Por que a primeira pena de dinossauro conhecida inspirou décadas de disputas?

Uma nova análise fornece o melhor indicativo de que a pluma jurássica é proveniente de um icônico dinossauro com penas.

Por Michael Greshko
Publicado 6 de out. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Esta pena de 150 milhões de anos primorosamente preservada e a primeira já descoberta foi encontrada ...

Esta pena de 150 milhões de anos primorosamente preservada e a primeira já descoberta foi encontrada em uma pedreira de calcário na Alemanha, em 1861. Uma pesquisa meticulosa agora apresenta evidências convincentes relacionadas a três questões polêmicas sobre a pena: ela pertencia ao dinossauro que se parecia com um pássaro, o Archaeopteryx? É um tipo de pena de asa chamada de cobertura primária? E sua cor original era inteiramente preta e opaca?

Foto de Museum Naturkunde Berlin

DESDE QUE foi encontrada em uma pedreira de calcário na Alemanha, em 1861, a primeira pena fossilizada já conhecida se tornou um ícone da paleontologia: apesar de surpreendentemente semelhante às penas das aves modernas, estava sepultada em rocha antiga.

Essa pluma de 150 milhões de anos foi o primeiro fóssil já ligado ao Archaeopteryx lithographica — nome agora atribuído a um dinossauro com penas encontrado em rochas próximas. Aproximadamente do tamanho de um corvo, a mescla de características de ave e dinossauro do antigo animal é uma ilustração da transição evolutiva, o que sustenta as teorias de Charles Darwin.

Atualmente, a pena que iniciou a discussão é sem dúvidas o fóssil mais famoso do gênero. Mas também está entre os mais polêmicos — um estudo de 2019 até sugeriu que nem sequer pertencia ao Archaeopteryx.

A questão não é se o Archaeopteryx possuía penas: muitos dos 13 esqueletos encontrados ao longo dos anos preservam marcas de penas. Pelo contrário, a questão é se essa pena emblemática — que forneceu as primeiras evidências sobre a longa história evolutiva das aves modernas — de fato pertence ao Archaeopteryx.

Agora, pesquisadores liderados por Ryan Carney, explorador da National Geographic, apresentam sua maior argumentação já feita de que, sim, a pena pertence ao Archaeopteryx.

“Esse estudo equivocado (de 2019) foi disseminado não apenas pela literatura científica, mas também pela cultura popular”, afirma Carney, paleontólogo e cientista digital da Universidade do Sul da Flórida. “Considero muito importante corrigir o equívoco.”

A pena jurássica é proveniente da asa esquerda do dinossauro voador Archaeopteryx, reconstituído nesta imagem em 3D.

Foto de Ryan Carney

Penas para todo lado

O novo estudo, publicado no periódico Scientific Reports no 159o aniversário da revelação da pena fossilizada, marca a mais recente iniciativa de Carney para entender completamente o Archaeopteryx, inclusive como era sua locomoção e aparência.

O animal fascina Carney desde criança. Na faculdade, estudou modelagem 3D justamente para ajudá-lo a reconstituir o Archaeopteryx e até mesmo incorporou a pena em seu trabalho de conclusão de curso: um videoclipe para sua banda de rock. No 150o aniversário do fóssil, Carney tatuou o fóssil no braço. Desde então, o fascínio de Carney pelo Archaeopteryx o transformou de certa forma em um especialista na criatura.

Em 2012, Carney — na época, aluno de pós-graduação na Universidade Brown — liderou um estudo sobre a pena fossilizada para identificar sua cor e localização exata na asa do Archaeopteryx. Ele concluiu que o mais plausível seria que a pena fizesse parte da superfície superior da asa esquerda do Archaeopteryx, onde teria servido de base a uma pena de voo primária. A equipe também analisou a pena sob microscópios de alta potência e encontrou pigmentos fossilizados que sugeriam que a pena fosse preta.

Desde então, vários estudos têm examinado a cor e a identidade da pena. Um estudo de 2013 sugeriu que a pena era metade preta, metade branca, ao passo que um estudo separado de 2014 alegou que os “pigmentos” fósseis da pena eram na verdade micróbios fossilizados. Mas a análise mais surpreendente veio em 2019, quando uma equipe liderada por Thomas Kaye, diretor da Fundação para o Avanço Científico, com sede nos Estados Unidos, e por Michael Pittman, paleontólogo da Universidade de Hong Kong, lançou dúvidas sobre o vínculo da pena com o Archaeopteryx.

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    Utilizando um microscópio eletrônico de varredura, os pesquisadores analisaram pigmentos fossilizados denominados melanossomos e determinaram que a pena não era originalmente na cor preta e branca, como alegado anteriormente por outro estudo, mas inteiramente preta e opaca com uma ponta mais escura. O pesquisador Ryan Carney tatuou a pena no braço (imagem à direita).

    Foto de Composite of four images, Museum Für Naturkunde Berlin, left, Ryan Carney

    estudo de 2019 utilizou técnicas de imagem a laser para visualizar um tênue “halo” químico no fóssil correspondente à estrutura tubular da pena, denominada cálamo em anatomia. Embora o cálamo fosse visível na década de 1860 e tenha sido incluído nos desenhos do fóssil na época, a deterioração do espécime fez com que essa característica desaparecesse.

    Além disso, os autores do estudo desenharam a “linha central” da pena, a curva traçada por sua raque inferior nua e eixo coberto de ramificações. Verificaram que seu formato divergia do formato de uma amostra de penas de aves modernas semelhantes ao tipo identificado pela equipe de Carney em 2012.

    Se a pena fossilizada não era compatível com essas penas, argumentaram os autores do estudo, não poderia pertencer à asa do Archaeopteryx. Dessa forma, poderia ter pertencido a um tipo totalmente diferente de dinossauro com penas.

    Traçando a curva

    Agora, Carney e seus colegas refizeram a análise conduzida em 2019 e chegaram à conclusão oposta.

    A equipe de Carney expandiu o conjunto de penas de aves utilizado para comparações no estudo de 2019 com o intuito de esclarecer que o formato das penas de aves é bastante variável tanto entre uma mesma asa quanto entre espécies. Os pesquisadores também refizeram a linha central da pena fóssil e chegaram a uma curvatura menor do que a do estudo de 2019. A nova linha central é compatível com o conjunto expandido de formatos de penas, confirmando a tese de que essa pena poderia ser proveniente de uma asa de Archaeopteryx.

    Para confirmar os vínculos da pena com seu suposto dono, Carney examinou o único fóssil conhecido de Archaeopteryx, que preserva as marcas das superfícies superiores das asas. O fóssil mostra que uma pena com o tamanho e o formato do fóssil misterioso é compatível com a plumagem da asa.

    O espécime de Archaeopteryx de Altmühl possui marcas das penas do animal. Quando a equipe sobrepôs a imagem digital da pena isolada a sua localização hipotética na asa, ela encaixou perfeitamente com o tamanho e o formato das coberturas primárias preservadas.

    Composite of two Images by Helmut Tischlinger fossil and Ryan Carney feather

    Além disso, esse fóssil também preserva vestígios das barbas ramificadas das penas, que se projetam para fora do eixo praticamente no mesmo ângulo que as da pena fossilizada. “Fiquei surpreso com tamanha semelhança”, afirma Carney.

    A equipe também analisou os mapas das escavações onde foram encontrados os fósseis de Archaeopteryx. Todos os esqueletos conhecidos foram encontrados em pedreiras de calcário na região de Solnhofen, no sul da Alemanha, em uma extensão com largura superior a 60 quilômetros. O local da descoberta da pena fossilizada fica a menos de 2,5 quilômetros dos sítios arqueológicos de quatro dos 13 fósseis conhecidos de Archaeopteryx. Além disso, o processo de fossilização de todos os cinco fósseis ocorreu durante um período máximo de 165 mil anos de diferença um do outro. Equivale a um piscar de olhos em termos geológicos, sobretudo se for considerado que algumas espécies de dinossauros que tinham penas na região da atual China viveram por milhões de anos.

    “Para mim, esse mapa foi categórico, definitivo, pois não há outros dinossauros naquela região dotados (...) de penas bastante avançadas capazes de alçar voo, que correspondem ao tipo mais avançado de penas no corpo de dinossauros e aves”, conta Carney.

    Um mapa do distrito da pedreira na Alemanha onde cinco espécimes de Archaeopteryx foram encontrados indica sua proximidade com o local de proveniência da pena solta.

    Embora Carney discorde do traçado do cálamo no estudo de 2019, Pittman afirma que discorda do traçado do novo estudo e, consequentemente, de todas as análises seguintes. Ele compara o raque e o eixo da pena a uma vara de salto: até mesmo mudanças ínfimas no ângulo em sua base provocam grandes mudanças em sua curvatura geral, sobretudo em sua extremidade mais distante.

    “Não faz sentido comentar análises posteriores, pois, se o posicionamento estiver incorreto, se forem avaliadas outras características, então outros aspectos estarão sujeitos a erros”, explica ele.

    Pittman afirma que ele e seus coautores estão elaborando uma resposta ao estudo de Carney. E se o próprio artigo de resposta de Carney servir de indicativo, os novos resultados certamente não serão a última palavra.

    Mas agora que Carney está convencido de que essa pena fossilizada pertence ao Archaeopteryx, ele passou todas as suas atenções à forma de uso dessa pena. Para sua dissertação de doutorado em 2016, Carney utilizou modelos computadorizados e radiografias de aves vivas e jacarés para sugerir que o Archaeopteryx poderia ter batido as asas o suficiente para voar com suas próprias forças. Ele e seus alunos estão atualmente prosseguindo esse estudo e reconstituindo o possível voo do Archaeopteryx e, segundo ele, os resultados completos devem ser publicados no próximo ano.

    Em um prazo maior, Carney acrescenta que tem interesse em reconstituir o Archaeopteryx em carne e osso: não apenas seu esqueleto, como também seus músculos, pele e até mesmo as penas pretas que ele assumiu como um símbolo pessoal.

    “Quero que seja perfeito”, afirma ele. “Precisa ser impecável.”

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