A tradicional caça de ursos do Japão é sagrada – e controversa

O fotógrafo Javier Corso passou duas semanas documentando os caçadores matagi, cujas tradições espirituais estão sob ameaça.

Por Alexandra Genova
fotos de Javier Corso
Publicado 22 de nov. de 2017, 13:22 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ito Ryoichi usa roupas tradicionais dos caçadores Matagi. Hoje, os caçadores só usam essas roupas para rituais específicos, mas alguns ainda usam couro para se protegerem do frio.
Foto de Javier Corso

Nas terras altas do norte da ilha de Honshu, no Japão, os matagi iniciam a caça no inverno. Eles rezam antes de entrar no reino sagrado da montanha, depois passam horas ouvindo, esperando e assistindo – buscam sinais quase impossíveis de se perceber que o urso-negro está próximo.

O grupo de homens se divide em dois – um vigia enquanto o outro age como chamariz. Lentamente, eles se aproximam do animal antes do atirador disparar. Manchas vermelhas de sangue surgem na neve virgem quando o cadáver do urso é arrastado para uma planície próxima a fim de ser estripado e desmembrado com uma faca matagi tradicional. Partes dos intestinos do urso são ofertados à deusa da montanha.

A formalidade e a precisão espiritual desse ato de matar o separa da caçada moderna. Os matagi são uma comunidade de caçadores com origens no século 16. Cada assentamento do norte de Honshu tem seus próprios traços particulares, mas todos se consideram guardiões especiais do equilíbrio natural. Mas como o urso-negro- japonês, sua principal presa, é considerado uma espécie ameaçada, a caçada ainda é considerada como controversa.

Javier Corso passou 15 dias com os matagi, tirando fotos que ilustram como a prática está enraizada em 400 anos de história. Corso trabalhou no projeto como parte da empresa de produção OAK stories – agência de jornalistas, fotógrafos e cineastas com foco em narrativas locais. Ele trabalhou ao lado de Alex Rodal, diretor de pesquisa da OAK, que realizou seis meses de pesquisa sobre os matagi antes do projeto fotográfico.

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      Todos os membros do grupo de caça têm exatamente os mesmos direitos sobre a carne e a pele do animal, independentemente de quem realizou o tiro. Depois de derrotado, o urso é arrastado para uma planície próxima para que possa ser estripado e desmembrado.
      Foto de Javier Corso

      “Eu queria mostrar a origem dessa comunidade para que as pessoas possam entender o que eles fazem e por que fazem”, diz Corso. “Eu queria mostrar a serenidade da caçada e sua comunicação com a montanha”.

      Ao lado da crueza visceral do assassinato, os retratos de Corso transmitem uma identidade profundamente ligada à terra e aos animais que eles caçam.

      A caçada é uma prática tão espiritual que Corso foi o primeiro autorizado a documentá-la, além do fotógrafo japonês Yasuhiro Tanaka.

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        A força dos cortes feitos com uma faca matagi permite que a carne e os tendões do animal sejam cortados com um único golpe. As patas do urso são separadas do resto do corpo antes que o urso seja esfolado.
        Foto de Javier Corso

        Corso e sua equipe passaram cinco dias com um grupo matagi, ganhando confiança e aprendendo sobre a cultura, antes de serem convidados para a montanha. “Fiquei muito impressionado com a forma com que eles caçaram”, diz Corso. “Foi muito respeitosa”. Embora usem roupas modernas, muitos caçam com as mesmas armas que seus antepassados usaram há sete gerações.

        Mas a caça foi severamente reduzida nos últimos anos. Após o desastre nuclear de Fukushima em 2011, o estado proibiu comunidades matagi de comercializar carne de urso por seis anos devido ao medo de contaminação. “Eles foram forçados a encontrar outras maneiras de se sustentar”, diz Corso.

        Além disso, muitas restrições burocráticas agora envolvem a caçada. “Obter uma licença para caçar urso-negro é um processo tedioso e caro, que você deve renovar a cada três anos, mesmo que você não esteja diretamente envolvido na morte”, diz Alex Rodal. “Isso afasta os mais jovens”.

        Como muitas comunidades das primeiras nações, a prática cultural está sob grave ameaça. “Se algum dia o urso-negro-japonês se extinguir, os matagi não serão os responsáveis”, acrescenta Rodal. “Eu acho que os matagi desaparecerão antes do urso”.

        Grupo de caçadores matagi fotografado no início do século 20. Eles caçavam principalmente com lanças antes de trocarem para rifles pouco antes da Segunda Guerra Mundial. 
        Foto de Javier Corso

        Javier Corso é membro da OAK Stories. Veja mais de seu trabalho no site.

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