Gravidez psicológica: saiba mais sobre essa misteriosa condição

Historicamente relatado pela primeira vez na rainha Mary 1ª da Inglaterra, em 1555, esse distúrbio incomum pode fazer com que o corpo de uma mulher aparente sinais de gravidez, desde a ausência de menstruação até uma barriga dilatada.

Por Rosemary Counter
Publicado 15 de set. de 2023, 10:00 BRT

A rainha Mary 1ª fotografada em 1554, um ano antes de sofrer de gravidez psicológica.

Foto de VCG Wilson Corbis, Getty Images

Em abril de 1555, a rainha Mary 1ª, mais conhecida na história como "Bloody Mary" (Maria Sangrenta), ficou em reclusão enquanto aguardava o nascimento de seu primeiro filho. Aos 38 anos, a filha mais velha do rei Henrique 13º precisava desesperadamente de um herdeiro, de preferência do sexo masculino, para garantir uma aliança com a Espanha e a continuidade do domínio católico na Inglaterra. Os riscos eram altos.

Ainda assim, Maria e a nação estavam otimistas. No ano seguinte ao seu casamento com Filipe 2º da Espanha, a rainha parecia estar grávida. Seus seios e barriga estavam inchados, e ela relatou enjoos matinais e movimentos no útero. Assim, o berçário foi preparado, as enfermeiras estavam de plantão e as cartas de anúncio foram preparadas e assinadas, deixando apenas a data do parto e o sexo da criança para serem preenchidos.

No entanto, "com o passar das semanas, o clima se tornou de desespero", escreve Anna Whitlock, autora do livro Mary Tudor: Princess, Bastard, Queen. Os boatos se espalharam: a rainha estava morta ou a criança havia morrido, e outra seria colocada em seu lugar.

A verdade era menos escandalosa. Apesar de todos os sintomas, Mary nunca esteve grávida, tendo a infelicidade de ser o primeiro caso bem documentado da história de um fenômeno muito raro chamado pseudociese ou gravidez psicológica.

Às vezes chamada de gravidez falsa ou fantasma, a pseudociese manifesta a maioria ou todos os sintomas de gravidez, mas sem o feto.

Por exemplo, a pessoa que sofre de pseudociese não tem menstruação, seus seios ficam maiores e podem até mesmo extrair leite, e seu estômago fica distendido, explica Mary Seeman, professora emérita do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto, Canadá. Essas manifestações físicas também ocorrem juntamente com fadiga, náusea e micção frequente.

"Seu corpo está agindo como se estivesse grávida, então, a mulher acredita que está grávida, mas não está delirando", acrescenta Seeman, que há muito tempo estuda esse transtorno mental.

A maioria dos casos tem elementos psicológicos e fisiológicos. O manual de diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, DSM-5-TR, coloca a pseudociese na categoria de outro sintoma somático especificado e transtorno relacionado, juntamente com outros transtornos difíceis de categorizar, como o transtorno de ansiedade por doença (também conhecido como hipocondria) ou transtorno factício (também conhecido como Munchausen).

Quão comum é a gravidez psicológica?

Em 2007, uma revisão no International Journal of Reproductive BioMedicine estimou que há entre um e seis casos a cada 22 000 gestações nos Estados Unidos. Essa é uma queda enorme desde 1940, quando a estatística era de um caso de pseudociese a cada 250 gestações – exatamente a probabilidade de gêmeos naturais.

No entanto, esses números aumentam drasticamente fora dos EUA. "Há partes da África, por exemplo, onde a gravidez é muito valorizada e o acesso à assistência médica é difícil. Portanto, a pseudociese não é incomum", diz Seeman, que encontrou cerca de 20 casos em sua prática desde 1960.

Devido à medicina moderna e à ampla disponibilidade de ultrassonografias, pouquíssimos casos de pseudociese hoje não são detectados até o aparente "parto".

Os que acontecem, como o da rainha Mary, costumam ser manchetes. Em 2014, por exemplo, uma mulher de Quebec, Canadá, convenceu sua cidade de que estava esperando quíntuplos. Com 34 semanas, ela foi ao hospital para dar à luz – onde uma enfermeira descobriu que não havia nenhum bebê.

"A pseudociese é notoriamente difícil de estudar", diz Seeman, principalmente devido à sua raridade e às complexidades da saúde mental da paciente. Mas há um ponto em comum: "A paciente geralmente quer desesperadamente estar grávida". 

Além de um bebê, a gravidez também pode proporcionar à mulher benefícios específicos, como melhor atendimento, atenção e até mesmo respeito. Não é de surpreender, diz Seeman, que a gravidez psicológica ocorra com mais frequência em culturas em que se espera que as mulheres casadas tenham filhos.

Gravidez psicológica: uma condição ainda misteriosa

"A instituição médica, mesmo dentro do campo da ginecologia e obstetrícia, não tem um bom entendimento da pseudociese", diz Shannon M. Clark, especialista em medicina materno-fetal da University of Texas Medical Branch, Estados Unidos, que já viu casos de gravidez psicológica.

Entender o que está acontecendo no corpo de uma mulher com pseudociese ajudaria tanto a tratar a doença quanto a reduzir o estigma de que a pessoa que sofre dessa doença é rotulada como "louca", acredita Clark. 

A cultura pop não tem ajudado. Por exemplo, o personagem principal do próximo programa de TV American Horror Story: Delicate tem alucinações violentas e aterrorizantes durante uma suposta gravidez, um exemplo de deturpação cinematográfica chamado "horror da gravidez".

Como sempre, a vida real não é tão dramática. Embora possam ocorrer alterações em hormônios como prolactina, estrogênio e progesterona, não há um padrão claro ou elevação dos níveis hormonais associados à condição, explica Clark.

E, enquanto isso, os medicamentos psiquiátricos que os médicos podem prescrever a uma paciente podem, na verdade, piorar a saúde.

Por exemplo, alguns medicamentos antipsicóticos aumentam os níveis de prolactina, um hormônio responsável pela lactação, o que pode apenas convencer ainda mais a paciente – e seu corpo – de que ela está de fato grávida.

Os níveis de prolactina também aumentam com o estresse, e "é seguro dizer que uma mulher que está convencida de que está grávida quando um teste diz repetidamente que ela não está, certamente está sob forte estresse", cita Seeman.

Quem sofre de gravidez psicológica?

O estresse imenso foi provavelmente o gatilho para a gravidez psicológica da rainha Mary, dizem os especialistas.

Quase um ano após o início da suposta gravidez, Mary finalmente saiu de seu quarto e ninguém mais falou sobre o assunto (pelo menos oficialmente). Ela morreu três anos depois, sem filhos, e o trono passou para sua meia-irmã protestante, Elizabeth 1ª. 

"A pseudociese afeta pessoas de todos os grupos étnicos, raciais e socioeconômicos", observa Clark. E, embora seja mais comum em pessoas com idade entre 20 e 39 anos, também pode ocorrer em mulheres na pós-menopausa. 

A gravidez psicológica em homens é ainda mais rara, embora a literatura médica tenha documentado exemplos do fenômeno em dois homens norte-americanos, em 1984 e 1995. Em abril de 2022, cientistas relataram o caso de uma mulher transgênero norte-americana de 28 anos que se apresentou como grávida de gêmeos.

Ao contrário de muitas mulheres cisgênero com gravidez psicológica, todos esses três indivíduos apresentavam doenças mentais graves.

Uma negação generalizada

Assim como a rainha Mary fez por quase um ano em 1555, as pacientes atuais com gravidez psicológica não aceitam evidências de que não estão grávidas, destaca Seeman.

"Elas podem pensar que o marido não quer que elas estejam grávidas, que ele está conspirando com o médico ou o hospital. Podem pensar que seus sogros estão envolvidos. Já vi pessoas que acreditam que o médico a engravidou, mas não admitem isso", relata Clark.

"Esses delírios podem assumir muitas formas porque a pessoa não consegue aceitar a realidade de ninguém além da sua própria. Sua realidade é que ela parece e se sente grávida, portanto, no que lhe diz respeito, ela está grávida."

Felizmente, a instituição médica começou a tratar esses casos incomuns com mais interesse e sensibilidade, diz Seeman. "A psiquiatria geral está prestando mais atenção a questões que costumavam ser consideradas 'apenas' síndromes femininas".

Para o restante de nós, acrescenta Clark, "é preciso mais compreensão e empatia e menos julgamento e vergonha em todas as frentes".

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