Copan, São Paulo: a vida no maior complexo residencial do país durante a pandemia

Com cerca de cinco mil moradores, edifício-símbolo do centro de São Paulo mostra uma perspectiva interna do isolamento e das restrições em meio à covid-19.

Por João Pina
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Publicado 19 de abr. de 2020, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O edifício Copan brilha no centro de São Paulo enquanto a cidade ao seu redor luta ...

O edifício Copan brilha no centro de São Paulo enquanto a cidade ao seu redor luta contra a pandemia de coronavírus.

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O EDIFÍCIO COPAN, em São Paulo, tem o formato de uma onda que me lembra o til sobre a letra “a” de “São Paulo”. Com 1.160 apartamentos, a enorme estrutura de concreto é o maior edifício residencial da América Latina e tem até CEP próprio. Projetado como um experimento social na década de 1950, o prédio, que mais se parece uma cidade, agora mostra uma perspectiva interna de como uma metrópole de 21 milhões de habitantes está lidando com o isolamento durante a pandemia do coronavírus.

A cuidadora Angelica Cunha, 55 anos, depende de sua renda para sobreviver. Depois de ficar doente, ela ficou em quarentena por duas semanas e agora voltou ao trabalho.

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São Paulo é o epicentro do surto no Brasil. Até 19 de abril, cerca de 37 mil brasileiros haviam sido infectados pela covid-19, e 2.372 óbitos haviam sido confirmados. Aproximadamente 990 mortes ocorreram apenas no estado de São Paulo. Assim como em outros países, a escassez de testes indica que o número de casos seja provavelmente muito maior. Um novo estudo estima que existam sete vezes mais casos no Brasil do que os registrados oficialmente. O agora ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertou que o sistema público de saúde poderia entrar em colapso até o fim de abril.

Passei as últimas duas décadas trabalhando como fotógrafo na América Latina. Eu vim para São Paulo no fim do ano passado e agora estou em quarentena obrigatória, assim como o restante dos moradores da cidade. Quando ouvi falar do Copan e de sua história, fiquei muito interessado em conhecer aquele mundo. Então, me hospedei em um dos apartamentos e passei oito dias fotografando e conhecendo as pessoas que o chamam de lar. Antes de me mudar, fiquei isolado no meu apartamento por 20 dias e segui rigorosos protocolos de segurança durante o período.

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    O Copan foi um sonho do arquiteto Oscar Niemeyer, que queria construir um local para pessoas de todas as esferas da sociedade brasileira. E ele conseguiu. Artistas, magnatas e empregados domésticos estão entre os cinco mil moradores que vivem em apartamentos que variam de 28 a mais de 415 metros quadrados. O edifício possui cerca de 102 funcionários.

    Todos os dias, Fabio Rodrigues dirige três horas de sua casa, na zona leste de São Paulo, para o Copan, onde entrega correspondência para os cinco mil moradores do edifício.

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    Moradores do Copan batem panelas em suas janelas todas as noites em protesto contra a gestão da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro.

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    Assim como o homem que o projetou, os moradores do Copan se inclinam para a esquerda no espectro político. Todas as noites, moradores do Copan batem panelas em suas janelas em protesto contra a gestão da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro.

    O presidente Jair Bolsonaro disse que não acredita que a covid-19 seja uma emergência de saúde. Ele a considera uma “gripezinha” e duvidou publicamente do número de mortes anunciado. Ele realizou comícios políticos incentivando as pessoas a voltarem ao trabalho. E seus apoiadores estão levando sua perigosa mensagem para as ruas: em protesto que dizia que o coronavírus é uma mentira, eles impediram as ambulâncias de andar por São Paulo.

    “Há semanas, Bolsonaro sabota os esforços dos estados e de seu próprio Ministério da Saúde no combate à disseminação da covid-19, arriscando gravemente a vida e a saúde dos brasileiros,” afirma José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas, em um relatório recente.

    Quando a pandemia começou, Andres Sandoval (à esquerda), ilustrador, mudou seu estúdio para o apartamento que divide com seu parceiro, Thyago Nogueira, para poder continuar trabalhando.

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    Bolsonaro poderia aprender um pouco com Affonso Celso Oliveira, de 80 anos. Morados do Copan há décadas, desde 1993 ele é o síndico do edifício. Quando soube do vírus pela primeira vez em janeiro, imediatamente fechou o terraço no topo do prédio, geralmente lotado de centenas de visitantes, a maioria de estrangeiros, que vão ao local diariamente e intensificou a limpeza em todo o edifício. “Instruí os porteiros para que observassem no circuito interno de televisão as pessoas enquanto estivessem usando os elevadores”, contou-me Oliveira. “Se tocarem nas superfícies ou espelhos, o pessoal da limpeza é chamado para limpar todo o elevador imediatamente.”

    Os funcionários recebem vale-combustível, em vez de vale-transporte, para evitar os ônibus lotados da cidade densamente povoada. E os porteiros também estão em alerta em relação a residentes que apresentam sintomas. Conheci uma mulher que havia retornado recentemente da Europa com gripe e ela me contou que, todos os dias, os funcionários faziam questão de acompanhar seu estado de saúde. 

    Walerio Araujo, morador de longa data do Copan, viu o prédio se transformar de um lugar decrépito e perigoso em uma comunidade vibrante e moderna.

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    Muitos achavam que Oliveira estava exagerando, mas agora o consideram um gênio. Até o momento, não há casos confirmados de coronavírus no Copan.

    Mas, do mesmo modo que o restante de São Paulo, a vida no Copan não está imune aos efeitos da pandemia. Enquanto alguns moradores não estão enfrentando problemas financeiros, outros estão de “férias” forçadas. Outros ainda perderam o emprego e estão sem perspectiva. Todos estão ansiosos.

    Muitos são como Carine Wallauer. Antes da pandemia, ela era uma diretora de fotografia bem-sucedida. No início de março, quando o vírus estava crescendo em todo o mundo, participou do Berlinale, prestigiado festival de cinema em Berlim. Desde então, ela perdeu dois de seus três empregos. Agora, está preocupada com o que acontecerá com a sua vida no próximo mês. Na minha última visita, ela parecia aliviada por ter alguém com quem conversar. Sentamos no chão — cerca de dois metros de distância um do outro — e conversamos por três horas. Assim como Carine, outros moradores estavam ansiosos para conversar, pois há semanas não viam ninguém. A cada visita, eu lavava bem as mãos e praticava o afastamento social. Mesmo com as precauções extras, não é possível afirmar nada diante de uma doença invisível.

    Durante a minha estadia, fotografei mais de vinte moradores do Copan e diversos funcionários não residentes. Entre eles, o bombeiro de plantão, que leva três horas diariamente para ir e voltar do Copan; um pintor de casas que agora é artista e toca violino na hora do almoço; e o carteiro, que distribui correspondência para todos os 1.160 apartamentos todos os dias. Ao conhecer homens, mulheres e crianças de todas as esferas da sociedade vivendo juntos no Copan, vi um forte senso de comunidade e solidariedade.

    Depois de três semanas de quarentena, vejo movimento na cidade. Com mensagens ambíguas dos governos estadual e federal, empresas não essenciais estão abrindo em horários limitados e as pessoas estão voltando ao trabalho. Em um país com uma  das maiores desigualdades de rendas do mundo, o medo de outro colapso econômico como o de 2015 — a pior recessão da história — se sobrepõe aos riscos.

    Ilê Sartuzi transformou seu apartamento em um cinema improvisado. Forçados a ficar em casa, os moradores estão encontrando maneiras criativas de se divertir.

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    Vejo os sinais da fragilidade econômica nos rostos dos moradores de rua. Ainda que o Copan tenha contribuído para a revitalização do centro nas últimas décadas, ainda existe muita gente sem lugar para morar, alguns fazendo suas vidas na rua bem em frente ao Copan. Sem um sistema de apoio social, alguns dos moradores têm feito o que podem para ajudar, coordenando esforços de financiamento coletivo através do Facebook. Dois dos moradores distribuíram refeições para os moradores de rua. Uma mulher desce todo o dia para doar garrafas de água – é tudo que ela pode comprar.  

    Em uma região tão densamente povoada como o centro de São Paulo, um vírus altamente contagioso como esse pode se espalhar facilmente. Para manter seus 102 funcionários em segurança, Affonso Celso Oliveira deu a eles vale-combustível em vez de pagar a tarifa do ônibus, para que evitem o transporte público nos deslocamentos entre a casa e o trabalho.

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    Para todos os brasileiros, se o futuro já era incerto, a pandemia só piorou o cenário. Agora, há medo do invisível e do desconhecido. O governo federal planeia ajudar empreendedores, trabalhadores independentes e informais com um apoio de R$ 600 nos próximos três meses. O valor é um pouco maior do que o salário mínimo – e não é suficiente para uma cesta básica, a quantidade mínima de comida e bens de primeira necessidade considerados básicos para a sobrevivência no Brasil. Um pequeno conforto em uma cidade em que a fome sempre esteve nas ruas. Agora, há também medo do invisível e do desconhecido.

    João Pina é colaborador da National Geographic, focando o seu trabalho nas violações dos direitos humanos e em memória histórica. Ele tem trabalhado sobretudo na América Latina nos últimos 20 anos. Acompanhe o trabalho no Instagram ou na página oficial.
     
    Nota do editor: o título da reportagem foi alterado em 20/04/2020 com a informação de que o Copan é considerado o maior complexo residencial do Brasil e da América Latina pelo Guinness Book.
     

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