Descoberta nova abordagem sobre catastrófica epidemia conhecida como Peste Negra

Inesperado achado arqueológico em antiga abadia pode revelar como as populações rurais lidaram com os estragos de uma epidemia mortal.

Por Jennifer Pinkowski
Publicado 25 de fev. de 2020, 08:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Quarenta pessoas foram enterradas em uma cova coletiva nos terrenos da Abadia de Thornton, na Inglaterra, ...
Quarenta pessoas foram enterradas em uma cova coletiva nos terrenos da Abadia de Thornton, na Inglaterra, durante o surto da peste, entre 1348-49.

Em 1348, Londres, as pessoas olhavam para a Europa continental com pavor. A Peste Negra vinha do continente sem nenhum aviso, espalhando pânico e deixando um rastro de morte. “A esposa se esquivava do abraço do marido querido, assim como o pai de seu filho, e o irmão de seu próprio irmão”, de acordo com um relato italiano. “Aqueles que enterram, carregam, veem ou tocam quem foi infectado morrem subitamente.”

Da mesma forma que as autoridades de saúde de hoje estão reagindo à disseminação de uma nova cepa do coronavírus, a cidade medieval de Londres se preparou para o impacto da epidemia há mais de 600 anos. Documentos históricos contam que a cidade arrendou terras para cemitérios de emergência, cavando trincheiras extensas para enterros em massa conforme a epidemia avançava.

Enquanto isso, a cerca de 240 quilômetros ao norte de Londres, os residentes rurais do interior do que hoje se conhece como Lincolnshire parecem ter sido pegos de surpresa pelo impacto da Y. pestis. Em vez de enterrar os mortos no cemitério paroquial, como era a tradição, em algum momento do século 14, os moradores locais passaram a enterrar rapidamente dezenas de pessoas ao mesmo tempo em uma cova coletiva nas terras da Abadia de Thornton, que ficava a 1,6 quilômetro de distância do cemitério.

À medida que a peste assolava o interior do país, tudo indica que as vítimas de Lincolnshire acometidas pela doença iam em bando para o hospital na Abadia de Thornton. No local, esperavam para ter uma “boa morte” — que incluía os últimos rituais e enterro em um solo cristão consagrado, garantindo seu lugar na vida após a morte.

“É provável que iam ao hospital para morrer”, explica o arqueólogo Hugh Willmott, da Universidade de Sheffield. “Tratava-se mais do enterro do que da cura ”.

Willmott e seus colegas encontraram evidências raras — e inesperadas — da resposta dos moradores locais à praga de 1348 na fundação da antiga abadia: uma cova coletiva, que guarda os restos mortais de 48 pessoas, as quais parecem terem sido enterradas com poucos dias ou semanas de diferença umas das outras.

 

Residentes do vilarejo carregam os caixões das vítimas da peste nesta representação do surto na Europa em meados do século 14.
Foto de Photo12, Universal Images Group, Getty

Embora metade da população da Inglaterra estivesse morta no final de 1349 (e talvez mais 200 milhões mortos na Eurásia), é de se surpreender que existam poucos sítios arqueológicos associados aos acontecimentos medievais da peste.

Além disso, ainda que poucas covas coletivas tenham sido encontradas na Inglaterra, segundo Willmott, a descoberta da Abadia de Thornton também é significativa por ser a única, até agora, que foi desenterrada em um ambiente rural. Isso é impressionante porque supõe-se que em áreas rurais escassamente povoadas e com muitos terrenos descampados, as pessoas conseguiam enterrar os mortos em sepulturas individuais, e não em enterros em massa. A Abadia de Thornton mostra conclusões diferentes. “Fica evidente que o sistema que normalmente funcionava no manejo dos mortos fracassou”, diz Willmott.

Os pesquisadores documentaram a descoberta feita em um artigo publicado hoje na revista científica Antiquity.

A demografia da devastação

Em 2013, o grupo multidisciplinar de pesquisadores arqueólogos escavou um monte de areia glacial e cascalho no antigo local daquele nobre monastério, que foi fechado em 1539 por Henrique VIII. Uma pesquisa geofísica indicou que ali seriam encontrados os escombros de um edifício. Em vez disso, encontraram corpos — quarenta deles — cada um envolto individualmente, com os braços cruzados na altura da cintura. Embora nenhum objeto tenha sido enterrado juntamente com os restos mortais, os arqueólogos conseguiram identificar uma data de sepultamento em massa na época da peste, com base em dois centavos de prata e dois esqueletos datados por meio de radiocarbono.

A devastação causada pela peste está representada na demografia do túmulo, afirma Willmott. Mais da metade dos enterros corresponde a indivíduos com menos de 17 anos — uma sobre-representação do período em que a mortalidade infantil era alta, mas as crianças mais velhas sobreviviam até a idade adulta.

“O que temos é um perfil de mortalidade catastrófico, no qual basicamente todo mundo morria igualmente”, explica Willmott. “Trata-se de uma espécie de morte generalizada de toda a sociedade.”

O cemitério paroquial local da área — que é usado até hoje — fica a apenas 1,6 quilômetro da abadia, mas na época da epidemia, em meados do século 14, pode ter ficado sobrecarregado pelo número de vítimas. “Suspeito que esses corpos foram enterrados nos arredores da abadia quando o cemitério ficou cheio e, em vez de seguirem os requisitos normais para enterros, embalando corpos em fossos comunais no cemitério, usaram as terras pertencentes à abadia”, diz John Hatcher, historiador da Universidade de Cambridge, que escreveu três livros sobre a praga, mas não participou do estudo atual.

Os dentes de duas crianças presentes na sepultura deram positivo para Y. pestis e o DNA do micróbio foi recuperado de uma delas.

“Ter recuperado o DNA da peste em uma sepultura na Abadia de Thornton é uma descoberta significativa, principalmente por ser a primeira do norte da Inglaterra”, diz Don Walker, osteologista humano sênior do Museu de Arqueologia de Londres (MOLA), que em 2013 desenterrou uma cova coletiva da praga de 1348-49 na Charterhouse Square de Londres durante o projeto de transporte Crossrail. (Walker não fez parte do estudo publicado pela Antiquity). Ele acrescenta que “uma análise mais aprofundada do DNA bacteriano deve contribuir significativamente para trabalhos recentes sobre a evolução e a propagação da praga na Europa durante e após a Peste Negra”.

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