DNA dos cananeus da Bíblia permanece vivo nos árabes e judeus modernos

Estudo de material genético antigo investiga a surpreendente herança genética desse misterioso povo da Idade do Bronze.

Por Andrew Lawler
Publicado 21 de jul. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Tel Megiddo foi uma importante cidade-estado cananeia durante a Idade do Bronze, o período compreendido entre ...

Tel Megiddo foi uma importante cidade-estado cananeia durante a Idade do Bronze, o período compreendido entre 3500 a.C. e 1200 a.C. aproximadamente. Análises de DNA revelam que a população da cidade era composta por imigrantes provenientes da distante Cordilheira do Cáucaso.

Foto de Megiddo Expedition

ELES SÃO MAIS conhecidos como o povo que viveu “em uma terra que jorra leite e mel” até serem vencidos pelos antigos israelitas e desaparecerem da história. Entretanto um relatório científico revela que a herança genética dos cananeus sobrevive em muitos judeus e árabes modernos.

estudo, publicado na revista científica Cell, também mostra que os imigrantes da distante Cordilheira do Cáucaso uniram-se à população indígena formando a singular cultura cananeia que dominou a região entre o Egito e a Mesopotâmia durante a Idade do Bronze, aproximadamente entre 3500 a.C. e 1200 a.C.

A equipe extraiu o DNA antigo dos ossos de 73 indivíduos enterrados ao longo de 1,5 mil anos em cinco sítios arqueológicos cananeus espalhados por Israel e Jordânia. Também foram levados em consideração dados de mais 20 indivíduos de quatro sítios relatados anteriormente.

“Os indivíduos de todos os sítios apresentam um grau de semelhança genética alto”, afirma Liran Carmel, coautor, evolucionista molecular da Universidade Hebraica de Jerusalém. Assim, embora os cananeus tenham vivido em cidades-estados afastadas e nunca tenham se unido em um império, compartilhavam a mesma herança genética e cultura.

Os pesquisadores também compararam o DNA antigo com o das populações modernas e descobriram que a maioria dos grupos árabes e judeus da região tem mais da metade de seu DNA herdado dos cananeus e de outros povos que habitavam o antigo Oriente Próximo: a área que abrange grande parte das regiões atuais de Levante, Cáucaso e Irã.

Um arqueólogo desenterra o crânio de um habitante de Sidon, porto cananeu próspero do passado, localizado na costa do Líbano. Esse indivíduo viveu por volta de 1800 a.C.

Foto de Mahmoud Zayat, AFP, Getty

O estudo — uma colaboração entre o laboratório de Carmel, o laboratório de DNA antigo da Universidade de Harvard, liderado pelo geneticista David Reich, e outros grupos — foi certamente o mais abrangente da região nessa linha de pesquisa. Suas descobertas são as mais atuais de uma série de avanços recentes do nosso conhecimento sobre esse povo misterioso que deixou para trás poucos registros escritos.

Marc Haber, geneticista do Instituto Sanger da organização sem fins lucrativos Wellcome Trust, em Hinxton, Reino Unido, foi co-autor de um estudo sobre cinco cananeus na cidade costeira de Sidon cujos resultados revelaram que os libaneses modernos podem ter mais de 90% de sua genética ligada aos cananeus.

“Ladrões e cananeus”

Enquanto os egípcios construíam as pirâmides e os povos da Mesopotâmia construíam zigurates há cerca de 4,5 mil anos, os cananeus começaram a desenvolver vilas e cidades entre essas grandes potências. Eles surgiram pela primeira vez nos registros históricos por volta de 1800 a.C., quando o rei da cidade-estado de Mari, no leste da Síria atual, queixou-se de “ladrões e cananeus”.

A correspondência diplomática escrita cinco séculos depois menciona vários reis cananeus, que muitas vezes tinham dificuldades para manter a independência do Egito. “A terra de Canaã é sua terra e seus reis são seus servos”, reconheceu um monarca babilônico em uma correspondência ao faraó egípcio Akhenaton.

Os textos bíblicos, escritos muitos séculos depois, insistem que Jeová prometeu a terra de Canaã aos israelitas após sua fuga do Egito. As escrituras judaicas afirmam que os recém-chegados por fim triunfaram, porém as evidências arqueológicas não demonstram uma destruição generalizada das populações cananeias. Pelo contrário, ao que parece, foram gradualmente dominados por invasores que chegaram posteriormente como os filisteus, gregos e romanos.

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    Cerâmica vermelha e preta como a da imagem, datada aproximadamente de 2.500 a.C., foi encontrada na Cordilheira do Cáucaso e em sítios arqueológicos cananeus a sudoeste.

    Foto de David Wengrow

    Os cananeus falavam uma língua semita e há muito se acreditava que eram descendentes de populações primitivas que colonizaram a região milhares de anos antes. Contudo os arqueólogos ficaram intrigados com a cerâmica vermelha e preta descoberta em sítios arqueológicos cananeus, muito semelhante à cerâmica encontrada na Cordilheira do Cáucaso, a mais de 1,2 mil quilômetros a noroeste. Os historiadores também notaram que muitos nomes cananeus derivam do hurriano, uma língua não semita originária do Cáucaso.

    Não se sabe ao certo se a razão disso é o comércio que percorria longas distâncias ou as migrações. O novo estudo demonstra que uma quantidade expressiva de pessoas, e não apenas mercadorias, se movimentava durante os primórdios das cidades e impérios da humanidade. Os genes dos indivíduos cananeus se revelaram uma mescla de povos locais neolíticos e migrantes do Cáucaso, que começaram a chegar à região por volta do início da Idade do Bronze.

    Carmel acrescenta que tudo indica que a migração não se ateve a um único evento e “pode ter ocorrido em várias ondas durante toda a Idade do Bronze”.

    Dois irmãos, um homem e uma mulher, que viveram por volta de 1500 a.C. em Megiddo, no atual norte de Israel, descendiam de uma família que havia migrado do nordeste há relativamente pouco tempo. A equipe também observou que indivíduos de dois locais da costa — Ashkelon, em Israel, e Sidon, no Líbano — apresentam diversidade genética discretamente maior, o que pode ser resultado dos laços comerciais maiores em cidades portuárias do Mediterrâneo do que em assentamentos do interior.

    Localizada no atual norte de Israel, Tel Megiddo também é conhecida por seu nome grego, Armageddon.

    Foto de Greg Girard, Nat Geo Image Collection

    Glenn Schwartz, arqueólogo da Universidade Johns Hopkins, que não participou do estudo, contou que os dados biológicos fornecem informações importantes sobre como os cananeus compartilhavam uma quantidade notável de genes e traços culturais. Haber, da Wellcome Trust, destacou que a quantidade de resultados de DNA é especialmente impressionante diante da dificuldade de extrair amostras de ossos antigos enterrados em um clima tão quente que pode degradar rapidamente materiais genéticos.

    Quem chegou primeiro?

    Políticos israelenses e palestinos afirmam que a região de Israel e os territórios palestinos são o lar ancestral de seu povo e sustentam que o outro grupo chegou tardiamente. “Nós somos os cananeus”, afirmou Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, no ano passado. “Esta terra é do seu povo... que esteve aqui há cinco mil anos.” Por outro lado, Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense, afirmou recentemente que os ancestrais dos palestinos modernos “vieram da península arábica à terra de Israel milhares de anos” depois dos israelitas.

    O novo estudo sugere que, apesar das tumultuadas alterações na região desde a Idade do Bronze, “os atuais habitantes da região são, em grande parte, descendentes de seus antigos habitantes”, conclui Schwartz — embora Carmel acrescente que há indícios de mudanças demográficas posteriores.

    Carmel espera expandir em breve as descobertas com a extração do DNA dos restos mortais daqueles que podem ser identificados como habitantes da Judeia, moabitas, amonitas e outros grupos citados na Bíblia e em outros textos.

    “É possível fazer uma análise distinguindo os ‘cananeus’ dos ‘israelitas’“, acrescenta Mary Ellen Buck, arqueóloga que escreveu um livro sobre os cananeus. “A Bíblia afirma que são grupos distintos e antagônicos, mas há razões para acreditar que estavam intimamente relacionados.”

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