram os continentes, as correntes e os climas na época da chegada dos primatas à América do Sul, propõem que houve um breve intervalo de tempo em que as condições eram adequadas para que os mamíferos "embarcassem sem querer" para outro continente.

Primeiros primatas na América do Sul

Os primeiros primatas da América do Sul eram pequenos e frugívoros, o que indica que seus ancestrais viveram nas florestas tropicais da costa oeste da África há cerca de 40,5 milhões de anos. Os animais que viviam perto de deltas e sistemas fluviais tinham maior probabilidade de serem arrastados pelas enchentes, agarrando-se firmemente a partes de árvores que se quebravam e eram levadas para o mar.

Esse cenário especulativo não é apenas uma conjectura, nem é exclusivo dos macacos sul-americanos. Os lêmures e tenrecs de Madagascar chegaram a Madagascar vindos da África continental em jangadas naturais, e pequenos lagartos também atravessaram as Bahamas da mesma forma.

"Todo um ecossistema pode se mover ao longo desses fragmentos de margem do rio", diz Marivaux. As jangadas modernas de vegetação podem ser muito grandes, algumas com árvores eretas que ainda dão frutos, e muitos primatas e roedores da costa pré-histórica da África viveram em locais onde podem ter sido formadas jangadas de vegetação capazes de transportá-los durante tempestades.

Os paleontólogos ainda estão tentando descobrir exatamente quando essas travessias ocorreram. O novo estudo sugere que elas aconteceram há cerca de 40,5 milhões de anos, quando a América do Sul e a África estavam separadas por apenas 965 quilômetros, muito mais próximas do que a distância atual, de quase 3000 quilômetros.

Seiffert, entretanto, prefere uma época posterior. Há cerca de 33 milhões de anos, o nível do mar caiu, diminuindo a distância oceânica de uma maneira diferente. "Uma erosão significativa em ambientes próximos à costa poderia ter levado à formação de grandes jangadas naturais", diz ele.

Futuras descobertas de fósseis ajudarão a esclarecer a história, embora possam ser difíceis de descobrir. "Os fósseis que foram recuperados nessa parte da Amazônia são, em grande parte, dentes isolados devido à forma como devem ser coletados", conta Seiffert. Os pesquisadores geralmente pegam pás cheias de sedimentos das margens íngremes dos rios para lavá-los com água, um processo que peneira os dentes e ossos do solo e da rocha. Infelizmente, às vezes os ossos pequenos são destruídos e apenas os dentes mais duros permanecem.

No entanto, a descoberta de três primatas sul-americanos primitivos desde 2015 indica que é provável que haja mais por aí, e o futuro pode revelar novos detalhes de como os primatas chegaram e floresceram na América do Sul. "Há dez anos, isso seria inacreditável", conclui Marivaux. 

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