Fonte de misterioso tsunami global encontrado perto da Antártida

Um raro e complexo terremoto que ocorre perto da Antártida e perturbou as águas de três oceanos está ajudando os cientistas a entender como diferentes tipos de sismos podem desencadear tsunamis.

As remotas ilhas Geórgia do Sul, retratadas aqui, são as terras habitadas mais próximas do inusual terremoto que gerou ondas de tsunami ao redor do mundo. Junto com as desabitadas ilhas Sandwich do Sul, onde ocorreu o sismo, compõem um Território Ultramarino Britânico no Atlântico Sul, mas a República Argentina reclama soberania sobre os dois arquipélagos.

Foto de Peter Fisher
Por Robin George Andrews
Publicado 4 de mar. de 2022, 10:35 BRT

Quando uma misteriosa série de tremores emanou das desabitadas ilhas Sandwich do Sul, cientistas de todo o mundo se viram de repente coçando a cabeça em confusão.

Primeiro, um terremoto de magnitude 7,5 fez tremer as ilhas, um Território Ultramarino Britânico reclamado pela Argentina nas gélidas águas do Oceano Atlântico Sul. Três minutos depois, um terremoto de magnitude 8,1 sacudiu a região novamente.

Esses estrondos, que ocorreram em 12 de agosto de 2021, não eram incomuns, uma vez que as ilhas ficam no topo do ponto de encontro de placas tectônicas. A parte estranha é que eles foram seguidos por um tsunami poderoso o suficiente para aparecer em costas distantes ao longo dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico.

Embora a onda não tenha sido destrutiva, foi o primeiro tsunami a ser registrado em três oceanos diferentes desde os catastróficos eventos de 2004.

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As históricas estações baleeiras da ilha Geórgia do Sul, como esta em Grytviken, foram abandonadas, mas a British Antarctic Survey mantém uma estação de pesquisa em King Edward Point. As ilhas Sandwich do Sul, entretanto, estão atualmente desabitadas. Não há estação de monitoramento geofísico nessas ilhas e nem sismômetros de fundo do oceano, o que dificulta o estudo de terremotos.

Foto de Peter Fisher

Como se originou o tsunami global de 2021

Embora se saiba que certos tipos de terremotos causam tsunamis, a profundidade inicial neste caso sugeriu que foi demasiado profundo para pressionar suficientemente o fundo do mar e empurrar um volume de água assim.

“Foi um grande mistério e um grande desafio para a comunidade sismológica”, diz Zhe Jia, estudante de pós-graduação em geofísica do Instituto de Tecnologia da Califórnia.

Depois de passar meses desenrolando essa enigmática sequência de terremotos, Jia e seus colegas acham que descobriram o que aconteceu.

Em um estudo publicado este mês na revista Geophysical Research Letters, a equipe concluiu que houve na verdade cinco grandes rupturas naquele dia, que compõem um único e poderoso terremoto, e que ocorreram em poucos minutos, um após o outro.

Uma dessas rupturas, anteriormente enterradas nos barulhentos sinais sísmicos, foi poderosa e superficial o suficiente para desencadear o tsunami global.

É possível detectar um tsunami?

Ao decifrar este estranho evento sísmico, os geólogos podem desenvolver uma melhor compreensão de como os terremotos geram tsunamis.

“Contamos fortemente com estimativas sísmicas iniciais para adivinhar se um terremoto desencadeou um tsunami”, diz Judith Hubbard, geóloga estrutural do Observatório da Terra de Cingapura, que não estava envolvida com o estudo.

“Acho que este evento nos diz que os nossos sistemas de detecção de tsunami podem não ser suficientemente bons.”

A estranha série de terremotos também fez os pesquisadores se perguntarem se alguma vez entenderemos completamente os muitos meandros do nosso planeta.

“À medida que o tempo passa e vemos mais terremotos, eles tendem a ficar mais estranhos e complicados”, adiciona Stephen Hicks, sismólogo do Imperial College de Londres, que não participou do estudo.

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    Foto de Peter Fisher

    O movimento das placas tectônicas influi nos tsunamis?

    Bem por baixo das remotas ilhas Sandwich do Sul, a placa tectônica sul-americana mergulha sob a pequena placa Sandwich à modesta velocidade de sete centímetros por ano.

    O desigual encontro entre essas duas placas faz com que a pressão se acumule ao longo do tempo. Às vezes, essa pressão é liberada em terremotos, incluindo o tipo que pode gerar tsunamis.

    Essas grandes ondas costeiras são geralmente provocadas quando alguma coisa desloca muita água. Neste caso, “a coisa que desencadeia o tsunami é a deformação do fundo do mar”, explica Hubbard, mas um terremoto precisa ser superficial o suficiente para produzir um tsunami como este.

    O terremoto de magnitude 7,5 do dia 12 de agosto de 2021 ocorreu a uma profundidade de 47 km. Portanto, “era muito improvável que tivesse gerado o tsunami global que observamos muito mais tarde”, comenta Jia.

    O evento de magnitude 8,1 logo depois foi um sismo um pouco mais suspeito, com uma profundidade mais superficial: 22,5 km.

    Porém, os sinais sísmicos da sequência deste terremoto foram, para surpresa dos cientistas, bastante confusos. Os dois tremores se deram muito perto um do outro em uma sucessão muito rápida.

    Os dados parecem uma gravação de uma pessoa falando enquanto outra grita – ou seja, um barulho indecifrável.

    Os sistemas automatizados lutaram para produzir valores consistentes para a magnitude, localização e profundidade do segundo tremor.

    “Pensamos que estávamos ignorando alguma coisa”, lembra Jia.

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    Foto de Peter Fisher
    Um ovo de pinguim rachado e vazio na ilha Geórgia do Sul.

    Um ovo de pinguim rachado e vazio na ilha Geórgia do Sul.

    Foto de Peter Fisher

    Nos meses seguintes, Jia e a sua equipe desemaranharam a confusa rede de ondas sísmicas daquele dia, removendo interferências e identificando rupturas individuais dentro do caos.

    Finalmente, o time conseguiu descobrir que não foram duas grandes rupturas envolvidas neste evento, mas cinco. Todas ocorreram em um intervalo de 260 segundos.

    “Principalmente, este é um único terremoto”, confirma Hicks, mas é complicado e poderoso. “Superou o esperável nesta zona de encontro de placas.”

    Os dois primeiros tremores, ambos de magnitude 7,2, duraram apenas 23 e 19 segundos, respectivamente. Essas duas rupturas, quando combinadas, produziram o que se pensava ser o evento de magnitude única de 7,5.

    Os dois últimos tremores, de magnitude 7,6 e 7,7, respectivamente, também foram eventos de curta duração.

    A terceira ruptura, no entanto, aconteceu entre as outras quatro, e foi mais forte, registrando magnitude de 8,2. Foi este que liberou a maior quantidade de energia do terremoto de cinco partes.

    Também foi lento, demorou 180 segundos para passar. Em parte, foi por isso que permaneceu escondido por tanto tempo: a equipe não estava usando o tipo certo de equipamento sísmico.

    A forma das ondas sísmicas produzidas por terremotos mais lentos são diferentes do tipo que normalmente se tem com rupturas repentinas. Quando Jia alterou os filtros nos dados registrados por uma rede global de sismógrafos para procurar rupturas muito mais lentas, o evento de repente saltou à vista.

    Além de ser mais poderoso e duradouro, este terremoto foi bastante superficial, com uma profundidade de apenas 13,6 km, perfeitamente capaz de criar um tsunami global.

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    Foto de Peter Fisher

    O raro terremoto das ilhas Sandwich do Sul 

    Os terremotos raramente são tão simples quanto parecem inicialmente. Às vezes, como aconteceu com o terremoto Kaikoura na Nova Zelândia em 2016, essa complexidade é clara de se ver. O sismo aconteceu no meio de uma dúzia de outras falhas, mas o quebra-cabeças desse evento poderia ser facilmente resolvido.

    “Nesse caso, estamos falando de uma ruptura superfícial”, diz Kasey Aderhold, sismóloga do consórcio de pesquisadores Institutos de Pesquisa de Sismologia Incorporados, que não participou deste estudo.

    “O terremoto rompe todas essas falhas diferentes, que estão bem no topo. Podemos andar em torno delas e vê-las.”

    Não é assim para o estranho terremoto de 2021 das ilhas Sandwich do Sul.

    “É profundo, está sob o oceano e em um lugar muito remoto. Não é possível tocá-lo ou andar nele”, adiciona Aderhold. Não há estação de monitoramento geofísico nessas ilhas, nem sismômetros no fundo do oceano ouvindo essa zona de encontro de placas.

    Os pesquisadores só foram capazes de compreender o funcionamento geológico desse evento graças à Rede Sismográfica Global, uma plataforma de acesso aberto e planetária que conecta 152 sismômetros operados conjuntamente pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos e pela Fundação Nacional da Ciência deste país.

    “É muito importante”, comenta Jia. Sem esses nódulos registrando os ruídos sísmicos vindos de terremotos remotos, eventos estranhos como este seriam impossíveis de decodificar.

    Tsunami global: o que concluíram os cientistas

    Como na maioria dos terremotos complexos, alguns mistérios permanecem. A ruptura de magnitude 8,2 provavelmente desencadeou o tsunami, mas as especificidades ainda não estão claras.

    “Muitos tsunamis envolvem deslizamentos de terra submarinos, que podem ser desencadeados por terremotos”, explica Robert Larter, geofísico marinho da British Antarctic Survey.

    “Pessoalmente, me pergunto se esse é o caso aqui.” A única maneira de verificar isso seria examinando o fundo do mar, talvez com um barco equipado com sonar ou com submersíveis robóticos, e comparar a sua aparência com mapas batimétricos mais antigos.

    Os geólogos também se perguntam se a zona de encontro de placas sob as ilhas Sandwich do Sul poderia continuar a desencadear fortes terremotos. A ruptura do ano passado foi expansiva e potente.

    “Isso significa que provavelmente não vai acontecer um evento tão grande de novo nos próximos 500 ou mil anos?”, se pergunta Hicks. A falta de instrumentação na região torna esta “uma pergunta muito difícil de responder”.

    A boa notícia é que a descoberta deste terremoto quintuplicado reforça a capacidade dos cientistas de prever eventos semelhantes no futuro.

    “Isso nos oferece a oportunidade de detectar esse tipo de eventos de ruptura lenta a partir dos dados sísmicos e assim poderíamos disparar avisos de forma mais rápida e precisa”, reflete Hubbard.

    A má notícia é que esta não será a última vez que um terremoto confunde cientistas que buscam evitar seus efeitos mais destrutivos. Como Larter diz: “O mundo natural está cheio de surpresas”.

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