Água líquida finalmente encontrada em Marte. Entenda os fatos

Evidências de lago subterrâneo achado por radar podem ajudar a resolver o mistério marciano e oferecer novos rumos na busca por vida extraterrestre.

Por Nadia Drake
Publicado 25 de jul. de 2018, 13:22 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Vista da calota polar sul de Marte, onde cientistas usando radares podem ter encontrado um reservatório ...
Vista da calota polar sul de Marte, onde cientistas usando radares podem ter encontrado um reservatório de água enterrado.
Foto de Science History Images, Alamy Stock Photo

A água líquida é até abundante em luas pelo sistema solar, mas se mostrou surpreendentemente difícil de ser encontrada em quantidades confiáveis em Marte - até agora.

Varreduras de radar no Planeta Vermelho sugerem que um reservatório estável de água salgada e líquida, com quase 20 quilômetros de diâmetro, está localizado a quase um quilômetro abaixo do polo sul do planeta. Além disso, o lago subterrâneo provavelmente não está sozinho.

“Há outras áreas que parecem semelhantes. Não há razão para dizer que esta é a única ”, comenta Elena Pettinelli, da Universidade Roma Tre, na Itália, coautora do jornal que relatou a descoberta hoje na revista Science.

Se confirmado, o bolsão de água enterrado poderia responder a algumas perguntas sobre onde estavam os antigos oceanos de Marte, bem como fornecer um recurso para futuros assentamentos humanos. Ainda mais emocionante para os astrobiólogos, tal característica pode ser um habitat ideal para formas de vida extraterrestres.

"Neste tipo de ambiente que conhecemos na Terra, na Antártida, temos bactérias", diz Pettinelli. "Elas podem estar no fundo do gelo".

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Bilhões de anos atrás, Marte era provavelmente quente e coberto de mares como seu vizinho maior e mais azul. Mas o planeta de hoje é um deserto árido e tóxico, e há décadas os cientistas tentam decifrar o que aconteceu com a água que uma vez encharcou, espirrou e caiu sobre suas areias.

Até hoje, cientistas encontraram água em Marte várias vezes, mas geralmente transitória ou inacessível, seja pairando na atmosfera, bloqueada no permafrost ou em calotas polares, ou talvez se infiltrando sazonalmente em encostas de crateras. E a quantidade que encontramos não preenche os antigos mares marcianos ou torna o cultivo de plantas particularmente fácil.

"Sabemos que havia muita água na superfície de Marte e não podemos explicar tudo isso hoje", diz Bobby Braun, da Universidade do Colorado, em Boulder. Assim, os cientistas levantaram a hipótese de que parte da água que falta pode ficar presa em aquíferos subterrâneos contendo vastas reservas de líquido.

"Terei que encontrar a ciência"

No entanto, humanos só lançaram espaçonaves capazes de encontrar água subterrânea no começo deste milênio.

Uma delas, a nave da Agência Espacial Europeia Mars Express, está orbitando o quarto planeta do Sistema Solar desde 2003; dentro dela, um instrumento chamado MARSIS usa pulsos de radar para enxergar além da superfície de Marte. Ele funciona enviando ondas de rádio de baixa frequência em direção ao planeta que infiltram o solo e são refletidas quando encontram estruturas geológicas e outras barreiras. Estudando como essas ondas são refletidas de volta à espaçonave, cientistas podem inferir o que tem no subsolo.

Em 2008, a equipe de MARSIS viu indícios do que pode ser reflexos brilhantes próximos ao polo sul do planeta, em uma área onde camadas de gelo estão empilhadas umas sobre as outras. Na Terra, piscinas de água salgada enviam os reflexos de radar mais brilhantes – por isso a equipe decidiu observar a região de mais perto.

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    Depois de alguns anos acumulando dados meio inúteis, a equipe finalmente começou a coletar observações em 2012 para montar um panorama maior. Desde então, levou-se mais três anos e 29 passagens da espaçonave até os cientistas terem informações suficientes com o que trabalhar.

    "Sabíamos que tinha algo ali e estávamos curiosos para saber o que havia embaixo daquela área", lembra Pettinelli. "E fomos teimosos o suficiente para fazer a análise dos dados".

    Colocar em ordem os dados do MARSIS não foi fácil. No dois anos seguintes, a equipe compilou e processou as observações e trabalhou duro para descartar possibilidades alternativas, como camadas profundas de dióxido de carbono.

    Eventualmente, ao comparar os padrões de reflexão de Marte com os da Terra, cientistas ficaram convencidos de que tinham encontrado um lago subglacial. O lago, que talvez tenha vários metros de profundidade, contém muitos sais que ajudam a mantê-lo líquido mesmo em temperaturas muito baixas, especulam os cientistas.

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    A equipe do Mars Express comparou a descoberta com lagos escondidos embaixo das calotas de gelo da Groenlândia e da Antártida, que podem ser enormes e certamente capazes de abrigar a vida como a conhecemos.

    Mas nem todo mundo está convencido de que o "lago" é, de fato, um lago. Até a equipe admite que ele pode ser, na verdade, um depósito de lodo, algo mais parecido com sedimentos enlameados do que um bolsão repleto de líquido. Determinar a natureza exata da estrutura vai requerer um tipo diferente de instrumento, diz Pettinelli.

    "Não podemos escolher entre um e outro. Não temos informação suficiente para dizer se é um lago ou sedimentos saturados como um aquífero", diz Pettinelli. "O lago vai ser mais interessante".

    Isto se presumimos que ele exista.

    "Nós não enxergamos esse refletor", disse Bruce Campbell, do Museu Nacional Smithsonia do Ar e do Espaço, que é membro da equipe que opera um instrumento semelhante chamado SHARAD, da sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da Nasa.

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    Foto de NASA, Jpl, Usgs

    A MRO orbita Marte desde 2006, lançando seu radar em vastas áreas da paisagem alienígena, incluindo múltiplas varreduras nas camadas de depósito do polo sul. Ela nunca encontrou nada que se parece com um reservatório.

    Para Jack Holt, da Universidade do Arizona, isso acontece porque o radar da MRO usa comprimentos de onda diferentes, que são dispersadas pelo gelo polar antes de atingirem a profundidade onde potencialmente se encontra o reservatório. Mas qualquer coisa que reflete tanto quanto um lago líquido deveria ser identificado pelo SHARAD, ele observa.

    "Água salgada é provavelmente o maior refletor de radar que você pode encontrar, tirando o metal", ele disse. "Um lago traria um reflexo liso como um espelho que é mais provável de ser visível no SHARAD, [mas] caso sejam sedimentos saturados, a superfície pode ser mais irregular e, por isso, mais fácil de passar batido pelo SHARAD".

    No geral, cientistas estão ansiosos para confirmar a descoberta – incluindo os da equipe do MARSIS.

    "Acredito que fizemos um bom trabalho tentando matar essa ideia, no sentido que tentamos destruir a possibilidade que isso era água muitas vezes", diz Pettinelli. "Por isso estamos bem convencidos agora, e esperamos estar mais convencidos no futuro, com mais dados".

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    Assumindo que esteja lá, esse pequeno bolsão de água salgada pode ajudar a resolver o mistério dos oceanos perdidos de Marte. Também é uma pista sobre o ciclo hidrológico do planeta – teorias envolvem aquíferos subterrâneos abastecidos com calotas polares derretidas e a maior parte da água correndo na direção norte desde as terras altas do sul, disse Nathalie Cabrol, do Instiuto SETI.

    "Você pode intuir que haveria ou sedimentos úmidos nos polos de Marte ou lentes de água líquida", ela disse. "É aí que você espera que o reservatório esteja".

    Acostumada a água em lugares estranhos, o trabalho de Cabrol na Terra inclui investigar ambientes análogos a Marte, o que às vezes exige que ela mergulhe em lagos escondidos nos picos elevados dos Andes. Ela diz que tanto faz se o MARSIS encontrar sedimentos ensopados ou um lago de verdade: a descoberta é sensacional de qualquer forma.

    "O que se ve aqui é a potencial presença de água, de abrigo… e você pode produzir nutrientes a partir dos minerais", disse. "O que você precisa é uma fonte de energia… e se teve vulcões recentes nas regiões polares, então definitivamente é um lugar altamente habitável e um alvo de vida".

    Por outro lado, ela aponta, "seria um lugar muito problemático de ir, porque estaria embaixo de regiões especiais de proteção planetárias", referindo-se às regulações na ONU que visam proteger a contaminação interplanetária de ambientes habitáveis.

    O novo reservatório também é um recurso no qual humanos interessados em colonizar Marte podem tirar vantagens – mas talvez não tão cedo.

    "Acho muito improvável que os primeiros humanos em Marte perfurem tantos quilômetros", disse Braun, consultor da série da National Geographic Marte e ex-chefe de tecnologia da Nasa.

    "Mas acho que, se for verdade, provavelmente existem outros corpos de água como esse que talvez estejam mais próximos à superfície", ele disse,"e, se soubermos que existe um grande corpo de água há dezenas de metros de profundidade, isso seria algo de muito interesse se você estiver planejando um acampamento base".

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