Como saber se você tem Covid longa?

Não existe um teste de diagnóstico único para isso e nenhum consenso médico sobre quais são os sintomas. Especialistas avaliam o que pode ser feito em relação a sintomas persistentes da Covid-19.

Por Emily Sohn
Publicado 16 de dez. de 2022, 10:00 BRT

Os sintomas da Covid-19 geralmente não terminam com um teste negativo, o que geralmente ocorre após cerca de 10 dias. Os sintomas, como alterações no olfato e no paladar, febre, dificuldade para respirar, tosse, dor de garganta, angina, queda de cabelo, fadiga, exaustão e dores de cabeça podem durar semanas, meses ou mais.

Foto de Jackie Molloy

Em junho de 2022, alguns dias após Michele Hart testar negativo depois de ser infectada pela Covid-19, ela começou a participar de reuniões virtuais de trabalho. Contudo, depois de cada teleconferência, ela voltava para a cama para descansar. 

Quando retornou de uma viagem de trabalho de três dias, mais de uma semana após o teste negativo, ela passou o fim de semana inteiro na cama se recuperando. Habituada a correr e fazer caminhadas frequentes, ela interrompera ambas as atividades devido ao cansaço e, pensou ela, a uma possível depressão. Ela se perguntava se algum dia voltaria a se sentir bem.

“Depois dos primeiros 10 dias, passei a pesquisar no Google pelo menos uma vez por dia algo como “quando vou melhorar?”, conta Hart, de 45 anos, especialista em produtos de uma empresa de currículos escolares. As respostas eram frustrantes: “aguente firme. Para algumas pessoas, é assim. Para outras, é de outro jeito”.

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    Paciente com sintomas persistentes da Covid-19, a chamada “Covid longa”, começa o dia aguardando a primeira de quatro consultas médicas na sala de exames. Atleta ativa, ela passou a se cansar com mais facilidade desde que contraiu a Covid longa. Teve de reaprender a arremessar uma bola de basquete.

    Foto de Jackie Molloy

    Os sintomas da Covid-19 longa não terminam com um teste negativo, o que geralmente ocorre após cerca de 10 dias. Os sintomas podem durar semanas, meses ou mais.

    Em um dos estudos mais recentes sobre sintomas persistentes, pesquisadores na Escócia entrevistaram mais de 31 mil pessoas que manifestaram sintomas, e concluíram que 42% relataram que não haviam se recuperado totalmente entre seis e 18 meses após o contágio.

    Mas quando os sintomas persistentes de Covid-19 se tornam oficialmente Covid longa e como saber se alguém tem um quadro crônico ou sintomas que desaparecerão?

    São perguntas complexas sem respostas satisfatórias, afirma Michael VanElzakker, neurocientista da Faculdade de Medicina de Harvard e do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos. A Covid longa, embora seja uma área ativa de pesquisa, não é um quadro clínico claramente definido com critérios médicos específicos. 

    Não existe um teste de diagnóstico único para confirmá-la e nenhuma maneira fácil de explicar a origem dos sintomas. Muitos estudos estão em andamento, mas ainda não há respostas definitivas.

    “Uma questão central ainda permanece”, observa VanElzakker. “Por que alguns parecem se recuperar totalmente e outros não?”

    O que é a Covid longa?

    Ainda não há consenso médico sobre a denominação do quadro clínico, quais são seus sintomas e quanto tempo eles devem antes do diagnóstico ou o percentual exato de pessoas acometidas por este quadro.

    Os sintomas precisam persistir por pelo menos três meses após uma infecção provável ou confirmada por Covid-19 para atender à definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) de uma síndrome pós-Covid. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) consideram quatro semanas suficientes para uma suspeita de Covid longa, também denominada sequelas pós-infecção aguda por Sars-CoV-2 (Pasc, na sigla em inglês), Covid persistente, Covid crônica e outros nomes.

    Depois de diversos estudos amplos, ainda não se sabe ao certo quantas pessoas manifestaram sintomas em longo prazo, os quais são muito variados. Um estudo realizado na Alemanha identificou 96 possíveis sintomas e concluiu que muitos deles se desenvolveram em pessoas com contágios reincidentes. 

    Nos jovens, os sintomas mais comuns são fadiga, tosse, dor de garganta, angina, dor de cabeça, febre, dor abdominal, ansiedade e depressão. Nos adultos, os sintomas persistentes mais frequentes são alterações no olfato e no paladar, febre, dificuldade para respirar, tosse, dor de garganta, angina, queda de cabelo, fadiga, exaustão e dor de cabeça.

    Um estudo escocês considerou 26 sintomas persistentes, incluindo dores de cabeça, perda de paladar e olfato, cansaço, palpitações cardíacas, constipação, falta de ar, dor nas articulações, vertigem e depressão. Mas para dificultar a definição do diagnóstico, pessoas que não testaram positivo para a Covid-19 também apresentaram muitos desses mesmos sintomas.

    Enquanto 42% das pessoas no estudo escocês apresentaram alguns sintomas persistentes, outros 6% disseram não ter se recuperado. Pesquisadores alemães verificaram que adultos, crianças e adolescentes com uma infecção anterior por Covid-19 tinham uma probabilidade cerca de 30% maior de relatar um novo quadro mais de três meses após o contágio em relação a pessoas que não tiveram um teste positivo de Covid-19. 

    Cerca de 14% dentre mais de 41 mil pessoas que responderam a uma pesquisa dos CDC em outubro informaram ter manifestado sintomas persistentes pelo menos três meses após uma infecção por Covid-19.

    Em estudos, tudo indica que uma proporção entre uma em cada cinco e uma em cada 20 pessoas acaba apresentando sintomas de Covid longa, segundo David Putrino, neurocientista da rede hospitalar Mount Sinai Health System, em Nova York, Estados Unidos. Para ele, o número exato é menos importante do que a realidade das implicações. “Se confirmada qualquer proporção dessa magnitude, é uma quantidade enorme”, afirma. “Minha clínica já tem uma lista de espera de seis meses. Nenhum de nós está dormindo. É um trabalho ininterrupto.

    Vou melhorar da Covid longa?

    Também não está claro o prognóstico para pessoas acometidas com sintomas persistentes. A maioria dos pacientes que visita o Centro de Cuidados Pós-Covid, do Hospital Monte Sinai, apresenta alguma melhora nos primeiros três meses de reabilitação, ainda que haja contratempos ou não se sinta totalmente recuperada, esclarece Putrino. Mas cerca de 10% não melhoram.

    Alguns podem acabar atendendo aos critérios da encefalomielite miálgica ou síndrome da fadiga crônica, conhecida pela sigla EM/SFC, quadro crônico que pode ser desencadeado por infecções virais. Cerca de 10% das pessoas com casos graves de Epstein-Barr desenvolvem EM/SFC, segundo VanElzakker. Ele suspeita que isso ocorra com um subconjunto de pacientes de Covid longa.

    Por outro lado, há pessoas com problemas persistentes que acabam se curando, destaca VanElzakker, que perdeu áreas de pelos da barba por muitos meses após contrair o vírus. Ele reitera que “simplesmente o fato de alguém não se sentir melhor depois de três semanas não significa que não vá melhorar”.

    Qual é a causa da Covid longa?

    Segundo os especialistas, existem muitas causas possíveis para sintomas prolongados, e entendê-las pode ajudar a determinar o tratamento. Uma área ativa de pesquisa sugere que o Sars-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19, pode permanecer no organismo de algumas pessoas, provocando inflamação e sintomas por muito tempo, mesmo depois de resultados negativos de testes rápidos de Covid-19. 

    Em um estudo de 44 pessoas mortas em decorrência de Covid-19 ou com Covid-19, em 2020 e 2021, pesquisadores encontraram evidências da proteína de espícula do Sars-CoV-2 em órgãos, incluindo cérebro, coração e intestinos, que persistiram por períodos de sete meses, até mesmo em pessoas assintomáticas. O vírus se reproduziu dentro dos tecidos por até três meses em algumas pessoas, segundo o estudo.

    Reservatórios virais são difíceis de detectar em pacientes vivos por não serem identificados em exames de sangue, ressalta VanElzakker. Ele é um dos fundadores de uma organização sem fins lucrativos chamada Polybio, cujo objetivo é pesquisar quadros crônicos associados a contágios, como a Covid longa. 

    A organização financia uma pesquisa para coletar amostras intestinais de pacientes com Covid longa e outra que coletará tecidos pulmonares. Ele suspeita que identificar onde o vírus acaba se instalando poderia explicar a ampla variedade de sintomas de Covid longa. Se os reservatórios se estabelecerem no intestino, por exemplo, poderiam causar diarreia crônica. Nos pulmões, poderiam causar tosse e falta de ar.

    À medida que são compiladas evidências de reservatórios virais e outras possíveis causas de sintomas em longo prazo, pesquisas começam a indicar tratamentos que reconheçam a importância do atendimento individualizado, afirma Putrino. Um paciente com sintomas persistentes de pneumonia grave, com necessidade de intubação, por exemplo, poderia se beneficiar de reabilitação pulmonar por meio de atividades físicas que o fizessem se cansar. 

    Mas o mesmo tipo de reabilitação pode ser desastroso para alguém com mal-estar após exercícios físicos que atenda aos critérios de EM/SFC. Antivirais podem ser benéficos a pessoas com reservatórios persistentes de Covid-19, mas não faz sentido ministrar esses medicamentos a todos com Covid longa.

    “Nosso objetivo atual é discernir esse conjunto grande e amplo de diagnósticos”, prossegue Putrino, “para que seja adotada uma abordagem de medicina de precisão”.

    O que fazer se ainda se sentir mal?

    Se os sintomas persistirem por mais de quatro semanas, provavelmente é hora de conversar com seu médico sobre exames de coração e pulmões, e fazer outros testes básicos, afirma Putrino. Se persistirem por 12 semanas, ele recomenda uma abordagem mais detalhada com um médico ou clínica de boa reputação com conhecimentos sobre a Covid longa.

    Nessa época de pandemia tão difícil em tantos aspectos, exames cuidadosos de saúde física e mental podem contribuir para distinguir inúmeros problemas com que as pessoas possam se deparar neste momento, afirma Lucinda Bateman, diretora médica da Bateman Horn Center, organização sem fins lucrativos com enfoque em pesquisas de EM/SFC, fibromialgia e quadros relacionados.

    Alguns problemas de saúde iniciados após uma infecção por Covid-19 podem ser devido ao estresse severo de viver durante uma pandemia ou à falta de consultas médicas devido a isolamentos forçados, fechamentos de clínicas e consultórios médicos lotados.

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      Para aqueles que passaram por clínicos gerais e especialistas, e ainda não têm uma resposta, médicos com conhecimentos sobre EM/SFC podem ser úteis. Eles podem buscar sinais de ativação de mastócitos, uma espécie de hiperinflamação, explica Bateman. Ou podem considerar a disautonomia, disfunção do sistema nervoso autônomo que pode ser detectada constatando uma queda na pressão sanguínea ou um aumento na frequência cardíaca ao se levantar. Esses quadros são difíceis de diagnosticar porque podem afetar diversos sistemas e desencadear sintomas em todo o corpo, mas distingui-los pode contribuir com uma indicação médica.

      Geralmente, ninguém é diagnosticado com EM/SFC antes de conviver presumivelmente com a doença por um período entre dois e cinco anos, afirma Bateman, pois os médicos não foram instruídos sobre a doença. Há uma esperança de que, com um conjunto emergente de pacientes com Covid longa, médicos possam detectar casos precocemente e impedir seu avanço – limitando, por exemplo, a atividade física e até cognitiva durante a recuperação de alguns pacientes. 

      “Temos uma cultura de grandes realizações e de superar a dor, e esse é o conselho errado para determinadas síndromes”, observa ela, “sobretudo para casos pós-virais com recaídas depois de algumas atividades”.

      Quanto a Hart, seu momento decisivo ocorreu no dia 4 de julho, cerca de um mês após o contágio, quando foi a um espetáculo e descobriu que já conseguia dançar. Houve altos e baixos por algumas semanas depois disso, mas agora, passados seis meses, ela está de volta às atividades. “Não pude fazer nada por seis semanas”, conta ela. “Mas depois me recuperei.”

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