Réptil raro foi a última refeição de dinossauro de quatro asas, revela fóssil de 130 milhões de anos

A descoberta não só identifica uma nova espécie de lagarto pré-histórico, mas também questiona o que sabemos sobre a cadeia alimentar de dezenas de milhões de anos atrás.

Por Michael Greshko
Publicado 23 de jul. de 2019, 11:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Há mais de 120 milhões de anos, no local onde hoje é o nordeste da China, ...
Há mais de 120 milhões de anos, no local onde hoje é o nordeste da China, um dinossauro emplumado chamado Microraptor devorou um lagarto pela cabeça e morreu logo em seguida. O fóssil resultante fornece a primeira evidência direta de que o Microraptor se alimentava de lagartos — e revela um novo gênero de réptil pré-histórico.
Foto de Illustration by Doyle Trankina

Na mitologia védica do hinduísmo, a divindade Indra luta contra um dragão que o engole inteiro. Agora, os cientistas descobriram, no registro fóssil, uma fábula incrivelmente semelhante: uma nova espécie de lagarto que encontrou o seu fim na barriga de um dinossauro reluzente.

Chamado de Indrasaurus wangi em referência à mitologia, o azarado réptil foi encontrado dentro do estômago de um dinossauro emplumado, conhecido como Microraptor. O fóssil desse dinossauro de quatro asas foi escavado na biota de Jehol, de 130 milhões de anos, um tesouro de fósseis do período Cretáceo localizado na região onde atualmente é o nordeste da China.

A descoberta, descrita na revista científica Current Biology, representa o quarto fóssil de Microraptor a preservar conteúdo estomacal, mas o primeiro a demonstrar que o Microraptor se alimentava de lagartos. Fósseis anteriores evidenciaram que ele se alimentava de pequenos mamíferos, peixes, ou aves. O espécime também revela que, como algumas aves predatórias de hoje, o Microraptor gostava de lagartos inteiros e começava a devorá-los pela cabeça.

O pequeno dinossauro “realmente parece ter sido um generalista, que ia atrás de qualquer coisa que cabia em sua boca”, diz o paleontólogo Scott Persons, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Alberta, que não participou do novo estudo.

Esse fóssil do dinossauro emplumado Microraptor também preserva a última refeição do animal: um lagarto que parece ter sido engolido inteiro, a começar pela sua cabeça.
Foto de Xuwei Yin

Agora que o fóssil e sua última refeição foram identificados, o espécime já está ajudando no aperfeiçoamento das reconstruções da antiga cadeia alimentar de Jehol. Como parte de seu trabalho que descreve o Indrasaurus, a principal autora do estudo Jingmai O’Connor, paleontóloga do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Vertebrados da China (IVPP), e seus colegas fizeram a reconstrução mais detalhada até o momento de quem devorou quem nesse mundo perdido há muito tempo.

Pelo menos seis tipos de plantas formam a base das cadeias alimentares nessa emaranhada teia, com sementes que alimentavam os herbívoros locais. Lagartos e dinossauros se alimentavam da abundante quantidade de peixes presente no ecossistema lacustre, e pequenos mamíferos desempenhavam um papel tanto de predador quanto de presa. O Sinocalliopteryx, um carnívoro de 2,4 metros de comprimento, parece ter sido um dos principais predadores, ao passo que o Microraptor ocupava uma posição intermediária, alimentando-se de tudo que conseguia capturar.

A biota de Jehol "é o melhor registro que existe em todo o mundo que mostra quais dinossauros se alimentavam de outros dinossauros, entre outras coisas", diz Persons.

Devorando

Encontrado em algum momento antes de 2003, o fóssil do Microraptor passou anos sem revelar seu segredo. Depois que Xiaoting Zheng, ex-chefe de uma mineradora estatal chinesa, comprou o fóssil de um fazendeiro local, o fóssil acabou no vasto Museu Tianyu da Natureza, posteriormente fundado por Zheng. A coleção de fósseis do museu alcança a casa dos milhares, e explorar suas riquezas pode ser incrivelmente complexo.

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    O lagarto pré-histórico Indrasaurus wangi, visto aqui em uma imagem aproximada do fóssil, foi batizado em homenagem à divindade védica Indra e ao paleontólogo chinês Yuan Wang, diretor do Museu de Paleozoologia da China.
    Foto de Xuwei Yin

    "Nesse ponto, já vimos de tudo, [mas] o que acontece é que, quando se tem cinco horas para olhar três mil exemplares, não é possível processar tudo", diz O'Connor. "Sei que já vi aquele espécime antes, mas não havia detectado o conteúdo estomacal, mesmo sendo muito óbvio".

    Quando a equipe percebeu o lagarto, foi possível identificá-lo porque seus ossos estão muito bem preservados. E essa preservação excepcional levanta questões sobre como os dinossauros — incluindo as aves — evoluíram para digerir seus alimentos.

    Para poderem voar, as aves modernas desenvolveram um sistema digestório extremamente especializado e eficiente. Em vez de mastigarem a comida com dentes, elas engolem o alimento inteiro por um esôfago maior, que em muitos pássaros forma uma espécie de bolsa chamada papo. A comida então segue seu caminho através de uma estrutura de dois estômagos. O primeiro secreta enzimas digestivas que quebram quimicamente a comida. O segundo, uma estrutura musculada denominada moela, tritura os alimentos com a ajuda de pequenas pedras.

    Algumas aves predatórias, como as corujas, possuem uma etapa adicional e regurgitam pedaços de ossos, penas e pelos não digeridos. Esse comportamento parece ser muito antigo: o dinossauro emplumado Anchiornis, um primo antigo das aves modernas, também parece ter regurgitado pedaços de ossos, com base na análise de seis fósseis de 160 milhões de anos .

    "Eu gosto de imaginar um pequeno Anchiornis em uma árvore, regurgitando uma bola de pelo após ter devorado um jovem mamífero", diz Persons.

    Regurgitando

    Alguns paleontólogos haviam interpretado as evidências referentes ao Anchiornis como um sinal de que regurgitar conteúdos gástricos tinha sido uma adaptação necessária para as aves conquistarem o voo. Ao regurgitar ossos e penas, segundo o raciocínio, algumas aves voadoras não teriam que carregar peso desnecessário.

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    Mas as penas do Microraptor, que já estavam prontas para voar, parecem sugerir que ele conseguia voar sozinho — e a julgar pelo estado mais intacto das refeições do Indrasaurus e de outros Microraptor, nem todos os dinossauros voadores regurgitavam restos de alimentos. Dos quatro espécimes de Microraptor que possuem conteúdo estomacal fossilizado, todas as quatro presas parecem estar inteiras, e não constituem pedaços desordenados de ossos.

    Embora o tamanho da amostra seja pequeno, O'Connor e seus colegas suspeitam que o Microraptor mantinha suas refeições no estômago por mais tempo do que o Anchiornis e as aves modernas, expelindo ossos nas fezes, assim como outros dinossauros, como o Tiranossauro rex.

    Essa diferença pode ser surpreendente, considerando que se acredita que o Microraptor e o Anchiornis tenham um parentesco próximo. Talvez os pedaços expelidos pelo Anchiornis sugerem que a sua linhagem esteja mais próxima dos ancestrais das aves modernas do que dos dromaeosaurus, um grupo de dinossauros ao qual o Microraptor pertence.

    Mas, como apontado por O'Connor, também é possível que os pedaços expelidos tenham simplesmente evoluído mais de uma vez. Afinal, triturar pedaços não digeríveis de comida não é algo exclusivo das aves; criaturas vivas, de crocodilos a cachalotes, também o fazem. Assim como outras características (penas, por exemplo), talvez o atual e original sistema digestório das aves não seja tão original assim do ponto de vista evolutivo.

    "Não se pode apontar uma mudança, uma única coisa que tenha evoluído, e dizer que foi isso que contribuiu para o sucesso [das aves]", diz O'Connor. Os ancestrais das aves modernas “sobreviveram à extinção no final do Cretáceo provavelmente porque eram a única linhagem a possuir todas essas adaptações que haviam evoluído inúmeras vezes ... esses ancestrais possuíam todas as adaptações em um único pacote”.

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