Descendentes da dinastia judaica de Chernobyl retornam à zona de exclusão

Durante séculos, Chernobyl foi lar de um importante movimento hassídico. Agora, um homem — e seus 50 mil parentes — reivindicam sua história.

Por Christine Blau
fotos de Pierpaolo Mittica, Parallelozero
Publicado 17 de mar. de 2019, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um homem judeu hassídico visita o local da antiga sinagoga de Chernobyl. Durante o século 18, essa cidade se tornou o berço de um proeminente movimento chassídico ainda seguido nos dias de hoje.
Foto de Pierpaolo Mittica, Parallelozero

Por 30 anos, Yitz Twersky, natural de Nova York, gastou todo o seu tempo e dinheiro pesquisando sua genealogia, realizando conexões entre oito gerações e mais de 50 mil pessoas até suas raízes em Chernobyl, local do catastrófico desastre nuclear de 1986. Ele financiou centenas de testes genéticos para confirmar parentescos distantes, enquanto analisava registros históricos de uma proeminente dinastia judaica. Uma vez satisfeito com a pesquisa da sua vida, Yitz viajou até a terra natal de sua família, na Ucrânia, pela primeira vez, levando novos ares à terra contaminada.

Muito antes de nuvens com partículas altamente radioativas serem liberadas na Europa, gerando fascinação e incutindo medo sobre o quanto a humanidade é frágil, Chernobyl consumia a região com uma espiritualidade fervorosa. Durante o século 18, essa cidade, cerca de 160 quilômetros ao nordeste de Kiev, se tornou o berço de um proeminente movimento hassídico iniciado por um antepassado direto de Yitz, o rabino Menachem Nachum Twersky, discípulo do fundador do hassidismo, Baal Shem Tov.

“Quando o desastre nuclear ocorreu, todo mundo em Williamsburg, Borough Park ou outro local religioso [de judaísmo ortodoxo] conhecia Chernobyl,” diz Yitz.

O objetivo da épica investigação genealógica de Yitz foi encontrar esse importante antepassado e mapear todos os descendentes dele. “Essa era minha missão,” explicou Yitz. “Fui para a Ucrânia, quando ainda fazia parte da União Soviética, para falar com qualquer pessoa que estivesse disposta a conversar comigo. Não havia internet nem e-mail. As pessoas pegavam a lista telefônica e escreviam umas para as outras”.

Yitz passou a vida viajando pelo mundo para estudar dados do censo do século 18, guardados em arquivos de Kiev, arquivos da KGB, centenas de testemunhos de sobreviventes do Holocausto em Yad Vashem, em Israel, e testes de DNA do cromossomo Y de parentes que vivem em 31 países. Ele também descobriu, no meio do caminho, artefatos de valor inestimável, como pratos keará de prata, um raro pergaminho em miniatura da Torá e fotos históricas de Grandes Rabinos. Após um extenso projeto de genealogia que durou décadas, Yitz decidiu que a hora de fazer a viagem havia chegado.

Escondido abaixo da superfície

Durante muito tempo, peregrinos buscaram respostas nessa terra histórica. Milhares de pessoas vinham dos arredores para ouvir os ensinamentos e receber bênçãos de Mordechai Twersky, filho de Menachem Nachum, que continuou como o Grande Rabino de Chernobyl, vivendo na opulência, com uma corte e adereços do ourives do czar. Todos os seus oito filhos se tornaram rabinos na Ucrânia, assim como os filhos deles e, assim, a dinastia Twersky continuou.

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    Após mapear seus 50 mil membros familiares, Yitz Twersky reza com emoção sobre o túmulo de seu antepassado e fundador do movimento hassídico em Chernobyl, o Grande Rabino Menachem Nachum Twersky. Ele diz: "Reuni novamente todas essas pessoas: primos e parentes em busca de uma conexão, mas que nunca souberam aonde ir."
    Foto de Pierpaolo Mittica, Parallelozero

    A Revolução Russa de 1917, os pogroms de camponeses de 1919 e a Segunda Guerra Mundial devastaram a comunidade judaica de Chernobyl. No entanto, milhares de seus descendentes vivem hoje na Polônia, nos Estados Unidos e em Israel. A Ucrânia é um dos países que mais possui locais de patrimônio judaico entre todos os países europeus: cerca de 1,5 mil foram identificados, mas a contagem real certamente é mais alta. Diversas empresas – como PoyechaliJUkraineJewish Travel Agency – auxiliam na realização de pesquisas genealógicas, organizam viagens em grupos e ajudam pessoas que buscam respostas sobre seus antepassados.

    O lugar de descanso eterno de Menachem Nachum Twersky é um local ancestral importante. Está localizado na Zona de Exclusão de Chernobyl, a faixa de 2,6 mil km² de terra contaminada que circundava o reator com defeito, agora envolta por uma barreira de aço.

    O Rabino Sirkis Leibel, de Nova York, ajudou a descobrir o local exato em 1988, apenas dois anos após o acidente. “Precisei de permissão especial de Washington para entrar”, conta. Um radar penetrante testou o solo para localizar o mausoléu, escondido abaixo da superfície, do grande místico que publicou um dos primeiros trabalhos do pensamento hassídico.

    “Nós vamos até lá [Chernobyl] para entoar cânticos, acender velas e recitar salmos. É uma parte bastante especial e emocionante da viagem”, diz o Rabino Shmiel Gruber, de New Square, uma cidade totalmente hassídica em Rochester County, Nova York, moldada com base em Chernobyl por uma sucessão de líderes rabínicos da família Twersky. Muitos dependem de Gruber para ajudar a encontrar guias e tradutores.

    Nas últimas duas décadas, ele levou mais de 10 grupos até a Old Synagogue e os túmulos, antes de prosseguir com o itinerário até outros patrimônios judaicos da região – evitando quase 60 mil turistas que exploram, todos os anos, a piscina vazia, a escola abandonada e os memoriais na área evacuada.

    Um visitante na sinagoga abandonada de Chernobyl pausa para tirar uma foto.
    Foto de Pierpaolo Mittica, Parallelozero

    “Todos os Grandes Rabinos vieram originalmente de Chernobyl, e muitos de nós desejam visitar o túmulo do primeiro rabino, mas a burocracia ucraniana é enorme,” lamenta.

    A documentação de todos os visitantes para a Zona de Exclusão de Chernobyl e as áreas adjacentes deve ser enviada às autoridades do governo com semanas de antecedência – o que é mais fácil de ser providenciado por uma agência de turismo. Aparentemente, alguns visitantes com documentação adequada na viagem de Gruber ainda assim tiveram a entrada negada no ponto de inspeção e foram forçados a aguardar até que os outros retornassem.

    “Toda vez eles aparecem com novas exigências”, diz Gruber. “Não sei por que é uma zona fechada, e mesmo que seja, por que dificultam tanto”.

    Reunião familiar

    Quando Yitz Twersky finalmente fez a viagem com sua esposa até o local que ocupou seus pensamentos a vida toda, ele levou consigo o nome de 50 mil pessoas. “É claro que vi outros judeus ortodoxos lá e conhecia alguns deles. Chernobyl: entre todos os lugares para encontrar pessoas conhecidas”.

    Eles também se encontraram com o fotógrafo italiano Pierpaolo Mittica, que fez essa visita mais de 20 vezes desde 2002 para documentar histórias não contadas sobre o evento.

    Todo ano, no aniversário de morte do Grande Rabino Menachem Nachum, peregrinos rezam sobre os túmulos desses líderes hassídicos e veneram os lugares de adoração, como essa sinagoga — agora reduzida a um prédio anônimo e abandonado, mas ainda viva para essa comunidade. Aqui, Yitz Twersky faz essa visita pela primeira vez, em 2017: “Alguns Grandes Rabinos já trouxeram, ao longo dos anos, mil pessoas. Notavelmente, as pessoas vão no aniversário de morte dele ou apenas para rezar. Mas, como sabemos, não é tão simples assim conseguir entrar.”
    Foto de Pierpaolo Mittica, Parallelozero

    “Talvez essa situação tenha sido a mais incomum que já presenciei na Zona de Exclusão de Chernobyl. Todas essas pessoas com chapéus pretos durante o inverno, conversando e rezando nos túmulos em frente a uma floresta”, conta Mittica. “Isso criou uma atmosfera incrível para ser fotografada, mas isso é uma zona de exclusão, o lugar mais perigoso do mundo. A beleza contrasta com a contaminação”.

    Uma de suas fotografias registra um costume judaico de oferecer súplicas aos mortos, pedindo que intercedam em seu nome. Yitz fica ao lado do túmulo de seus antepassados, segurando papéis com os 50 mil nomes.

    “Para mim, colocar esses nomes e dizer ao meu antepassado: eu consegui. Está todo mundo aí. Por favor, reze pela família inteira”, diz Yitz. “Foi por isso que essa visita foi tão emocionante para mim, porque foi como se eu tivesse voltado ao ponto de partida”.

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