Quando o sistema imunológico não funciona corretamente e ataca suas próprias células, isso pode causar mais ...

Dia Mundial do Lúpus: por que as mulheres seriam mais propensas a desenvolver doenças autoimunes?

Novas pesquisas sugerem que doenças autoimunes, como o lúpus, podem estar ligadas à incapacidade do corpo de desativar um dos dois cromossomos X da mulher.

Quando o sistema imunológico não funciona corretamente e ataca suas próprias células, isso pode causar mais de 80 tipos de doenças autoimunes, como lúpus, esclerose múltipla e artrite reumatoide. Na foto vemos um exemplo de dermatomiosite, uma doença autoimune que afeta principalmente as mulheres, e é marcada pela manifestação de inflamação e erupção cutânea.

Foto de luliia Burmistrova, Getty Images
Por Sanjay Mishra
Publicado 9 de mai. de 2024, 08:00 BRT

Um sistema imunológico saudável defende o corpo contra doenças e infecções. Entretanto, para uma em cada 10 pessoas, principalmente mulheres, o sistema imunológico não funciona bem e ataca suas próprias células
 


Isso causa mais de 80 tipos de doenças autoimunes, como o lúpusesclerose múltiplaartrite reumatoide. A razão pela qual as mulheres podem ser mais afetadas, de acordo com alguns estudos recentes, pode estar ligada a um mecanismo defeituoso que supostamente desliga um dos dois cromossomos X da mulher.


Um estudo da Universidade de Stanford, nos Estador Unidos, mostra que uma molécula chamada Xist, que desliga uma cópia do cromossomo X em todas as células do corpo feminino, pode desencadear uma resposta imune desordenada. Outro estudo da França, ainda não revisado por pares, mostra que quando determinados genes do cromossomo X silenciado se tornam ativos novamente, podem causar sintomas semelhantes aos do lúpus em camundongos mais velhos.
 

Como a maioria das doenças autoimunes é diagnosticada após a puberdade, mais em meninas do que em meninos, acredita-se que os hormônios sexuais sejam os principais responsáveis por essa diferença. Por exemplo, quatro em cada cinco pacientes com doenças autoimunes são mulheres. Dez vezes mais mulheres do que homens têm lúpus. E 20 vezes mais mulheres desenvolvem a síndrome de Sjögren, uma doença que causa principalmente olhos e boca secos.
 

“Nosso estudo mostra que não são necessários hormônios sexuais femininos, nem mesmo um segundo cromossomo X; apenas essa [molécula] Xist pode ter um papel importante no desenvolvimento de algumas doenças autoimunes”, explica Howard Chang, dermatologista e geneticista molecular da Stanford University School of Medicine, na Califórnia, que liderou o estudo.
 

Há evidências claras agora de que o viés sexual na doença autoimune não está ligado apenas aos hormônios, mas também à presença do número de cromossomos X e ao processo de inativação do cromossomo X”, diz Claire Rougeulle, uma epigenética que liderou o segundo estudo no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) na Université Paris Cité, na França.
 

O fato de existirem tantos anticorpos que têm como alvo/destruição as moléculas necessárias para silenciar ou desligar o cromossomo X “não era conhecido”, diz Jean-Charles Guéry, imunologista do Instituto de Doenças Infecciosas e Inflamatórias de Toulouse, na França.
 

Paradoxalmente, o aumento do risco de doenças autoimunes em mulheres pode até ser uma adaptação evolutiva para proteger a vida de seus filhos. “As mulheres têm um sistema imunológico melhor para combater as coisas”, comenta Johann Gudjonsson, dermatologista da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, nos Estados Unidos.
 

As mulheres tendem a produzir mais anticorpos do que os homens, o que protege tanto elas quanto seus bebês por meio do leite materno, explica Vanessa Kronzer, reumatologista da Mayo Clinic em Rochester, no estado norte-americano de Minnesota.
 

Os hormônios também estão envolvidos. Os hormônios estrogênicos femininos aumentam a imunidade, enquanto os hormônios masculinos não apenas suprimem a imunidade, mas também protegem contra a autoimunidade
 

Acreditava-se que essas diferenças nos hormônios sexuais explicavam por que as mulheres têm uma imunidade mais robusta, tornando-as também mais vulneráveis ao desenvolvimento de doenças autoimunes do que os homens. Mas esse pode não ser o único motivo.

A combinação de cromossomos sexuais herdados durante a fertilização determina o sexo de uma pessoa. Os homens herdam um cromossomo X (à esquerda) e um Y (à direita) (como visto aqui); as mulheres herdam duas cópias do cromossomo X. O cromossomo Y carrega instruções para o desenvolvimento das características masculinas. 

Foto de Biophoto Associates, SCIENCE PHOTO LIBRARY

O corpo silencia um cromossomo X

Cada célula do corpo de uma mulher tem dois cromossomos X, um da mãe e outro do pai. Os homens têm um cromossomo X da mãe e um cromossomo Y muito menor do pai. O cromossomo Y contém apenas cerca de cem genes, mas o cromossomo X contém mais de 900 genes.
 

Para garantir que a atividade dos genes localizados no cromossomo X seja igual em homens e mulheresum dos dois cromossomos X em cada célula feminina é desligado aleatoriamente. Isso acontece no início do desenvolvimento fetal, quando a molécula Xist e suas proteínas parceiras se enrolam em torno de um dos cromossomos X e o desligam. Se os dois cromossomos X permanecerem igualmente ativos, a célula morrerá.
 

Como resultado, o corpo da fêmea contém um mosaico de células em que o cromossomo X da mãe ou do pai é silenciado. Essa inativação do cromossomo X é a razão pela qual as gatas Calico desenvolvem um mosaico de pelagem laranja e marrom. Enquanto alguns dos pelos expressam a cor preta de um cromossomo X ativo, outros desenvolvem a cor laranja do outro.
 

Entretanto, a inativação do cromossomo X está longe de ser perfeita, e de 15 a 23% dos genes permanecem ativos. Um desses genes que continua a funcionar, quando não deveria, foi associado ao desenvolvimento de lúpus. Mais evidências vêm de meninos e homens que nascem com um cromossomo X extra e que também têm um risco maior de desenvolver doenças autoimunes, sugerindo o papel fundamental do cromossomo X.

O que é o Xist e como ele ativa autoanticorpos

Chang vem estudando a molécula Xist há muitos anos e, em 2015, descobriu que muitas proteínas que trabalham em conjunto com a Xist estavam envolvidas em distúrbios autoimunes e eram atacadas por anticorpos desonestos, chamados autoanticorpos. Em vez de combater invasores estranhos, como os germes, os autoanticorpos visam erroneamente as células do próprio indivíduo.
 

Para testar se a inativação defeituosa do cromossomo X era a razão pela qual mais mulheres sofrem de doenças autoimunes do que os homens, a equipe de Chang projetou camundongos machos que produzem a molécula Xist, que normalmente só está presente em células femininas.
 

No entanto, a molécula Xist por si só não causou a doença autoimune nos camundongos machos projetados. Somente quando os pesquisadores injetaram um irritante nesses camundongos machos geneticamente modificados é que os níveis de autoanticorpos aumentaram e desencadearam uma doença semelhante ao lúpus
 

Com a adição do irritante, os níveis de autoanticorpos nos camundongos machos produtores de Xist se igualaram aos das fêmeas e foram mais altos do que nos machos normais sem Xist. Esses camundongos projetados também apresentaram danos mais extensos aos tecidos e sinais de inflamação elevada quando expostos ao irritante.
 

Isso sugere que, mesmo com o Xist, é necessária uma suscetibilidade genética ou um gatilho ambiental para causar a doença autoimune com viés feminino. O estudo sugere que somente quando as células são danificadas, seja por um gatilho ambiental ou devido à suscetibilidade genética, as moléculas Xist e suas proteínas parceiras vazam para fora da célula e fazem com que o sistema imunológico produza autoanticorpos contra o complexo Xist-proteína, o que dá início a uma doença autoimune.
 

“Esse é um dos principais motivos pelos quais, obviamente, a maioria das mulheres não apresenta doença autoimune”, revela Chang. “Mesmo que todas as mulheres expressem Xist em todo o corpo.”

As ligações do cromossomo X com o lúpus 

Rougeulle colaborou com Céline Morey, uma colega epigenética de Paris, na França, para entender o que acontece quando o cromossomo X não é totalmente desativado.
 

Eles criaram camundongos fêmeas para exibir inativação imperfeita do cromossomo X – em que a maioria, mas não todos, os genes do segundo cromossomo X foram desligados.
 

Os pesquisadores recorreram à inativação incompleta porque o bloqueio de toda a atividade Xist manteria ambos os cromossomos X totalmente funcionais e mataria os camundongos. Embora os cientistas franceses não esperassem que seus camundongos desenvolvessem uma doença autoimune, eles ficaram surpresos quando as camundongas fêmeas projetadas apresentaram sintomas de uma doença semelhante ao lúpus.
 

“Não se observamos os sintomas da doença autoimune nesses camundongos de imediato, mas eles começam a se manifestar à medida que envelheceram”, conta Morey.

 

Isso corrobora o estudo de Guéry de 2018, que mostrou que quando um gene que promove a inflamação escapa da inativação nas células imunológicas, ele aumenta o risco de desenvolver lúpus.
 

O tema comum entre o estudo de Stanford e o francês é que ambos vinculam o cromossomo X e o processo de inativação do cromossomo X à autoimunidade, diz Rougeulle.
 

Os mecanismos ligados à inativação do cromossomo X parecem explicar as diferenças de sexo em algumas doenças autoimunes, como lúpus e Sjögren, diz Guéry. “Mas não é possível ter um único mecanismo para todas as doenças autoimunes.”

A previsão de quem pode desenvolver doença autoimune

O estudo de Stanford descobriu que os autoanticorpos contra muitas proteínas associadas ao Xist são encontrados no sangue de pacientes que sofrem de doenças autoimunes, como lúpusesclerodermia ou dermatomiosite.
 

Enquanto alguns autoanticorpos eram específicos de determinadas doenças autoimunes, outros eram comuns entre várias doenças. Portanto, talvez seja possível desenvolver um painel de autoanticorpos que possa ser usado para distinguir entre diferentes distúrbios.
 

Rougeulle adverte, entretanto, que os estudos atuais não mostram se os níveis de autoanticorpos aumentam significativamente antes das doenças, portanto, são necessários mais estudos antes que uma ferramenta de diagnóstico possa ser desenvolvida.

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