Mais antigo túmulo de bebê humana descoberto na Europa

A descoberta da bebê ‘Neve’, que foi sepultada com menos de 8 meses de vida em uma caverna na Itália, levanta questões importantes sobre o momento na história em que as comunidades antigas passaram a valorizar seus membros mais jovens.

Por Tom Metcalfe
Publicado 9 de jan. de 2022, 07:00 BRT
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Uma equipe de arqueólogos, liderada pelo explorador da National Geographic Jamie Hodgkins, investiga um túmulo de 10 mil anos em uma caverna no noroeste da Itália, no qual foi constatado restos mortais de uma criança. A rara oportunidade de extrair DNA do antigo sítio ajudou os pesquisadores a descobrir que a menina “Neve” foi cuidadosamente enterrada após falecer ainda muito jovem.

Foto de Jamie Hodgkins, PhD, CU Denver

Nova análise de restos mortais de crianças desenterrados em uma caverna italiana revela que pertencem ao mais antigo túmulo de meninas Homo sapiens na Europa. A descoberta ajuda a desvendar questões sobre o status social de meninas em sociedades existentes milhares de anos atrás.

A bebê, que ficou conhecida como “Neve” em homenagem a um rio da região, possuía de 40 a 50 dias de vida quando morreu, há pouco mais de 10 mil anos. Não se sabe o que causou sua morte, e tudo o que resta agora são alguns de seus pequenos ossos e contas de concha de uma mortalha em que ela foi enrolada. As garras de um bufo-real, encontradas próximas ao corpo, parece ter sido depositada no local como um presente.

Os arqueólogos raramente encontram ossos de crianças, especialmente ossos de recém-nascidos, porque geralmente são pequenos e frágeis demais para permanecerem intactos por milênios. É mais comum encontrar restos mortais de adultos, mas o registro arqueológico de túmulos pré-históricos apresenta grandes lacunas que cobrem milhares de anos. E quando túmulos antigos de crianças são encontrados, geralmente é impossível determinar o sexo porque o DNA de seus ossos já se encontra deteriorado.

Os restos mortais de Neve, no entanto, são uma exceção, porque sobreviveram mais de 10 mil anos no solo e ainda continham DNA suficiente para que os cientistas pudessem analisar, explicou a paleoarqueóloga da Universidade do Colorado em Denver, nos Estados Unidos, e Exploradora da National Geographic Jamie Hodgkins, autora principal de um estudo sobre os restos mortais da menina Neve publicado recentemente no periódico Scientific Reports.

“Túmulos que datam desse período — entre cerca de 10 e 11 mil anos atrás — são muito, muito raros”, diz Hodgkins. Poucos restos mortais de humanos tão antigos têm DNA útil para estudo e, além disso, “datam de um período sobre o qual não sabemos quase nada”.

Cerca de 60 contas e pingentes, feitos de conchas do mar, foram encontrados enterrados com Neve.

Foto de Jamie Hodgkins, PhD, CU Denver

O DNA remanescente é importante porque ajudou a determinar que o bebê era uma menina. Os pesquisadores argumentam que os cuidados com o sepultamento confirmam que bebês do sexo feminino, e provavelmente bebês do sexo masculino, já representavam alguma importância social para o grupo; em outras palavras, eles foram considerados membros de sua sociedade no nascimento.

“Isso sugere que a personalidade, ou reconhecimento de indivíduos dentro de uma sociedade, foi passado para mulheres muito jovens”, diz o paleoantropologista da Universidade do Colorado em Denver Caley Orr, coautor do novo estudo e marido de Hodgkins.

Os cientistas ainda não sabem com qual idade os bebês passavam a ser aceitos como indivíduos para a sociedade ou se as meninas recebiam o mesmo tratamento que os meninos. As dúvidas existem, em parte, pela pouca quantidade de escavações de túmulos infantis antigos. Mas o antropólogo Michael Petraglia, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana em Jena, Alemanha, que não esteve envolvido na pesquisa mais recente, mas participou de um estudo sobre a descoberta do túmulo de uma criança Homo sapiens na África, acredita que essa interpretação seja razoável. “Concordo que as evidências indicam que houve igualdade de tratamento entre homens e mulheres”, escreveu ele por e-mail. “Isso é compatível com as sociedades igualitárias de caçadores-coletores [atuais].”

Hodgkins e Orr também apontam para um dos poucos túmulos conhecidos de um bebê da mesma idade de Neve que foi sepultado quase no mesmo período — cerca de 11,5 mil anos atrás — onde atualmente corresponde ao território de Vale Tanana, no Alasca. O DNA antigo confirmou que o bebê também era uma menina; o túmulo apresentava sinais de cuidado e presentes foram deixados no local. “Isso significa que o reconhecimento das crianças como parte da sociedade durante a infância, incluindo as meninas, tem origens mais profundas em uma cultura ancestral comum, ou que surgiu em paralelo em populações quase contemporâneas em todo o planeta”, escreveram os pesquisadores no estudo.

Hodgkins observa que a arqueologia tradicionalmente tem sido vista através de lentes masculinas, e se preocupa com o fato de que muitas histórias sobre mulheres tenham sido ignoradas. “Havia a suposição de que cemitérios decorados eram feitos para os homens, porque estávamos interpretando os descobrimentos através da noção da Europa Ocidental de que os homens têm status e as mulheres não”, diz ela. Mas descobertas arqueológicas recentes indicam que havia mulheres guerreiras vikings na Idade do Ferro, líderes não binários e mulheres governantes na Idade do Bronze. “O que falta na arqueologia é a história feminina”, declara ela.

Por enquanto, o enterro de Neve é o mais antigo enterro de uma menina já encontrado na Europa. Mas Hodgkins não espera que isso mude em pouco tempo: “análises de DNA serão realizadas com mais frequência e encontraremos mais mulheres do passado”, diz ela. Ela também espera que uma maior participação das mulheres na arqueologia traga mudanças. “Se estivermos olhando para o registro arqueológico apenas através de uma lente pessoal estreita, vamos acabar perdendo toda a diversidade que existiu ao longo do tempo.”

A caverna no noroeste da Itália onde foram encontrados os restos mortais de Neve, conhecida como Arma Veirana, tornou-se famosa entre os cientistas que estudam a evolução humana. Escavações que começaram em 2014 revelam que foi ocupada por Neandertais (Homo neanderthalensis) até 44 mil anos atrás, e por humanos modernos (Homo sapiens) há 30 mil anos. Isso significa que os artefatos e os restos mortais na caverna narram o período de transição entre os últimos Neandertais e os primeiros Homo sapiens — um período sobre o qual os cientistas desejam saber mais.

Em 2017, os membros da equipe estavam procurando vestígios de Neandertais em Arma Veirana quando encontraram os primeiros ossos do bebê Homo sapiens. A descoberta foi feita nos últimos dias de trabalho de campo programado para o ano e, portanto, só foi possível completar a escavação do cemitério no ano seguinte. Naquela época, Hodgkins estava grávida de uma menina, o que tornou a escavação especialmente tocante: “eu estava movendo o sedimento com a peneira e encontrei dentes e esses ossinhos da mão”, conta ela. “Foi realmente doloroso descobrir, porque a mão é uma parte essencial do corpo.”

A equipe encontrou mais de 60 contas e pingentes feitos de dois tipos de conchas que parecem ter sido costuradas em uma cobertura — agora desintegrada — que envolveu a criança em seu enterro. Isso indica que alguém do grupo fez uma visita ao litoral, a cerca de 19 quilômetros de distância, em colinas arborizadas, para coletar conchas ou que fizeram negócios com terceiros para obter os itens ornamentais. Vários desses itens possuem extensas marcas de desgaste, e a antropóloga da Universidade Estadual do Arizona, Claudine Gravel-Miguel, coautora do estudo, acredita que podem ter sido enfeites que pertenceram a outros membros do grupo.  

A paleoantropóloga María Martinón-Torres, diretora do Centro Nacional de Pesquisas sobre a Evolução Humana da Espanha (Cenieh, na sigla em espanhol) em Burgos, afirma que o cemitério de Arma Veirana é “um belo exemplo da forma como os humanos interagem com os mortos, uma prática que remonta milhares de anos atrás e pode ser observado tanto em Homo sapiens quanto em Neandertais’.

Martinón-Torres não participou do último estudo, mas liderou a pesquisa sobre a criança Homo sapiens enterrada na África cerca de 78 mil anos atrás — milhares de anos antes de nossa espécie chegar à Europa.

Ela concorda que a descoberta na caverna de Arma Veirana reforça a ideia de que bebês humanos já eram considerados membros de suas sociedades desde o nascimento. “Desde os primeiros períodos dos Homo sapiens e Neandertais, temos evidências de que as crianças possuíam esse status”, escreveu Martinón-Torres em um e-mail. “Os primeiros túmulos documentados na África... continham crianças e um definitivo cuidado à maneira como seus corpos foram enterrados.”

Parece que as mortes “antes do tempo” como as de crianças podem desencadear sentimentos intensos nos hominídeos e em alguns primatas, acrescenta Martinón-Torres. “Isso é observado nos tempos modernos, mas também pode ser observado no luto dos chimpanzés por seus bebês mortos.”

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