Jorge, uma tartaruga marinha cabeçuda de 60 anos e 100 quilos, é um caso único de ...

A saga de Jorge, a tartaruga marinha que nadou rumo à Bahia após 41 anos de cativeiro

A história desta tartaruga marinha é um caso único no mundo. Descubra como o animal recuperou seu instinto após décadas preso na Argentina, voltou ao oceano e acelerou o nado para chegar ao Brasil.

Jorge, uma tartaruga marinha cabeçuda de 60 anos e 100 quilos, é um caso único de um animal que passou tanto tempo em cativeiro e, ainda assim, conseguiu se reintegrar ao seu habitat natural.

Foto de Pablo E. Blasko
Por María de los Ángeles Orfila
Publicado 16 de jul. de 2025, 06:05 BRT

As ondas estavam agitadas na manhã de 11 de abril de 2025, mas Jorge não hesitou. Com braçadas firmes,tartaruga marinha de quase 100 quilos mergulhou no Oceano Atlântico – seu primeiro mergulho em águas abertas em 40 anos.

Depois de passar mais da metade de sua vida em um tanque de aquário raso em Mendoza, Argentina, a centenas de quilômetros de distância do oceano, Jorge está fazendo o que antes parecia impossível: ele “reaprendeu” seus instintos enquanto se dirige para as águas quentes do oceano na Praia do Forte, na Bahia, na região Nordeste do Brasil.

Este é o lugar que, um dia, a tartaruga Jorge já chamou de lar.

Observando de longe a notável jornada de Jorge está Mariela Dassis, pesquisadora da Universidade Nacional de Mar del Plata, responsável pelo seu monitoramento por satélite. 

Dassis estava supervisionando a fase final de um meticuloso projeto de três anos de reeducação e soltura desenvolvido por várias instituições argentinas para preparar Jorgeresgatado quando jovem em 1984, para a vida de volta à natureza. 

O animal detém o recorde de maior tempo passado em cativeiro entre todas as tartarugas marinhas do mundo.

Na primeira noite, Dassis mal dormiu, esperando ansiosamente que Jorge emitisse um sinal. Agora, após mais de 70 dias de sua viagem oceânica, ela se sente mais calma porque o animal já viajou mais de 2.735 quilômetros e faltam menos de 1.300 para ele chegar ao seu destino – provando que Jorge é um verdadeiro mestre da resiliência.

O mapa divulgado por instituições argentinas – como o Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas ...

O mapa divulgado por instituições argentinas – como o Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet), o Aquário de Mar del Plata e a prefeitura da cidade de Mendonza – mostram o caminho percorrido pela tartaruga Jorge desde que foi colocada em alto-mar. Ela vem sendo monitorada por um equipamento que mostra a velocidade e a distância que percorre para chegar ao seu habitat de origem, na Praia do Forte, na costa do Nordeste do Brasil. 

Como a tartaruga Jorge acabou em cativeiro?

Aos 60 anos de idadeJorge – que é uma tartaruga cabeçuda (Caretta caretta) – pesa cerca de 100 quilos. Ele passou mais da metade de sua vida em uma piscina de 20 mil litros de água e apenas 1,5 metro de profundidade

Ele viveu todos estes anos comendo ovos cozidos e carne bovina, nadando em água salgada para simular o oceano – ambiente o qual perdeu quando foi capturado acidentalmente em 1984. 

Naquele ano, um grupo de pescadores encontrou Jorge emaranhado em redes de pescaferido e atordoado pelo frio em Bahía Blanca, uma cidade portuária na província de Buenos Aires e uma parada frequente para sua espécie ao longo da rota migratória.

Na época, a reabilitação e a reintrodução de tartarugas marinhas não eram práticas comuns, então Jorge foi colocado em uma caixa de madeira e levado de avião para os Andes. Em Mendoza, ele se tornou uma celebridade: as famílias foram vê-lo no aquário por décadas e até mesmo os prefeitos passaram a responsabilidade de cuidar dele para seus sucessores no início de seus mandatos. 

Apesar disso, a pressão para devolvê-lo ao mar foi tão intensa que mais de 60 mil pessoas assinaram uma petição para sua libertação, e um grupo de advogados ambientais acabou entrando com uma ação judicial em 2021.

A Prefeitura de Mendoza aceitou o desafio de preparar Jorge para retornar ao oceano, recrutando pesquisadores do Aquário de Mar del Plata, do Museu Argentino de Ciências Naturais e do Instituto de Pesquisas Marinhas e Costeiras da Universidade Nacional de Mar del Plata. Juntos, eles estabeleceram uma meta: fazer com que Jorge voltasse a nadar livremente

Mas será que ele sobreviveria à tentativa?

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    Jorge em seu primeiro cercado logo após chegar a Mendoza em 1984. Ele foi capturado em ...

    Jorge em seu primeiro cercado logo após chegar a Mendoza em 1984. Ele foi capturado em redes de pesca no início daquele ano por um grupo de pescadores.

    Foto de of the Municipality of Mendoza City

    Voo de avião e piscinas salgadas: os passos da tartaruga Jorge para recuperar seus instintos

    Durante essas décadas em cativeiro, os instintos naturais de sobrevivência de Jorge desapareceram, deixando-o pouco familiarizado com a caça de presas vivas ou com a reação às correntes oceânicas – uma desvantagem perigosa para qualquer tartaruga marinha selvagem.

    “Em três anosconseguimos fazer com que ele recuperasse o instinto que quase havia perdido”, explica o biólogo marinho Alejandro Saubidet, que liderou a reeducação de Jorge – uma reabilitação que normalmente dura um ano e é projetada para tartarugas que chegam à costa com um ferimento ou depois de ingerir plástico. “Tínhamos que ver se era viável devolvê-lo ao meio ambiente.”

    primeira etapa foi readaptá-lo à água salgada. Durante vários meses, a salinidade da piscina em que ele vivia foi aumentada gradualmente até atingir 3,3%, o equivalente a que as tartarugas cabeçudas podem tolerar em seu habitat natural

    Exames de sangue acompanharam esse processo para determinar a capacidade de Jorge de excretar o sal; também foram feitas radiografias para avaliar a saúde de suas articulações.

    Depois que Jorge passou nesses testes, Jorge embarcou em seu segundo avião e voou para Mar del Plata, onde uma piscina mais confortável o aguardava, cheia de água do mar e mantida a uma temperatura controlada entre 20°C e 24°C. Essa faixa de temperatura foi escolhida para se aproximar das condições que ele encontraria no Oceano Atlântico durante seus primeiros meses no mar.

    A piscina continha mais de 150 mil litros de água e tinha 3 metros de profundidade. A quantidade de água foi aumentando gradualmente para garantir que Jorge conseguisse chegar à superfície para respirar.

    Durante todo o processo, a dieta de Jorge também foi alterada: ovos cozidos e carne bovina foram substituídos por alimentos vivos, como caranguejos e caramujos – animais que a tartaruga teve de caçar. De acordo com Saubidet, isso não foi fácil.

    “Pouco a pouco, nós o ensinamos a perseguir a presa”, diz ele. Mais tarde, outros animais foram adicionados à piscina para competir com ele por comida. “A primeira vez que colocamos uma arraiaJorge achou que era comida e foi atrás dela, mas quando a viu se mover, ficou com medo”, observa Saubidet.

    Na foto, Jorge sendo liberado no Oceano Atlântico em 11 de abril. Ele viajou mais de ...

    Na foto, Jorge sendo liberado no Oceano Atlântico em 11 de abril. Ele viajou mais de 2 mil quilômetros para chegar ao Brasil, seu habitat de origem. 

    Foto de Mauro V. Rizzi, La Nación

    Como foi a hora de colocar a tartaruga Jorge de volta no mar

    Com o tempo e o trabalho dos especialistas, esta célebre tartaruga marinha voltou a ser uma caçadora bem-sucedida, começou a emitir mais sons e até construiu abrigos – exatamente como as tartarugas cabeçudas fazem na natureza para descansar, se esconder de predadores e se proteger das correntes. Os pesquisadores até criaram correntes na piscina com as quais Jorge se acostumou.

    Todos esses comportamentos indicavam que Jorge estava retornando ao seu estado natural, e cada desafio que ele superava o preparava para a grande aventura que o aguardava no mar.

    Embora já fosse outono, a água ainda estava quente o suficiente em 11 de abril para que Jorge se orientasse e pegasse a corrente que o levaria ao Brasil, seu destino final. 

    Jorge deixou o aquário com um telêmetro (que é um medidor de distância) preso à sua concha, embarcou em um navio da Prefeitura Naval da Argentina que navegou cerca de uma hora Oceano Atlântico adentro – onde a tartaruga finalmente tocou o mar pela primeira vez em quatro décadas.

    (Sobre oceanos, saiba mais: A solução desse mistério oceânico pode ajudar a prever o futuro dos humanos na Terra)

    O caso da tartaruga Jorge é um exemplo para a conservação das espécies marinhas

    Como o destino queria, era um dia de mar agitado, e Dassis suportou a angústia de não saber nada sobre o paradeiro de Jorge até as 10 horas da manhã do dia seguinte, quando o telêmetro emitiu seu primeiro sinal da costaJorge estava indo na direção certa. Ele rumava para o norte, em direção ao Brasil.

    "O mais bonito de tudo é que Jorge nos mostra que a reintegração é possível", diz Dassis. "natureza pode encontrar seu lugar novamente."

    Desde sua liberação inicial, Jorge tem enviado pelo menos dois sinais por dia. Com isso, os pesquisadores descobriram que, no primeiro mês, Jorge acelerou o passo para cruzar a costa do Uruguai e entrar no Brasildiminuindo a velocidade quando chegou a águas mais quentes

    Laura Prosdocimi, pesquisadora do Laboratório de Ecologia, Conservação e Mamíferos Marinhos do Museu Argentino de Ciências Naturais – que conduziu os estudos genéticos que revelaram a origem de Jorge a partir de uma população de tartarugas na Praia do Forte – acredita que Jorge está retornando às áreas de nidificação que conhecia quando era filhote e jovem, assim como fazem os espécimes adultos. 

    “Quando Jorge entrou em cativeiro como um subadulto, ele já tinha muitas informações sobre as rotas migratórias”, explica ela.

    Espera-se que o dispositivo de localização continue funcionando por pelo menos mais quatro meses. Quando a bateria acabar, os pesquisadores terão reunido informações totalmente inéditas, já que a ciência tem poucos dados sobre os padrões de movimento das tartarugas marinhas machos, especialmente dessa espécie.

    Jorge é um caso único no mundo”, diz Prosdocimi, observando que não há registros de outro animal que tenha passado tantos anos em cativeiro e depois se adaptado tão bem à vida na natureza.

    Ele já superou os maiores desafios”, diz Dassis. "E como ele ainda está em idade reprodutiva – a espécie Carettas vive até cerca de 80 anos, mas podem chegar a 100. 

    Então, talvez seja possível ver alguns JorginhosJorginhas” nos mares brasileiros nos próximos anos.

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