
Como Jane Goodall descobriu nos chimpanzés as emoções que aproximam os animais dos humanos
Goodall toma notas enquanto observa chimpanzés brincando em Gombe, em 1990. Através de seus anos de observação cuidadosa, ela passou a entender o quanto os chimpanzés podem ser semelhantes aos humanos. “Quando comecei em Gombe, achava que os chimpanzés eram mais legais do que nós”, disse ela à National Geographic em 1995. “Mas o tempo revelou que eles não são. Eles podem ser tão horríveis quanto nós.”
Faleceu aos 91 anos a Dra. Jane Goodall – primatóloga, etóloga, conservacionista, defensora dos animais, educadora e Mensageira da Paz da ONU. O anúncio oficial de sua morte foi feito pelo Instituto Jane Goodall em 1º de outubro de 2025, centro o qual Goodall era a fundadora, o qual informou que Jane morreu de causas naturais em sua casa.
Jane também possui o título de Dame Commander of the Order of the British Empire (da sigla DBE), uma condecoração dada pela Coroa Britânica que é o equivalente a "Sir" para os homens. O título de nobreza honorário foi dado a ela pela Rainha Elizabeth 2ª, em 2004, em reconhecimento aos seus serviços à ciência, à conservação ambiental e ao bem-estar animal.
“A Dra. Jane Goodall trouxe muita luz a este mundo, demonstrando de forma belíssima o que uma pessoa pode alcançar”, afirma Jill Tiefenthaler, diretora executiva da National Geographic Society. “Conhecer Jane era conhecer uma cientista, conservacionista, humanitária, educadora, mentora extraordinária e, talvez mais profundamente, uma defensora incansável da esperança.

As décadas de pesquisa da renomada primatóloga Jane Goodall sobre a vida dos chimpanzés selvagens mudaram radicalmente nossa compreensão sobre esses primatas inteligentes, os parentes mais próximos dos seres humanos.
Membro querido da comunidade National Geographic por mais de 60 anos, Jane mudou para sempre nossa relação com a natureza e, por sua vez, nossa própria humanidade. “Somos gratos por estar entre aqueles que aprenderam com ela, compartilharam suas convicções e continuarão a levar adiante sua luz”, continua Jill Tiefenthaler.
“Seu trabalho de campo inicial observando chimpanzés na Reserva Natural Gombe Stream, em Tanganica (atual Tanzânia), revelou um rico catálogo de comportamentos compartilhados — tanto sociais quanto emocionais — entre humanos e primatas. Ela foi “a mulher que redefiniu o homem”, escreveu seu biógrafo, Dale Peterson.
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Como Jane Goodall redefiniu o comportamento dos chimpanzés
Goodall viu como um animal enjaulado se transformava em uma versão diminuída e humilhada de si mesmo, o que se refletia em seus olhos e na maneira como se movia. Era seu imperativo moral mudar isso. “Devemos ser gentis com os animais porque isso nos torna seres humanos melhores”, disse ela a Mary Smith, editora de fotografia da revista National Geographic, que ajudou a levar suas histórias para a impressão.
Jane influenciou o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos a acabar com o uso de chimpanzés em pesquisas médicas e recrutou o secretário de Estado James Baker, em 1989, para ajudar a reprimir o comércio de carne selvagem africana.
“Goodall viu como um animal enjaulado se transformava em uma versão diminuída e humilhada de si mesmo.”
Quando questionada por um entrevistador se era primeiro uma cientista ou uma mística, ela optou por mística. “Eu não queria ser cientista”, explicou ela. Foi Louis Leakey quem a incentivou a se formar, um doutorado pela Universidade de Cambridge em comportamento animal, porque isso a ajudou a se proteger contra as críticas de seus colegas que, no início de sua pesquisa, zombavam dela por não fazer ciência adequadamente. Em vez de atribuir números aos seus sujeitos, ela deu-lhes nomes. Atribuiu-lhes emoções. Antropomorfizou-os.
Goodall pôde fazer isso porque observou um jovem chimpanzé, angustiado pela perda da mãe, cair em depressão e morrer. Ela também viu um lado sombrio: machos que usavam a intimidação para chegar ao topo. E quando o grupo se dividiu em duas facções rivais: assassinato. “Eu achava que eles eram como nós, mas mais gentis. Levei um tempo para aceitar a brutalidade”, disse ela.
Isso enfureceria os criacionistas, mas seu trabalho sugeria que talvez não fossem os macacos que refletiam o comportamento humano, mas sim o comportamento humano que refletia o dos primatas. “Eu sentia que estava aprendendo sobre seres capazes de sentir alegria e tristeza... medo e ciúme”, disse ela sobre aqueles anos no parque de Gombe.
E quando Flo morreu – ela era a matriarca chimpancé de orelhas irregulares e nariz bulboso da primeira família de chimpanzés que Jane estudou e a ensinou tanto sobre maternidade – Jane Goodall chorou, expressando uma emoção compartilhada com os chimpanzés que ela estudava e amava: tristeza e pesar por sua perda.


Goodall transcreve notas de campo à luz de uma lâmpada no Parque Nacional Gombe Stream, na Tanzânia, no início dos anos 1960. Ela foi a primeira a observar chimpanzés usando gravetos como ferramentas, em 1960, um comportamento que antes se acreditava ser exclusivo dos seres humanos.
Goodall observa uma família de chimpanzés em uma árvore em Gombe no início dos anos 1960. Quando começou a estudar os animais, ela ainda não tinha recebido uma educação científica formal. Sem saber que a prática estabelecida era usar números para identificar os animais, ela registrou suas observações dos chimpanzés com nomes que ela mesma atribuiu: Fifi, Flo, Sr. McGregor e David Greybeard.

Goodall observa o jovem chimpanzé Flint, na janela, brincando em seu acampamento em Gombe. Ele foi o primeiro chimpanzé que ela estudou desde a infância até a idade adulta. Incomum por ser muito apegado à sua mãe, Flo, durante toda a infância, ele morreu em 1972, aos oito anos, apenas um mês depois de sua mãe.
As origens da defesa dos animais feita por Jane Goodall
A casa vitoriana de tijolos vermelhos onde Jane cresceu, na cidade litorânea inglesa de Bournemouth, abrigava uma família composta apenas por mulheres: Jane, sua mãe, Vanne, sua irmã, Judy, duas tias e uma avó. Seu pai, um oficial do exército britânico, estava quase sempre ausente e mais tarde se divorciou de sua mãe.
Quando criança, ela ansiava por aventuras e por fazer coisas que os homens faziam e as mulheres não. Acima de tudo, ela ansiava por ir à África para estudar animais. Naquela casa de mulheres, e particularmente com o incentivo de sua mãe, ela aprendeu a ser autossuficiente e acreditou que poderia se tornar qualquer coisa que quisesse.
A importância da criação dos filhos seria confirmada quando ela chegou ao Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia, e observou Flo, a matriarca da primeira família de chimpanzés que estudou. Flo era amorosa e, acima de tudo, atenciosa e solidária com seus filhos.
A própria mãe de Goodall a acompanhou (o comitê de pesquisa insistiu em uma acompanhante) durante seus primeiros cinco meses na selva. Era um sonho realizado. “Era aqui que eu deveria estar”, disse ela no documentário “Jane”, da National Geographic, de 2020.

Goodall e o ecologista americano Michael Fay, ambos exploradores da National Geographic, viajaram de canoa para visitar um grupo isolado de chimpanzés na Reserva Natural de Goualougo, no norte do Congo. Tendo tido pouco ou nenhum contato com humanos antes, os chimpanzés reagiram a eles com curiosidade, em vez de medo.
No campo e no mundo em geral, ela deixava pegadas muito leves. Na floresta, costumava andar descalça. Vegetariana, comia literalmente como um pássaro. Ela vivia como uma mendiga, comentou certa vez um colega. O material era imaterial para ela. Tudo girava em torno de seus chimpanzés, do meio ambiente, da conservação, de garantir que o mundo não se autodestruísse.
Seus primeiros objetos de estudo quando criança foram as minhocas que ela colocava debaixo do travesseiro até que sua mãe lhe mostrou que elas morreriam sem terra. Havia também um pássaro – o qual ela convenceu a mãe a construir um ninho numa estante de livros da casa – e seu amado cão, Rusty, um vira-lata.
Rusty foi “seu primeiro professor” e ensinou a Jane que animais inteligentes têm emoções, bem como personalidades distintas e individuais.
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Goodall visita um chimpanzé chamado Gregoire em sua jaula no Zoológico de Brazzaville, no Congo, em 1995. Nos 40 anos anteriores, Gregoire viveu sozinho nessa jaula, cuja porta estava trancada com ferrugem. O Instituto Jane Goodall resgatou o chimpanzé, levando-o de avião para o Santuário Tchimpounga, no Congo, onde ele viveu por mais 11 anos. Ele morreu em 2008 como o chimpanzé mais velho conhecido da África.
Os primeiros chimpanzés na vida da cientista Jane Goodall
Ela viu isso em David Greybeard, o primeiro chimpanzé a se aproximar e aceitar o “primata branco peculiar”, como ela se referia a si mesma. Haveria um modelo de argila dele em seu bolo de casamento quando ela se casasse com Hugo van Lawick, o fotógrafo que a National Geographic enviou para documentar seu trabalho.
David Greybeard era confiante, calmo e determinado. Goliath, o macho alfa de seu grupo, era tempestuoso; Frodo, um valentão. Mais tarde, quando Goodall passou seu trabalho de campo para outros assumirem a missão de aumentar a conscientização e arrecadar fundos para tornar a Terra um lugar mais verde e sustentável, isso também dizia respeito ao indivíduo.
Jane conseguia cativar uma multidão — até mesmo os experientes profissionais do entretenimento de Hollywood — e fazer uma entrada digna de uma estrela do rock. Um crescendo de seus gritos preenchia a sala, aumentando de volume: Ho hoo ho hoo HOO HOOO!
Então, quando os gritos se transformavam em silêncio, ela saía de trás da cortina para uma ovação de pé, com palmas e pisadas. Sua paixão silenciosa contagiava o público; lágrimas corriam e, em seguida, os cheques.

Goodall posa com seu primeiro chimpanzé, um brinquedo de pelúcia chamado Jubilee, na casa de sua família em Dorset County, Inglaterra. Goodall cresceu em “The Birches”, apelido dado à propriedade por causa das árvores de bétula prateada, com sua mãe, avó, irmã e duas tias, enquanto seu pai, um engenheiro, estava frequentemente ausente a trabalho.

Em sua casa em Dar es Salaam, na Tanzânia, na década de 1990, Goodall escrevia de 20 a 30 cartas por dia tentando promover seus objetivos de proteger os chimpanzés e seus habitats da invasão humana. “Em 1960, o habitat dos chimpanzés se estendia até onde meus olhos podiam ver em Gombe”, disse ela à National Geographic em 1995. “ Hoje, os chimpanzés estão presos como se estivessem em uma ilha.”
Certa vez, em um evento de autógrafos em uma livraria de uma pequena cidade, o fotógrafo da National Geographic Nick Nichols perguntou por que eles não estavam em um local maior, como os auditórios onde ela costumava dar palestras. Ele lembrou: “Ela apenas olhou para mim e disse: ‘Mas e se houver apenas uma pessoa que venha hoje e mude as coisas para o planeta?’” Até mesmo a pessoa sentada ao lado dela em um avião poderia ser essa pessoa.
Como surgiu a relação entre National Geographic e Jane Goodall
Goodall chamou a atenção da National Geographic Society em 1961. Seu mentor, o paleoantropólogo e bolsista de NG Society Louis Leakey, contou ao Comitê de Pesquisa e Exploração — um grupo de 16 homens que distribuía bolsas a cientistas, exploradores e outros — sobre sua assistente no Museu Coryndon, em Nairóbi, no Quênia, que ele havia enviado a Gombe para observar chimpanzés.
A relação de Jane com NG Society duraria quatro décadas, mas, pelo menos no início, não foi fácil. Embora tenha aprovado US$1.400 (cerca de R$7.500 ao câmbio de hoje) para o trabalho de Goodall, o comitê recusou o pedido de Leakey para financiar suas despesas enquanto ela redigia suas descobertas.

Goodall se inclina para frente enquanto Jou Jou, um chimpanzé, estende a mão para ela em Brazzaville, Congo, em 1990. Refletindo sobre sua juventude e suas primeiras descobertas maravilhadas sobre as criaturas fascinantes e complexas que se tornariam o trabalho de sua vida, ela disse que a jovem “ainda está lá, ainda faz parte da minha versão mais madura, sussurrando animadamente em meu ouvido”.

Goodall conversa com alunos do ensino fundamental em um evento de 1995 para a Roots & Shoots, uma iniciativa que ela lançou com o Jane Goodall Institute em 1991 para educar crianças sobre a importância da conservação. Como parte de sua missão de construir a consciência ambiental, Goodall acreditava no poder dos jovens para fazer a diferença.

Goodall reúne seus pensamentos antes de uma aparição na televisão em Washington, D.C. Nas últimas décadas de sua vida, ela fez dezenas de aparições ao redor do mundo a cada ano para aumentar a conscientização e arrecadar fundos para o Jane Goodall Institute, uma organização global sem fins lucrativos dedicada à proteção dos chimpanzés e do meio ambiente.
O comitê estava cauteloso: Jane Goodall não tinha formação científica, não tinha diploma. Uma mulher sozinha na selva da África Oriental estudando o comportamento dos chimpanzés, vulnerável a condições climáticas violentas, animais predadores, cobras venenosas e mosquitos da malária? Pedir mais US$1.120 (cerca de R$5980), na época, poderia ser exagero.
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Leakey jogou sua carta na mesa com astúcia: disse a eles que Goodall havia documentado os primatas fabricando e usando ferramentas — folhas de grama e galhos enfiados em montes para pescar cupins. Anteriormente, acreditava-se que apenas os humanos tinham essa capacidade.
Isso chamou a atenção deles. O comitê aprovou, então, os fundos adicionais, impulsionando o trabalho de Jane. Foi sem dúvida o melhor investimento que a National Geographic Society já fez. Sua revista e cobertura televisiva apresentariam Jane Goodall, talvez a mulher mais conhecida na ciência, ao mundo.
“Uma bonita senhorita que passa seu tempo observando macacos” e “Morra de inveja, Fay Wray”, proclamavam as manchetes com um toque de obscenidade. Até mesmo o presidente NG Society, Melville Bell Grosvenor, se referia a ela como “a loira britânica que estuda os macacos”.
Mas Jane não se importava. Na verdade, isso era potencialmente útil; as pessoas se sentiam menos ameaçadas por uma mulher e mais propensas a ajudá-la. “Eu era a garota da capa da Geographic”, disse ela com ironia.
Em memória da vida incrível de Jane e de sua contribuição para nossa compreensão do mundo natural, a National Geographic exibirá o documentário “Jane” nos Estados Unidos. Consulte sua região para saber se a atração também estará disponível.
Dirigido por Brett Morgen, com trilha sonora do compositor Philip Glass, o documentário “Jane” usa imagens nunca antes vistas para contar a história da vida de Goodall. Assista ao filme no Disney+.
