Por que o vulcão em erupção no Caribe tem uma reputação tão mortífera?
O La Soufrière, na ilha de São Vicente, que havia entrado em erupção pela última vez em 1979, tem uma longa e trágica história de explosões fortes, mas imprevisíveis.
Cinzas e fumaça sobem durante a erupção do vulcão Soufrière em Kingstown, na ilha de São Vicente, no leste do Caribe, em 9 de abril de 2021.
Desde dezembro de 2020, uma massa incomum e viscosa de lava escorre do topo do La Soufrière, um vulcão no lado norte da ilha caribenha de São Vicente. Essa erupção não parecia representar uma ameaça real aos cerca de 110 mil moradores da ilha, mas houve uma piora nesse cenário no fim de março, quando o vulcão começou a tremer de forma sugestiva de que algo mais violento estava por vir.
Como previsto, em 9 de abril, às 8h41 no horário local, a primeira de várias grandes explosões abalou a montanha, dando início a uma fase mais perigosa da erupção. A situação na ilha é frenética: em qualquer ponto ao norte, entre 20 mil e 30 mil pessoas precisaram ser evacuadas, seja para fora da ilha por barco, ou para o sul da ilha pela única estrada congestionada. O processo de evacuação havia iniciado um dia antes da explosão e ainda estava em andamento quando as erupções começaram.
Vulcão La Soufrière em 1902.
Os riscos àqueles que ainda estão no norte compreendem a queda expressiva de cinzas, quedas de blocos vulcânicos e de bombas de lava, e avalanches de gás e cinzas vulcânicas superaquecidas das quais não se pode escapar. As erupções desse vulcão já mataram milhares de pessoas no passado, e espera-se que as evacuações já tenham sido bem-sucedidas o suficiente para evitar o pior cenário. Até o momento, não houve relatos de mortes.
As explosões de 9 de abril são apenas um prenúncio do que está por vir. Se seu passado servir de referência, então as atividades vulcânicas do La Soufrière estão apenas começando.
“Não é possível saber ao certo se, pelo fato de ter havido uma explosão, a atividade vulcânica cessou”, afirma Jenni Barclay, vulcanóloga da Universidade de East Anglia. “Muitas erupções vulcânicas persistem por semanas ou até mesmo meses e possuem diferentes fases de atividade associadas.” É provável que o La Soufrière não seja diferente.
Da viscosidade ao terror
O La Soufrière é o vulcão mais recente de São Vicente, que integra um arquipélago com 32 ilhas e ilhotas no Caribe. Suas erupções são conhecidas por sua capacidade explosiva e letalidade.
Antes da chegada dos colonos europeus, no início do século 18, a população indígena morava ao longo da costa, longe do perigo de eventuais erupções. Mas após a ilha se tornar uma colônia britânica na década de 1760, a população escravizada residente foi forçada a viver e trabalhar próxima ao vulcão. Muitas pessoas escravizadas morreram após a erupção de 1812, e muitos de seus descendentes morreram quando a erupção de 1902 e 1903 devastou uma grande extensão da ilha.
Desde sua última erupção em 1979, o vulcão tem estado relativamente calmo. Contudo, no fim de dezembro de 2020, sem muito alarde sísmico para servir de alerta, começaram a ser expelidas lavas viscosas, que, nos meses seguintes, aumentaram de volume e formaram um fluxo solidificado de lava, com quase 915 metros de comprimento. Paul Cole, vulcanólogo da Universidade de Plymouth, observa que esse fenômeno pode ter sido tudo que a erupção reservava e, ao esgotar seu vapor, o vulcão poderia ter adormecido novamente.
No fim de 1902, uma erupção matou muitos moradores da ilha.
Destruição da erupção do La Soufrière.
Mas, como muitos dos vulcões da região, o La Soufrière é conhecido por sua imprevisibilidade. Seu tipo de magma é denominado andesito basáltico, explica Jazmin Scarlett, vulcanóloga social e histórica radicada na Inglaterra. É mais viscoso do que o material expelido pelo Kilauea no Havaí e na Islândia, o que significa que o gás aprisionado no magma tem dificuldade para escapar à medida que sobe à superfície — uma característica importante que muitas vezes provoca erupções explosivas quando o gás finalmente rompe a barreira e expande drasticamente.
Segundo Scarlett, não se sabe ao certo por que vulcões como o La Soufrière podem alternar subitamente entre os tipos de erupção efusiva e explosiva. Mas a mudança pode ser instantânea, o que deixou os vulcanólogos em alerta máximo desde dezembro.
Iminência de perigo
À medida que o domo vulcânico continuava a crescer, diversos terremotos sacudiram o vulcão no fim de março. Foram bastante fortes, mas uma segunda onda de terremotos em 5 de abril foi ainda mais intensa. Esses tremores, conhecidos como terremotos vulcano-tectônicos, ou VT, são normalmente associados com o magma atravessando a rocha nas profundezas.
“Assim que foram percebidas essas ondas de terremotos VT, acredito que a maioria dos envolvidos reconheceu que o perigo era iminente”, conta Cole.
Na semana passada, o domo se abriu, tornou-se visivelmente mais incandescente e começou a lançar muitos gases tóxicos. Também foi detectada atividade sísmica adicional em razão da movimentação superficial do magma. Embora fosse cedo demais para ter certeza, o cenário mais provável é que todo esse comportamento apontasse para uma quantidade significativa de magma abundante em gás acelerando em direção à superfície.
Uma explosão estava a caminho e os vulcanólogos torciam para que fosse dado o aviso de evacuação. “Mas é muito difícil quando não é possível especificar uma hora e uma data de alto risco para permanecer nas residências”, observa Barclay.
Para o alívio de muitos, Ralph Gonsalves, primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, ordenou que todos no nordeste e noroeste da ilha evacuassem imediatamente em declaração transmitida pela televisão em 8 de abril. Os alertas foram soados por rádio, bem como por canais de redes sociais. A polícia ao norte da ilha também tratou de espalhar a notícia.
Confluência de desastres
No início da manhã de 9 de abril, uma enorme explosão ocorreu no cume, criando uma nuvem de cinzas com mais de nove quilômetros de altura. Um segundo estrondo aconteceu horas depois.
A evacuação ainda está em curso e não é uma operação simples, explica Scarlett. Havia cerca de 20 mil pessoas na chamada zona vermelha, a área mais ameaçada por erupções explosivas, e mais 10 mil pessoas na zona laranja um pouco mais ao sul. Parte da família de Scarlett mora em Georgetown, cidade localizada na zona vermelha. No momento em que esta matéria foi escrita, não estava claro se todos já haviam deixado a região. “Estou tentando não pensar no assunto, para falar a verdade”, conta ela.
“Existe apenas uma estrada que liga o extremo norte da ilha ao extremo sul”, comenta Scarlett. Para muitos, é a única rota até um local seguro, e imagens compartilhadas nas redes sociais mostram pontos nessa via com muito congestionamento.
Outros tentam escapar pelo mar, recorrendo a pequenos barcos de pesca e até navios de cruzeiro. As nações insulares vizinhas ofereceram acolhimento a refugiados, mas, em 2021, é simplesmente inviável amontoar o maior número possível de pessoas nesses navios. “Neste ano, a estrutura da pandemia tornou tudo muito mais complexo”, disse David Pyle, vulcanólogo da Universidade de Oxford.
Os evacuados só podem subir a bordo de barcos se puderem comprovar que foram vacinados contra a covid-19. Embora o programa de vacinação na ilha tenha sido amplo e rápido, conta Scarlett, ainda há muita hesitação na vacinação, em parte devido ao movimento antivacina, o que significa que pessoas não vacinadas ainda podem estar retidas nos litorais da zona vermelha.
“Tenho certeza absoluta de que ainda havia pessoas na zona vermelha tentando sair” no momento da explosão, afirma Cole, torcendo para que muitos já houvessem fugido. No entanto, como ocorrido com erupções vulcânicas anteriores, um pequeno grupo de pessoas nas zonas de perigo provavelmente se recusará a abandonar suas casas.
Mas aqueles que permaneceram na zona vermelha continuam em perigo. A queda das cinzas pode provocar problemas respiratórios, sobretudo àqueles com doenças respiratórias pré-existentes. A queda de cinzas pode bloquear rotas de fuga e, ao mesmo tempo, aumentar o terror psicológico dos procedimentos de fuga. “Causa uma escuridão amedrontadora e horripilante”, ressalta Barclay.
Avalanches vulcânicas conhecidas como correntes de densidade piroclástica, cujo interior pode alcançar 700 graus Celsius, podem ocorrer costa abaixo e avançar em direção às pessoas a velocidades superiores a 80 quilômetros por hora. “Podem passar por cima da água, transpondo tudo e até avançando sobre terrenos elevados”, conta Scarlett.
Blocos enormes lançados por explosões também podem matar pessoas a vários quilômetros de distância do cume. E se começar a chover, quaisquer depósitos vulcânicos antigos remanescentes podem provocar avalanches de blocos, conhecidos como lahars, que esmagam e sufocam qualquer um em seu caminho.
Aqueles que conseguiram chegar ao sul da ilha agora também representam um enorme problema logístico aos gestores de emergência. Lotar abrigos ou, como é comum quando ocorre um desastre na ilha, pedir-lhes que sejam acolhidos por amigos e familiares, pode inadvertidamente causar um salto nas taxas de infecção de covid-19.
Uma espera preocupante
A atividade de 9 de abril provavelmente foi só o começo. “Acredito que mais explosões sejam prováveis”, adverte Cole. As erupções passadas geralmente apresentaram sucessões prolongadas de explosões, com dias, semanas e até meses de intervalo. E essas explosões iniciais podem não ser as maiores.
A ilha estava bem preparada para o desastre, o que significa que o pior cenário pode ter sido evitado.
Pyle explica que a Universidade das Índias Ocidentais promove uma semana de conscientização sobre vulcões na ilha há muitos anos, realizada por volta da época de Páscoa, durante o aniversário da erupção de 1979. A possibilidade de uma futura erupção foi mantida viva na mente da população graças a essa iniciativa.
A Organização Nacional de Gerenciamento de Emergências de São Vicente e Granadinas também vem utilizando dados sísmicos e vulcanológicos para atualizar continuamente seus procedimentos de aviso e evacuação muito antes do início dessa nova erupção. Cientistas que trabalham no Observatório de Vulcões de Montserrat, outra ilha vulcânica com histórico de erupções devastadoras, têm colaborado durante a erupção atual.
“Esse fenômeno reforça a importância da experiência prática de cientistas na interpretação de sinais com base em seus conhecimentos práticos”, afirma Pyle.
É possível obter um profundo senso de otimismo ao se analisar a história da ilha, por mais terríveis que alguns de seus capítulos possam ter sido. Scarlett analisou dois séculos de atividades vulcânicas na região.
“Percebi que o Caribe sempre se une para ajudar”, conta ela. A identidade comum dessas nações insulares — cultural, religiosa e histórica, incluindo os laços compartilhados como descendentes de pessoas escravizadas — as inspira, bem como a diáspora mais ampla, a socorrer umas às outras em momentos de crise.
Já existem ofertas de ajuda financeira e logística de toda a região e do mundo. São Vicente pode ser uma pequena ilha. Mas, prossegue Scarlett, “não está sozinha”.