Terra passou por mais extinções em massa do que imaginávamos
Todos esses períodos de perda repentina e drástica de espécies têm padrões em comum, com implicações preocupantes sobre os atuais danos provocados pelo clima.
A atual crise da biodiversidade geralmente é citada como a “sexta extinção em massa” por aqueles que acreditam que estamos fadados a um colapso no que se refere à quantidade global de espécies. Mas, segundo alguns cientistas, talvez devêssemos chamá-la de sétima.
Em 1982, Jack Sepkoski e David Raup, paleontólogos quantitativos da Universidade de Chicago, fizeram um balanço das piores extinções em massa da Terra, chamando-as de as Cinco Grandes. O grupo inclui o fim do período Permiano, o maior evento de extinção de todos os tempos, que ocorreu há cerca de 252 milhões de anos e eliminou 95% das espécies marinhas.
Naquela época, a carnificina do fim do Permiano ofuscou outro evento de extinção, ocorrido apenas oito milhões de anos antes, no período final da época Guadalupiana. Nas últimas três décadas, entretanto, os geólogos aprofundaram os estudos sobre o fim do período Guadalupiano, normalmente considerado uma crise à parte. Agora, alguns cientistas estão argumentando que esse antigo extermínio foi grande o suficiente para ser classificado entre os apocalipses passados, e propõem renomear o grupo das principais extinções para as Seis Grandes.
A história da vida sempre incluiu diversos reveses e contratempos. Mas, ao destacar e estudar as maiores extinções, os geólogos podem começar a descobrir padrões e procurar causas comuns. Evidências crescentes sugerem que muitos eventos de extinção global estavam associados ao esgotamento do oxigênio nos oceanos, um sintoma do aquecimento causado pelo efeito estufa e que possui implicações preocupantes sobre os efeitos atuais das mudanças climáticas. O período final da época Guadalupiana se encaixa nessa tendência.
“Acho que seria um erro manter apenas os cinco”, afirma Richard Bambach, paleoecologista marinho e professor emérito de paleontologia no Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, que foi revisor do importante estudo de Sepkoski e Raup. O período final da época Guadalupiana chegou muito mais perto de dizimar todas as formas de vida em termos percentuais. Ele afirma que esse período final do Guadalupiano foi surpreendentemente prejudicial à biodiversidade.
“Em uma análise profunda dos números brutos”, explica ele, “a perda de táxons no Guadalupiano é, na verdade, maior do que no Permiano”.
Inundações de lava
O período final do Guadalupiano foi marcado por vastos fluxos de lava, conhecidos como armadilhas do Monte Emei, no sudoeste da China, que são como um monumento a uma antiga inundação de lava que irrompeu no oceano há 260 milhões de anos e ocupou uma área superior a um milhão de quilômetros quadrados. O fenômeno lançou nuvens de metano e dióxido de carbono que provocaram caos climático, exterminando até 60% das espécies marinhas, sobretudo nas águas tropicais rasas ao redor do supercontinente Pangeia.
As chamadas inundações por lavas basálticas, como as armadilhas do Monte Emei, existem em todo o mundo e demonstraram ter ocorrido nas cinco grandes extinções em massa. “É uma correlação direta”, afirma Michael Rampino, geólogo da Universidade de Nova York.
Contudo os geólogos que estudam extinções em massa nem sempre procuraram mantos basálticos deixados pelas inundações de lavas. A partir da década de 1980, depois que Luis e Walter Alvarez levantaram a hipótese de que o impacto de um meteoro exterminou os dinossauros não aviários, equipes de geólogos procuraram, em vão, evidências de impactos de meteoros que pudessem explicar as demais extinções em massa.
Sem obter nenhum resultado, Rampino logo desviou sua atenção para os mantos basálticos, observando que as armadilhas de Deccan na Índia haviam se formado na mesma época do impacto de Chicxulub e da extinção do fim do Cretáceo. O fim do Permiano também foi marcado pelas armadilhas da Sibéria, que foram ainda maiores.
“Parei de me concentrar em impactos e passei ao vulcanismo”, diz ele. Sua pesquisa na última década buscou uma correlação entre os mantos basálticos e as demais grandes extinções em massa, além dos períodos de esgotamento de oxigênio e da acidificação nos oceanos.
O estudo de tais correlações era difícil na década de 1980, quando as tecnologias para datar fósseis e rochas eram pouco confiáveis. Contudo, nos últimos cinco anos, métodos avançados de datação radiométrica vêm fornecendo registros cronológicos para fenômenos geológicos cada vez mais precisos. A datação por zircão com chumbo e urânio substituiu a imprecisa datação por argônio-argônio, e as margens de erro, antes de milhões de anos, passaram a ser de milhares de anos, aumentando expressivamente a exatidão dos dados.
Com essa nova precisão, é possível agora aos geólogos afirmar com confiança que a inundação de lava basáltica do fim do Guadalupiano ocorreu em um intervalo de cem mil anos — um mero instante em termos geológicos — e coincidiu com a crise de extinção documentada nos registros fósseis.
Em um estudo publicado recentemente no periódico Historical Biology, Rampino e Shu-Zhong Shen, coautor do estudo, da Universidade de Nanjing, reuniram os últimos dados sobre as armadilhas do Monte Emei e fizeram uma análise da gravidade ecológica da extinção ocorrida no fim do Guadalupiano em defesa de sua inclusão ao grupo que então seria as Seis Grandes.
As mudanças ocorridas no ecossistema no fim do Guadalupiano foram dramáticas, conta a equipe. Enormes recifes de corais e esponjas que tomavam os mares sofreram um colapso generalizado, juntamente com outros organismos que formavam conchas a partir do carbonato de cálcio, dissolvido na água acidificante. Moluscos gigantes com conchas aladas, cuja aparência lembrava naves alienígenas, desapareceram para sempre e também foram extintas muitas espécies de cefalópodes semelhantes aos moluscos do gênero Nautilus, chamados amonoides.
Os paleontólogos sabem menos ainda sobre as baixas em terra, mas, entre elas, havia um grupo de protomamíferos grandes e de crânio grosso, chamados dinocefálios. Ainda, após a crise, as samambaias sem sementes que predominavam na época foram substituídas por gimnospermas geradoras de sementes, como coníferas e as plantas do gênero Ginkgo.
Alterando o registro
Novos cálculos também esclareceram o momento do primeiro e do último aparecimento de espécies nos registros fósseis gerais. Os pesquisadores citam um estudo de 2016 que alega que, devido à datação precária, muitas espécies extintas no Guadalupiano foram atribuídas equivocadamente ao fim do Permiano, aumentando o registro de extinção desse último período para 95% das espécies marinhas, quando, na verdade, provavelmente estava mais perto de 80%.
Bambach observa que tem dúvidas sobre a avaliação da gravidade ecológica do fim do Guadalupiano realizada como parte do estudo. O nível do mar em todo o mundo atingiu seu ponto mais baixo durante o Guadalupiano e voltou a subir após o evento de extinção, o que fez com que relativamente poucos recifes do Guadalupiano fossem preservados em rochas, onde é possível o acesso pelos paleontólogos.
“Alguns dos desaparecimentos de ecossistemas podem simplesmente ser resultado da deterioração da qualidade — ou da quantidade — dos registros preservados”, diz ele. Uma exceção está na China, onde Shen vem fazendo a datação de fósseis marinhos do período Permiano e refinando o panorama biológico do Guadalupiano.
Ainda assim, em última análise, Bambach concorda com Rampino e Shen que é hora de adicionar o fim do Guadalupiano às Cinco Grandes: “está no mesmo nível das grandes”.