Brasileiros caçadores de pterossauros embarcam em aventura científica pela Antártida

Cientistas do grupo Paleoantar remontam a saga dos répteis voadores na península antártica após tragédia no edifício do Museu Nacional do Rio, que abrigava as descobertas históricas da equipe desde 2007.

Por Gabriel de Sá
fotos de Edson Vandeira
Publicado 13 de jan. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
paleontologia antartida
O paleontólogo Douglas Santos Riff, da Universidade Federal de Uberlândia, examina um fóssil de madeira, datado em 70 milhões de anos, na Ilha Vega. O trabalho de paleontólogos brasileiros na Antártida já revelou a existência de enormes pterossauros.
Foto de Edson Vandeira

Eles dominaram os céus do planeta durante a Era Mesozoica e podiam atingir a envergadura de um avião de caça. Parentes dos dinossauros, os répteis voadores conhecidos como pterossauros, apesar de um pouco assustadores, sempre fascinaram o imaginário popular. Em busca de tornar esses seres cada mais reais, coube a um grupo de pesquisadores brasileiros a missão de investigar e gerar dados científicos robustos sobre tais criaturas pré-históricas.

Formado por pesquisadores do Museu Nacional do Rio de Janeiro, de universidades federais e até estrangeiros, e vinculado ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar), o projeto Paleoantar realizou cinco expedições pela península antártica desde 2007 e identificou três ossos de pterossauros, revelando detalhes até então desconhecidos sobre os enormes repteis alados.

A sexta expedição está em curso. Atualmente, quatro pesquisadores estão na ilha Nelson, na Antártida, realizando novas coletas. Os trabalhos em campo foram iniciados em novembro de 2019 e o grupo retorna ao Brasil com o material recolhido em fevereiro de 2020. Outro grupo de quatro cientistas do Paleoantar embarca para a península Bayers, na ilha Livinston, no início de fevereiro, com retorno previsto para meados de março.

O Paleoantar estará em vigência até dezembro de 2022, e o plano dos pesquisadores é explorar, até lá, além da península antártica, as ilhas Shetlands, incluindo a ilha Rei George, e áreas no entorno da Estação Comandante Ferraz, com reinauguração prevista para 15 de janeiro. “O derretimento constante das geleiras tem feito com que novas áreas de rocha sejam expostas, aumentando as possibilidades de encontrar novos sítios paleontológicos para o nosso projeto”, observa a paleontóloga Juliana Sayão, coordenadora-adjunta do projeto, que embarca com o próximo grupo para a Antártida.

Acampamento de pesquisa na ilha Vega, na Antártida. Os paleontólogos montam acampamento em diferentes locais do continente, nem sempre próximos à recém-inaugurada nova estação Comandante Ferraz.
Foto de Edson Vandeira
Mesmo no verão, única período que as pesquisas podem ser desenvolvidas, pesquisadores estão sucetíveis a condições climáticas extremas. Em um dia, o acampamento pode ter sol e tempo bom (no alto). No seguinte, pode ser atingido por uma forte nevasca (acima).
Foto de Edson Vandeira

A primeira expedição do Paleoantar ao continente gelado ocorreu no verão antártico de 2007, quando membros grupo acamparam por um mês na ilha de James Ross. À época, os pesquisadores encontraram o fóssil do réptil marinho mais antigo do local. Além dele a equipe identificou os primeiros registros de folhas fósseis da planta Nothofagus na Península Keller durante uma caminhada nas imediações da Estação Comandante Ferraz.

O Paleoantar conta com o apoio logístico da Marinha do Brasil para transportar com segurança pesquisadores, equipamentos e todo o material necessário para o período de expedição na Antártida. Eles voam do Rio de Janeiro para a Base Antártica Chilena Presidente Frei Montalva por meio de aviões C-130, da Força Aérea Brasileira.

Já em território antártico, embarcam em navios que deslocam as equipes pelos mais diversos e remotos destinos no continente gelado. Durante o trajeto, as embarcações são escoltadas por helicópteros que, do alto, procuram por icebergs e camadas de gelo, orientando o caminho dos navios. Equipes de pesquisadores como as do Paleoantar são acompanhadas por alpinistas, que ajudam no transporte e na segurança, e ficam acampados em barracas por períodos entre 25 e 50 dias.

Azdarchídeos ou pteranodontídeos

Os planos dos membros do Paleoantar de retornarem ao continente antártico pela segunda vez só se concretizaram em 2016, quando o grupo resolveu investir na busca por vertebrados. A grande conquista da expedição nas ilhas James Ross e Vega foi o primeiro registro de pterossauros na península antártica. “Antes, apenas um osso desse grupo de vertebrados alados havia sido encontrado”, conta o geólogo e paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro e líder do Paleoantar.

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    Todo o trabalho dos pesquisadores é apoiado pela Marinha do Brasil. O deslocamento pelas ilhas antárticas normalmente é feito por navios.
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    Do alto, helicópteros da Marinha buscam por icebergs e blocos de gelo e orientam o trajeto do navio.
    Foto de Edson Vandeira

    Nessa expedição, a equipe identificou dois ossos de pterossauros. Eles concluíram tratar-se dos répteis voadores pelas características anatômicas e pela espessura extremamente fina dos ossos. Estima-se que um dos animais possa ter chegado a 16 metros de envergadura. Um terceiro osso foi encontrado pela equipe dois anos depois, em 2018, na ilha Vega.

    Os ossos pertenceram a pterossauros azdarchídeos ou pteranodontídeos, dois grupos de grandes proporções bastante comuns no final do período Cretáceo. “Apesar de existirem diversos registros desses répteis voadores na América do Sul, incluindo o Brasil, até aquele momento eles nunca haviam sido reportados na Antártida”, comemora Sayão.

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    O ineditismo da descoberta, explica Sayão, deveu-se à dificuldade de explorar a península antártica, tanto por conta da localização quanto pelas condições climáticas da região. “Não é fácil chegar aos locais com rochas de idade que possam conter fósseis desses animais”, diz ela. “Além das intempéries que envolvem um acampamento nessas áreas, onde não existem estações nem abrigos.”

    Fora o acesso complicado, o estado de preservação dos fósseis também é um fator delicado. Sayão explica que a ação das geleiras, por vezes, quebra os fósseis e os espalha pelo solo. Como os pterossauros possuíam ossos finos, as chances de encontrar vestígios são escassas.

    Pesquisas em nova fase

    A contribuição científica do Paleoantar ao estudo dos pterossauros trouxe novos e importantes dados sobre a distribuição deles no planeta e como a Antártida fez parte da rota de migração desses seres no final do Cretáceo, próximo ao período em que eles foram completamente extintos.

    Escalador analisa terreno do alto de montanha na ilha James Ross. Para superar a geografia acidentada e o solo instável do continente antártico, os pesquisadores contam com ajuda de especialistas em montanha.
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    Paleontólogos do grupo Paleoantar analisam possível evidência fóssil encontrada em saída de campo na Antártida. Parte do material recolhido pelos pesquisadores será utilizado para repor as peças destruídas pelo incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde todo o material coletado pelo grupo desde 2007 era guardado.
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    “O estudo nos dará subsídio para entender como os ecossistemas da Antártida e de outros continentes vizinhos evoluíram ao longo do tempo”

    por Alexander Kellner
    Líder do projeto Paleoantar

    Com a renovação do Paleoantar em edital de 2018, a busca por macrofósseis – vertebrados, invertebrados e plantas – deu novo ânimo aos pesquisadores. “A renovação foi fundamental, pois precisamos que nossos alunos tenham condições de irem a campo encontrar novos materiais”, enfatiza Kellner.

    Nos planos do grupo para a nova fase do projeto estão a revisão da estratigrafia da região e a datação dos locais com fósseis, já que muitos estudos da geologia da Antártida foram realizados há muitos anos e hoje existem novas metodologias para realizar tais procedimentos.

    O uso de microfósseis irá auxiliar o grupo na interpretação paleoambiental, que é a reconstrução de ambientes passados. Entre 70 e 80 milhões de anos atrás, a paisagem antártica era coberta por vegetação, bem diferente do visual pálido e gélido que se enxerga hoje. O clima era mais quente e havia grande biodiversidade de plantas e animais marinhos e continentais. “Se compararmos com os ambientes que conhecemos, seria semelhante a uma floresta úmida, porém com uma composição vegetal distinta”, diz Sayão.

    Depois de um dia em busca de fósseis, paleontólogos do Paleoantar trabalham em barraca de pesquisa no acampamento da ilha Vega, na Antártida.
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    O trabalho de busca de fósseis depende das condições metereológicas no continente gelado. Às vezes, por conta de uma grande nevasca, os pesquisadores precisam ficar dentro das barracas por mais de uma semana.
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    Alexander Kellner acredita que explorar a península antártica é expandir o conhecimento dos organismos que viveram no passado e compreender como se desenvolveram. “Esse tipo de estudo nos dará subsídio para entender como os ecossistemas da Antártida e de outros continentes vizinhos evoluíram ao longo do tempo”, resume ele.

    Já Sayão defende que os fósseis e as evidências deixadas nas rochas são as únicas provas das mudanças ambientais que a Antártida sofreu ao longo do tempo, incluindo os fenômenos que a congelaram. “Entender esse cenário nos ajudará a lidar com as mudanças futuras, quando elas houverem, já que os fenômenos tendem a se repetir”, diz a pesquisadora.

    Incêndio adiou exposição

    Um dos maiores especialistas em pterossauros do mundo, Alexander Kellner, nascido em Liechtenstein e brasileiro naturalizado, é autor de mais de 200 artigos publicados em revistas científicas, tendo descrito cerca de 60 espécies dos répteis voadores pré-históricos. Os pterossauros foram objeto de estudo de Kellner durante o mestrado no Brasil e resultaram em sua tese de doutorado na Universidade Columbia, em Nova York, EUA.

    Um episódio de proporções incalculáveis atingiu o trabalho de Kellner e seus colaboradores em 2 de setembro de 2018, quando um incêndio tomou conta do edifício do Museu Nacional do Rio de Janeiro, do qual o pesquisador é diretor. A construção histórica foi fundada em 1818 e é vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O museu abrigava cerca de 20 milhões de itens de áreas científicas como geologia, paleontologia, botânica, zoologia e arqueologia.

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    Nos escombros do Museu, as equipes de busca conseguiram recuperar um osso de uma falange alar de um pterossauro (aquele achado em Vega em 2018), descrito no artigo científico do Paleoantar sobre os primeiros dinossauros alados da Antártida. “Esse osso correspondia a um dos fósseis antárticos mais importantes que havíamos coletado nesse período”, observa Juliana Sayão.

    A pesquisadora diz que havia muitos materiais fósseis recolhidos nas expedições antárticas nas coleções abrigadas no interior do museu, o que dificulta a contabilização das perdas totais. “Estamos muito esperançosos, já que o trabalho de resgate de acervos tem se mostrado bastante eficiente”, observa Sayão.

    O grupo preparava uma exposição com seus principais achados, mas a mostra foi inteiramente destruída na tragédia. “Perdemos muito material”, diz Kellner. O esforço coletivo resultou na remontagem da mostra Quando Nem Tudo Era Gelo - Novas Descobertas no Continente Antártico, em exibição no Centro Cultural Casa da Moeda do Brasil desde janeiro de 2019. A exposição conta com 160 peças coletadas pelo Paleoantar na Antártida, sendo que oito foram resgatadas dos escombros do prédio.

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