
Por que os tubarões perto desta ilha do Pacífico crescem além do normal? A ciência investiga
Dois tubarões-tigre nadam nas águas azuis abertas da Grande Barreira de Corais, na costa da Austrália.
A água se agitava enquanto dois tubarões-tigre rasgavam a carcaça de uma vaca. Aos poucos, mais predadores gigantes chegaram ao frenesi da alimentação, até que cerca de 20 circulavam em torno de Charlie Huveneers enquanto ele observava de dentro de uma gaiola de mergulho com tubarões.
Batizado com esse nome por conta de suas listras pretas, o tubarão-tigre é parente do tubarão-branco e geralmente mede cerca de 2,7 metros.
Só que no remoto bolsão do Pacífico Sul, esses grandes e perigosos peixes rotineiramente – e misteriosamente – atingem cerca de 4,57 metros de comprimento.
Naquele dia, Huveneers e Lauren Meyer, ambos biólogos da Universidade Flinders, e Adam Barnett, da Universidade James Cook, as duas instituições da Austrália, ficaram impressionados com o tamanho dos tubarões.
“Esse foi o maior número de tubarões-tigre que já havíamos capturado em um dia e eles eram os maiores machos e as maiores fêmeas que já havíamos visto”, revela Meyer, que aparece no episódio Supersized Sharks, um especial documental da NatGeo norte-americana.
Nos dias seguintes, a equipe capturou mais 20 tubarões, que foram estudados e medidos. “Isso superou todas as nossas expectativas”, diz ela.
Os cientistas estavam em Norfolk para estudar por que a ilha remota atrai tantos tubarões-tigre, sendo o local de a maior concentração conhecida da espécie no mundo. Essa missão também foi crucial para a conservação: esses "mamutes" oceânicos estão quase ameaçados de extinção, principalmente devido à pesca excessiva.
Território da Austrália, a Ilha Norfolk é uma antiga colônia penal que tem uma longa história de criação de gado. Como não há uma boa maneira de descartar o gado morto sem envenenar o lençol freático, os fazendeiros geralmente despejam miúdos dos animais diretamente no oceano.
A princípio, a equipe pensou que esses tubarões gigantes poderiam permanecer mais tempo na ilha para aproveitar essa “hamburgueria drive-thru”, como diz Meyer.
Mas, na realidade, o que eles encontraram foi ainda mais misterioso.

Esses tubarões-tigre que se alimentam da carcaça de uma vaca morta na costa da Ilha Norfolk, na Austrália, são excepcionalmente grandes. Os pesquisadores se perguntaram se sua estranha dieta poderia explicar seu enorme tamanho.
Mistério entre os tubarões: o que será que eles comem para crescer tanto?
Os pesquisadores começaram a investigar a dieta dos tubarões para ver se as carcaças de gado os mantinham por perto. “É preciso algo especial para sustentar tantos tubarões grandes”, afirma Huveneers.
A análise de isótopos estáveis – análise de átomos de vários elementos para ver o que os animais estavam comendo – revelou uma surpresa: apenas 10% da dieta dos tubarões era composta carne de vaca. “Essa é uma quantidade minúscula em comparação com o que esperávamos”, diz Huveneers.
Isso deixou claro que os peixes tinham outra fonte de alimento importante: “Essa enorme população de grandes tubarões-tigre precisará de muito mais para comer do que um pouco de restos ocasionais de vaca”, comenta Meyer.
Então, o que eles estavam comendo? A análise revelou que a ilha é mais um restaurante de aves do que uma lanchonete de carne de vaca. Afinal, cerca de 52% da dieta dos tubarões era composta de aves marinhas. No fim das contas, “as vísceras eram apenas um pouco de sobremesa para eles”, diz ela.
Os cientistas já sabiam que os tubarões-tigre comem aves, mas os pesquisadores ficaram tão surpresos com a quantidade de aves na dieta do tubarão Norfolk que tiveram que verificar novamente seus dados.
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Adam Barnett e seus colegas usaram uma câmera escondida no formato de um pássaro (apelidada de “Shaza”, na foto) para investigar se os tubarões-tigre da Ilha Norfolk se alimentam de pássaros.
As aves marinhas são o prato principal
A cagarra de cauda cuneiforme se aglomera na Ilha Norfolk às dezenas de milhares para fazer seus ninhos. Ao anoitecer, essas aves marinhas flutuam na superfície da água em grandes “jangadas”, o que as torna presas fáceis. “Seria muito difícil para as aves detectar um predador vindo por baixo, especialmente a essa hora do dia”, diz Meyer.
Os grandes tubarões-tigre são caçadores bastante lentos e oportunistas, contando principalmente com o elemento surpresa. “Esse comportamento de bote das aves marinhas ao anoitecer é a oportunidade perfeita para os tubarões se aproximarem e usarem seus narizes grandes e achatados para sugar essas aves da superfície.”
Sophia Emmons, estudante de doutorado da James Cook University e da University of South Florida, concorda que as aves marinhas são uma refeição perfeita.
Embora os tubarões-tigre sejam “construídos como se fossem ser o predador mais potente, eles têm o formato do corpo aerodinâmico, uma força incrível na mandíbula e são capazes de morder as carapaças das tartarugas... Eles são tão preguiçosos”, explica Emmons, que não participou da pesquisa.
Às vezes conhecidos como as “latas de lixo do mar”, já se encontrou no estômago desses "carniceiros marinhos", além de animais de fazenda, também placas de carro e até mesmo uma armadura.
Com um suprimento tão abundante de aves marinhas para comer, faz sentido para Emmons que os tubarões-tigre da Ilha Norfolk cresçam muito mais do que outras populações.
“Com uma fonte de alimento muito boa, seja ela proveniente principalmente do gado ou das aves marinhas, os tubarões-tigre podem gastar mais energia e investir mais no crescimento”, diz a doutoranda.
Emmons também questiona se há uma conexão secundária entre o gado e os tubarões. “Será que o gado traz os peixes, os peixes trazem os pássaros e os pássaros trazem os tubarões?”, diz ela.
Huveneers e a equipe acham que isso é improvável, em parte porque os tubarões não ficam na Ilha Norfolk o ano todo.

Lauren Meyer e Charlie Huveneers estão estudando a população de tubarões-tigre nos mares da Ilha Norfolk, Austrália.
A migração dos grandes tubarões em busca de um "banquete"
Em outro desenvolvimento inesperado, a equipe descobriu que esses tubarões-tigre só ficam perto da Ilha Norfolk por cinco meses, durante a primavera e o verão. “Isso é surpreendente, considerando que poderia haver alimento suficiente para eles durante todo o ano”, afirma Huveneers.
Animais marcados revelaram que muitos dos tubarões-tigre da Ilha Norfolk migram 965 quilômetros para a Nova Caledônia, um território francês também no Pacífico Sul, durante o outono. Mas, embora houvesse um padrão consistente de tubarões migrando entre a Ilha Norfolk e a Nova Caledônia, suas rotas variavam muito.
“Tivemos alguns que foram para a Austrália, Fiji, Vanuatu, quase para a Nova Zelândia e Papua Nova Guiné”, diz Huveneers.
Agora que os cientistas sabem para onde esses enormes tubarões estão indo, eles querem descobrir o motivo. Uma teoria é que os tubarões se acasalam perto da Ilha Norfolk e dão à luz nas águas da Nova Caledônia, que fica em mar aberto, longe de muitos predadores.
“Os tubarões-tigre recém-nascidos são realmente muito vulneráveis”, comenta Meyer, “portanto, os filhotes precisam ser deixados nos locais mais adequados para maximizar suas chances de sobrevivência.”
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Os cientistas rastrearam os tubarões-tigre de tamanho grande que frequentam a Ilha Norfolk (na costa da Austrália) por centenas de quilômetros até a Nova Caledônia (foto), sugerindo que os animais migram no outono.
Procurando um “berçário” de tubarões
Se a Ilha Norfolk for um local de reprodução, as tubarões fêmeas podem estar engordando com aves marinhas antes de soltarem seus filhotes nas águas tropicais quentes da Nova Caledônia.
Entretanto, nenhum dos ultrassons realizados pela equipe nos tubarões da Ilha Norfolk revelou filhotes. Da mesma forma, essas fêmeas não apresentavam cicatrizes de acasalamento.
Embora a equipe tenha identificado uma fêmea grávida na Nova Caledônia – “pudemos realmente sentir os filhotes na barriga”, diz Meyer –o local de um berçário permaneceu indefinido.
Se pesquisas futuras identificarem áreas de berçário, essas áreas poderão ser protegidas, o que seria uma etapa vital para proteger as espécies em declínio.
Por enquanto, o mistério de por que esses imensos tubarões são atraídos para a Ilha Norfolk e a Nova Caledônia continua sem solução, diz Huveneers: “Estamos nos aproximando da resposta, mas certamente não é uma resposta definitiva.”
