Quão eficiente é a vacina da varíola comum contra a varíola dos macacos?

As vacinas contra a varíola foram aprovadas para a varíola dos macacos. Mas especialistas alertam que ainda há muitas dúvidas sobre a proteção que elas fornecem e como melhor administrá-las.

Por Amy McKeever
Publicado 17 de ago. de 2022, 13:14 BRT
Membros da Associação de Modelos Franceses fazem fila para se vacinarem contra a varíola

Membros da Associação de Modelos Franceses fazem fila para se vacinarem contra a varíola, em 2 de outubro de 1955. Uma campanha de vacinação em massa levou à erradicação da varíola em 1980. Embora a vacina não seja mais rotineira, ela voltou a ser solicitada durante o surto de varíola dos macacos.

Foto de Hulton Archive FPG, Getty Images

Gregory Poland foi vacinado três vezes contra a varíola – uma precaução necessária como membro de uma equipe de resposta ao bioterrorismo – e tem lembranças desagradáveis ​​de cada uma delas. Ao contrário das vacinas modernas típicas, a vacina contra a varíola que ele recebeu continha vírus vivo aplicado diretamente na pele do braço, que foi perfurada 15 vezes com uma agulha bifurcada.

Poland, pesquisador de vacinas da Clínica Mayo, nos EUA, diz que a cicatriz deixada pelo processo coçava muito. Pior, o vírus vivo que continha significava que a cicatriz permaneceria infecciosa por um mês, período o qual Poland teve que manter distância dos outros – até dormindo em um quarto separado de sua esposa.

Poland faz parte de uma população cada vez menor que foi vacinada contra a varíola. Graças a uma campanha histórica de vacinação global, a doença foi erradicada em 1980, o que significa que os jovens adultos de hoje não estavam vivos quando as vacinas contra a varíola eram rotineiras. Agora, no entanto, a varíola dos macacos está impulsionando uma nova demanda pela vacina contra a varíola comum. 

Embora a varíola dos macacos seja muito menos perigosa que a varíola, os dois vírus estão relacionados – e há algumas evidências de que a vacina contra a varíola fornece proteção contra a varíola dos macacos.

“A razão pela qual não a administramos rotineiramente é que é uma das vacinas mais reatogênicas que temos”, diz Poland. A vacina clássica contra a varíola tem efeitos colaterais graves, incluindo encefalite e miocardite. Cerca de um terço das pessoas não consegue por causa de condições médicas, incluindo gravidez, distúrbios cardíacos e sistema imunológico suprimido.

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    À esquerda: No alto:

    Um médico administra a vacina contra a varíola no Walter Reed Army Medical Center, em Washington, DC, em 18 de dezembro de 2002. A área de vacinação está marcada para que os médicos possam monitorar a resposta do corpo.

    Foto de Photo by Jahi Chikwendiu The Washington Post, Getty Images
    À direita: Acima:

    Micrografia eletrônica do vírus vaccinia, um membro da família dos ortopoxvírus. O vírus vaccinia é normalmente confinado ao gado, mas é usado para vacinar humanos contra seu parente mais nocivo, o vírus da varíola.

    Foto de Gado Smith Collection, Getty Images

    No entanto, apesar do desenvolvimento de vacinas mais seguras que são mais fáceis de administrar do que a que Poland recebeu, sua distribuição para o público provou ser difícil. Os suprimentos são baixos, em parte porque mais de 20 milhões de doses expiraram em 2017. Mas mesmo que houvesse vacina suficiente contra a varíola, os especialistas dizem que a maioria das pessoas não precisa dela – e que muitas dúvidas permanecem sobre como ela funciona contra a varíola dos macacos.

    Origens da vacina contra a varíola

    A varíola é causada por um grande ortopoxvírus de DNA de fita dupla. Seu nome é uma referência às protuberâncias que surgem na pele de suas vítimas e deixam cicatrizes duradouras ou marcas de varíola.

    Embora suas origens permaneçam obscuras, as primeiras evidências de varíola remontam a cerca de 3 mil anos na antiga Índia e no Egito. Espalhada por fluidos corporais e contato direto com pessoas infectadas ou objetos contaminados, a doença matou cerca de 30% das pessoas infectadas – e acredita-se que tenha contribuído para o declínio dos astecas e incas.

    As tentativas de conter a varíola são quase tão antigas quanto a própria doença. Textos em sânscrito que datam de 1.500 a.C. descrevem tentativas de variolação, um método de inocular pessoas expondo-as aos materiais de uma ferida de varíola. Mas as vacinas modernas têm suas origens no trabalho de Edward Jenner, em 1796. Jenner descobriu que inocular pessoas com varíola bovina, um parente mais brando da varíola, as protegia contra a doença.

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        Neste retrato de 1879, de Gaston Melingue, Edward Jenner pega pus da mão de um fazendeiro infectado com varíola bovina para inocular James Phipps, de oito anos de idade, em 1796, a primeira vacinação contra a varíola.

        Foto de Christophel Fine Art Universal Images Group, Getty Images

        No século 19, o vírus vaccinia, outro membro da família dos ortopoxvírus, substituiu a varíola bovina na vacina. Cultivada na pele de bezerros – que vem com o risco de contaminação por patógenos – a primeira geração da vacina contra a varíola não era ideal. Mas permitiu que os governos embarcassem em uma campanha global de vacinação em massa na década de 1960. O último caso natural foi registrado na Somália em 1977 e, em 1980, a Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente a doença erradicada.

        Até então, muitos países, incluindo os Estados Unidos, já haviam parado de administrar a vacina contra a varíola, já que a doença não representava mais uma ameaça para suas populações. “Era uma doença de viagem mais exótica até aquele ponto”, diz Poland.

        Novas gerações de vacina contra a varíola

        Ainda assim, permaneciam as preocupações de que terroristas pudessem utilizar o vírus como arma. Mesmo que os EUA tenham descartado grande parte de suas vacinas de primeira geração no início dos anos 2000, eles desenvolveram uma nova, a Acam2000, para uso emergencial. Cultivada usando métodos modernos de cultura de células, essa vacina não tinha nenhuma das impurezas da primeira geração, mas tinha um perfil de segurança ruim.

        Quando os EUA começaram a usar a Acam2000 para vacinar suas forças militares após o 11 de setembro, “os efeitos colaterais tornaram-se rapidamente aparentes”, diz Raina MacIntyre, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, Austrália, e membro do Grupo Consultivo Estratégico de Peritos em Imunização, da OMS.

        Embora raro, algumas pessoas que receberam a vacina sofreram inflamação em seus corações e cérebros. E, como a vacina de primeira geração, usava vírus vivos que podiam se replicar dentro do corpo, o que era particularmente perigoso para pessoas com sistema imunológico enfraquecido e outras condições médicas.

        Outra desvantagem da Acam2000 tornou-se clara ao longo do tempo, à medida que a vacinação contra a varíola se tornou um procedimento médico cada vez mais raro. “Haveria muito, muito poucas pessoas nos Estados Unidos que saberiam como administrar a vacina”, pondera Poland.

        Felizmente, uma nova geração de vacina contra a varíola chegou. Em 2019, a agência sanitária americana, FDA, autorizou uma vacina chamada Jynneos – conhecida como Imvanex na Europa e Imvamune no Canadá. O imunizante de duas doses contém uma versão modificada do vírus vaccinia que não se replica, o que os especialistas dizem torná-lo mais seguro para pessoas com condições médicas subjacentes. Enquanto isso, o Japão licenciou outra vacina contra a varíola, a LC16m8, que também foi ajustada para limitar sua capacidade de replicação.

        Embora muitas dúvidas permaneçam sobre essas novas vacinas, elas oferecem algumas promessas à medida que o mundo enfrenta um surto sem precedentes de um ortopoxvírus diferente: a varíola dos macacos.

        Varíola dos macacos e a vacina

        Descoberto em colônias de pesquisa de macacos em 1958, o primeiro caso humano de varíola dos macacos foi relatado em 1970, na República Democrática do Congo (RDC). É menos transmissível e menos perigoso que a varíola, matando apenas entre 3 a 6 por cento dos infectados. Ao contrário da varíola, a varíola dos macacos circula entre os animais, tornando particularmente difícil erradicar a doença.

        No entanto, as primeiras evidências sugeriam que as pessoas que haviam sido inoculadas contra a varíola poderiam enfrentar melhor a varíola dos macacos. Em 1988, pesquisadores do Zaire analisaram as taxas de casos de varíola em pessoas com e sem cicatrizes de vacinação contra a varíola. O estudo concluiu que a vacina contra a varíola foi 85% eficaz na proteção contra a varíola dos macacos.

        MacIntyre diz que, historicamente, os surtos de varíola dos macacos eram raros e pequenos, com números de casos em um ou dois dígitos. Mas isso vem mudando nos últimos anos. Um estudo de 2010 realizado na RDC encontrou um aumento de 20 vezes nos casos de varíola humana – com um número desproporcional de infecções em jovens que nunca receberam uma vacina contra a varíola.

        “Então, em 2017, começamos a ver surtos muito grandes na Nigéria e depois na República Democrática do Congo”, lembra MacIntyre. A investigação de sua equipe sobre os surtos nigerianos entre 2017 e 2020 descobriu que os casos estavam ligados ao declínio dos níveis de imunidade da população – que consiste cada vez mais em jovens que nunca receberam a vacina contra a varíola, bem como em idosos cuja proteção de décadas começou a se desgastar.

        Ainda assim, a teoria de que as vacinas contra a varíola protegem contra a varíola dos macacos não é uma ciência estabelecida, destaca Wafaa El-Sadr, fundador e diretor do Icap, um instituto global de saúde da Universidade de Columbia. Embora esses estudos sugiram que os idosos vacinados contra a varíola possam ter alguma proteção, ela diz que “não temos dados para apoiar isso definitivamente”.

        A lacuna de conhecimento é particularmente grande quando se trata da nova vacina, Jynneos. Os únicos estudos até agora que demonstraram a eficácia da vacina contra a varíola dos macacos foram feitos em animais, não em humanos, ressalta El-Sadr. Também não está claro se a Jynneos é segura para uso em crianças, que são mais suscetíveis à varíola dos macacos grave. E, como os EUA propõem aumentar seu suprimento de vacinas injetando doses menores entre as camadas da pele, em vez de na gordura sob a pele, os dados sobre essa vacina ainda são escassos.

        “Posso listar muitas, muitas perguntas que precisam de respostas”, aponta El-Sadr. “A boa notícia é que temos uma vacina em mãos que provavelmente deve ser eficaz contra a varíola em humanos”.

        Quem deve tomar as vacinas contra a varíola dos macacos?

        O surto de varíola não significa que as vacinas contra a varíola estão prestes a se tornar rotina novamente. Afinal, a decisão de administrar qualquer vacina deve equilibrar os riscos com os benefícios.

        Jynneos pode ser mais segura do que a geração mais antiga de vacinas, pois não contém vírus vivo, mas ainda apresenta algum risco de efeitos colaterais, como sintomas semelhantes aos da gripe ou reação alérgica. Além disso, a varíola dos macacos está sendo transmitida predominantemente entre homens que fazem sexo com homens – o que significa que o risco para o resto da população é baixo. “Se não houver benefício [em tomar a vacina], então nenhum risco vale a pena”, diz Poland.

        Especialistas também dizem que não há necessidade urgente de distribuir a vacina como medida preventiva, como foi feito com a vacina contra a Covid-19. As vacinas contra a varíola são eficazes após a exposição – por isso faz mais sentido priorizar as vacinas para pessoas preocupadas com a possibilidade de terem sido infectadas.

        É claro que essa análise de risco-benefício pode mudar dependendo do que acontecer a seguir. “Se for limitado e pudermos interromper esse surto, fica muito difícil dizer que devemos recomendar essa vacina para todos”, diz El-Sadr.

        Se os EUA não conseguirem conter a varíola dos macacos, no entanto, talvez seja necessária uma vacinação mais ampla – principalmente se ela se espalhar entre animais e se tornar endêmica. As recomendações de vacinação também podem mudar se a varíola começar a circular amplamente entre as crianças, que correm maior risco do que os adultos.

        El-Sadr espera que isso não aconteça. “Felizmente, esse vírus é muito diferente da varíola e as consequências de contrair a varíola dos macacos são muito diferentes das infecções por varíola”, esclarece. “Temos um surto, é verdade, e isso é uma grande preocupação. Mas temos sorte de ter aqui ao nosso alcance um teste que pode fazer um diagnóstico de varíola, uma vacina que podemos usar e, esperamos, aumentar, e também temos um tratamento”.

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