Poluição por plástico é um problema grave — mas ainda não é tarde demais para solucioná-lo

Solucionar o nosso problema de resíduos plásticos exige uma mudança fundamental na forma como vemos a fabricação, o uso e o descarte dos plásticos, segundo dois novos estudos.

Por Laura Parker
Publicado 11 de out. de 2020, 08:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Fábricas de plástico como esta na China estão aumentando a produção de plástico virgem, mesmo com ...

Fábricas de plástico como esta na China estão aumentando a produção de plástico virgem, mesmo com um volume recorde de plástico poluindo os oceanos.

Foto de Wang Jianwei, Xinhua, Eyevine, Redux

A iniciativa global para controle de resíduos plásticos é uma das causas ambientais que mais ganhou força. Mas ainda não foi suficiente para reduzir as toneladas de lixo plástico descartado nos oceanos incessantemente.

Nos próximos dez anos, a quantidade de lixo que chega aos cursos d'água e, consequentemente, aos oceanos, poderá chegar aos 22 milhões ou até mesmo 58 milhões de toneladas ao ano. E essa é a “boa” notícia — já que essa estimativa leva em consideração milhares de projetos ambiciosos por parte de governos e indústrias para reduzir a poluição por plástico.

Sem esses compromissos, em um cenário em que “tudo permaneceria igual”, a situação pode ser duas vezes pior. Sem melhorias no gerenciamento de resíduos que estão em prática atualmente, 99 milhões de toneladas de resíduos plásticos não-controlados podem chegar ao meio ambiente até 2030.

Essas duas projeções, resultantes de uma nova pesquisa realizada por um grupo internacional de cientistas, são muito superiores à primeira estimativa global publicada em 2015, que calculava uma média de 8,8 toneladas de plástico despejada nos oceanos anualmente. Esse número foi tão alarmante para o planeta, na época da divulgação há cinco anos, que ajudou a renovar a causa do lixo plástico.

Jenna Jambeck, professora de engenharia da Universidade da Geórgia que realizou essa projeção, também fez uma analogia para contextualizar o problema. Seria o equivalente a um caminhão de lixo cheio de plástico descarregado no oceano a cada minuto, o dia inteiro, todos os dias do ano. Jambeck também faz parte do grupo que realizou os novos cálculos. Mas foi um desafio elaborar uma nova maneira de visualizar 20 a 53 milhões de toneladas.

“Não sei. Estamos nos aproximando de um nível que chega a ser incompreensível”, afirma. “Talvez uma referência como um estádio de futebol repleto de plásticos por dia? Ou plástico suficiente para cobrir o estado de Rhode Island ou a nação de Luxemburgo até a altura do tornozelo?”

Nenhuma dessas analogias, ainda que fidedignas, consegue demonstrar a magnitude do que está em jogo.

Assim como as mudanças climáticas, muito depende da resposta da comunidade global nas próximas décadas. E, mesmo com um paralelo óbvio entre a questão dos resíduos plásticos e as mudanças climáticas — ambas estão relacionadas ao petróleo, ingrediente básico para a fabricação de plásticos, elas diferem em um ponto-chave: a durabilidade do plástico. Embora exista a possibilidade, ainda que remota, de que a tecnologia e a restauração de ecossistemas naturais possibilitariam a remoção de CO2 da atmosfera, não existe algo similar ao plástico. Por ser um material praticamente indestrutível, ele não se desintegra.

“Para mim, o maior problema é a questão da permanência”, conta George Leonard, cientista-chefe da Ocean Conservancy e membro do grupo que elaborou a nova estimativa. “Se não controlarmos o problema da poluição por plástico nos oceanos, corremos o risco de contaminar toda a cadeia alimentar marinha, desde o fitoplâncton até as baleias. E quando a ciência chegar a esse ponto, talvez concluindo que se trata de um problema definitivo, será tarde demais. Não será possível voltar atrás. Essa enorme quantidade de plástico estará impregnada na fauna marinha permanentemente”.

A Royal Dutch Shell produzirá grânulos de plástico como este da imagem em sua nova fábrica no condado de Beaver, na Pensilvânia, Estados Unidos. A fábrica produzirá mais de um milhão de toneladas desses pequenos grânulos. Muitos da região de Pittsburgh consideram a produção como um motor de desenvolvimento econômico, no entanto, outros se preocupam com o impacto ambiental em longo prazo.

Foto de Ross Mantle, T​he New York Times, Redux

O poder de dois estudos

A análise é a segunda nas últimas duas semanas a observar o futuro da economia do plástico e concluir que corrigir o problema do desperdício — 40% dos plásticos fabricados atualmente consistem em embalagens descartáveis — exige uma mudança fundamental da forma de pensar como ele é fabricado, utilizado e descartado.

As novas constatações foram realizadas por um grupo de cientistas financiado pela Fundação Nacional de Ciência através do Centro Nacional de Síntese Socioambiental (SESYNC) da Universidade de Maryland. O outro projeto, que faz projeções para 2040, foi conduzido pela Pew Charitable Trusts e pela SYSTEMIQ, uma assessoria ambiental e sociedade de investimentos sediada em Londres, e foi divulgado pela primeira vez em julho. Ambos os estudos foram publicados juntos na revista científica Science em setembro.

O inusitado é que esses dois grupos de pesquisa científica independentes, utilizando métodos e horizontes de tempo diferentes, tenham chegado às mesmas conclusões gerais. Ambos atribuíram a culpa do aumento das toneladas de plástico nos oceanos ao aumento da produção que está ultrapassando a capacidade mundial de coleta de lixo plástico. Eles também concordaram que reduzir o descarte exige redução da crescente produção de plástico virgem.

“A magnitude do problema é a mesma. A diferença está na metodologia”, explica Stephanie Borrelle, bióloga marinha da Nova Zelândia e autora principal do estudo da SESYNC. “Temos que tomar providências e rápido. Nossa estimativa anual de despejo não considera o que já está depositado nos oceanos.”

Os dois projetos também concluíram que os resíduos plásticos podem ser reduzidos significativamente, ainda que não eliminados, com a utilização de tecnologias existentes. Uma das medidas seria o aperfeiçoamento da coleta de resíduos e dos sistemas de reciclagem, reformulação de produtos para eliminar embalagens feitas de plásticos não-recicláveis, ampliação da utilização de refis e, em alguns casos, substituição por outros materiais. No entanto soluções como a reciclagem, que atualmente chega a cerca de 12%, também exigiriam um incremento substancial de diversas unidades de reciclagem que ainda não existem.

O projeto da SESYNC ainda indica a necessidade de limpeza de resíduos plásticos nos litorais, onde for possível. Para se ter uma ideia da dimensão do trabalho necessário para alcançar esse objetivo, seria necessária a participação de um bilhão de pessoas na limpeza de praias anual conduzida pela Ocean Conservancy, que atualmente atrai cerca de um milhão de voluntários.

“A verdade incômoda é que esse ritmo de crescimento atual da produção de novos plásticos não é compatível com a eliminação do plástico na natureza”, afirma Ben Dixon, ex-diretor de sustentabilidade da Royal Dutch Shell e parceiro da SYSTEMIQ.  “Essa é a verdade incômoda revelada pelos dois estudos. Talvez investidores e consumidores exerçam uma pressão maior, o que pode influenciar mudanças por parte das empresas.

Os dois projetos chamaram a atenção da indústria do plástico, que rapidamente elogiou as pesquisas, mas descartou a ideia de reduzir a produção de plástico virgem por ser “altamente anti-produtiva e inviável”, nas palavras do Conselho Americano de Química, grupo comercial da indústria petroquímica. Em respostas enviadas por e-mail, ExxonMobil e Dow Chemical, duas das principais fabricantes mundiais de polietileno, concordaram.

“Reduzir a produção para solucionar o problema dos resíduos, por sua vez, agravará a questão climática e as emissões de carbono, visto que materiais alternativos causam uma emissão maior”, afirmou a Dow.

A fabricação do plástico emite menos CO2 e utiliza menos água que a do vidro ou do alumínio. Alguns especialistas afirmam que esse cálculo nem sempre considera todos os custos, como os de limpeza ambiental e peso. A fabricação de vidro emite menos CO2 por grama, mas as garrafas de vidro são mais pesadas. E, no ambiente marinho, não se questiona: as tartarugas ingerem sacolas plásticas, e não garrafas de vidro ou latas de alumínio.

Todd Spitler, porta-voz da Exxon, disse que o foco da empresa será “aumentar o potencial de reciclagem de plásticos, apoiar melhorias na recuperação de resíduos e minimizar a perda de grânulos nas operações”.

O estudo da SESYNC recomenda a definição de limites globais para a produção de plástico virgem, uma sugestão que dificilmente será concretizada. No último encontro em 2019 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em Nairóbi, no Quênia, negociações para aprovar uma resolução que exija a eliminação gradual de plásticos descartáveis até 2025 e para elaborar um tratado juridicamente vinculativo referente aos resíduos plásticos acabaram em impasse.

A pesquisa da Pew/SYSTEMIQ pede a redução da produção de plástico virgem em 11%, alegando que existem resíduos plásticos suficientes que podem ser reciclados e transformados em plástico novo para suprir a demanda. O problema é que o plástico virgem — a resina nova criada a partir do petróleo ou do gás natural — tem um custo de produção tão baixo que acaba enfraquecendo a economia do mercado de reciclagem. É simplesmente mais barato fabricar plástico novo do que coletar, separar e processar plástico descartável para ser reutilizado como matéria-prima. Especialmente agora, com a queda nos preços do petróleo. (Leia mais sobre o estudo da SYSTEMIQ aqui.)

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    Produção de plástico deve aumentar até 2050

    Na realidade, a produção está prevista para mais que dobrar até 2050 — chegando a uma expectativa de 756 milhões de toneladas, partindo das 308 milhões de toneladas de 2018, de acordo com um relatório publicado pelo Conselho Americano de Química em 2019. Nos Estados Unidos, US$ 203 bilhões foram investidos em 343 instalações químicas novas ou ampliadas para a produção de plástico, de acordo com números publicados pelo Conselho em fevereiro passado. A capacidade de produção de etileno e propileno está prevista para aumentar de 33% a 36%, segundo cálculos do Centro Internacional de Direito Ambiental.

    Keith Chapman, diretor executivo do setor de plásticos do Conselho, afirma que a demanda por produtos plásticos, como peças automotivas leves e materiais de construção civil, incluindo isolantes, tubos e conexões, continuará aumentando.

    “A indústria está indo em direção a novas tecnologias”, conta.

    Historicamente, a produção de plásticos aumentou quase que continuamente desde a década de 1950, de 1,8 milhão de toneladas no ano de 1950 para 456 milhões de toneladas no ano de 2018.  Em 2017, das 8,8 bilhões de toneladas produzidas mundialmente no período, sete bilhões desse total foram para o lixo.

    A indústria atribui o crescimento futuro a dois fatores: aumento da população mundial e da demanda por bens de consumo feitos de plástico, alimentada pelo incremento do poder aquisitivo de uma classe média pujante. A ONU estima que a população do planeta, que atualmente é de cerca de 7,8 bilhões de pessoas, aumentará em aproximadamente 2 bilhões até 2050, puxada principalmente pela Ásia e África. Em nível mundial, estima-se uma expansão da classe média para 400 milhões de famílias até 2039 — e é nesse espectro que ocorrerá o crescimento do mercado de plásticos.

    A África, por exemplo, demonstra as complicações que ainda serão enfrentadas para controle de resíduos plásticos nas próximas décadas. O continente hoje gera uma quantidade de lixo baixa para os padrões mundiais, segundo relatório da ONU publicado ano passado. Além disso, a legislação ambiental é limitada, a fiscalização é insuficiente e os sistemas de gerenciamento de resíduos existentes são inadequados. Mas com a urbanização e o aumento vertiginoso da população, juntamente com as mudanças de hábitos de consumo possibilitadas por um padrão de vida melhor, prevê-se que a África Subsaariana será a principal região geradora de lixo municipal.

    “Todos terão de cumprir os seus papéis na cadeia de valor”, explica Guy Bailey, analista de plásticos da Wood Mackenzie, empresa de consultoria especializada em pesquisa nos setores de energia, química, mineração e outros.

    “Para o ramo da reciclagem, é complicado investir quando os preços do petróleo destroem completamente o modelo de negócios. Para o segmento de fabricação de embalagens, há tantas opções de materiais, que fica difícil escolher. E no caso das empresas químicas, fica claro o desafio para manter a reputação, pois correm o risco de perder suas licenças sociais de operação se as coisas forem longe demais. Elas querem enfrentar esses desafios.”

    A Aliança para o Fim dos Resíduos Plásticos, criada no ano passado por 50 gigantes da indústria, se comprometeu em investir US$ 1,5 bilhão na criação de soluções para melhorar os métodos de coleta de resíduos plásticos e reciclá-los gerando produtos novos. Até agora, 14 projetos foram lançados, muitos deles no Sudeste Asiático e na África, inclusive nas Filipinas, Indonésia e Gana.

    Jacob Duer, presidente e CEO da organização, afirmou que o novo relatório “reitera a necessidade e a urgência de enfrentar o problema e salienta a importância de uma mudança de paradigma”.

    Ele considera que com o amadurecimento da organização sediada em Singapura, os investimentos e o número de projetos crescerão. Mas ele é contra a diminuição da produção de plástico virgem.

    Duer e Martyn Ticknet, chefe de desenvolvimento de projetos da Aliança, veem semelhanças entre o combate aos resíduos plásticos e as iniciativas globais para tapar o buraco na camada de ozônio que começaram na década de 1970. No ano passado, o buraco diminuiu para o menor tamanho já registrado desde a sua descoberta.

    “Já solucionamos grandes crises antes”, conta Ticknet. “Leva tempo para engrenar.”

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