Conheça o audacioso plano de mapear todos os recifes de corais do mundo a partir do espaço

Para construir o inovador sistema de monitoramento, pesquisadores atravessaram momentos de dificuldade — inclusive o falecimento de dois dos fundadores do projeto.

Por Michael Greshko
Publicado 4 de nov. de 2018, 11:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Vista aérea da Grande Barreira de Corais, Austrália.
Vista aérea da Grande Barreira de Corais, Austrália.
Foto de Frans Lanting

Recifes de corais são as florestas tropicais do oceano. Eles são sinalizadores da biodiversidade que abrigam um quarto de todas as espécies marinhas e proporcionam alimento e meios de vida a mais de meio bilhão de pessoas no mundo todo.

Mas, agora, esses refúgios aquáticos enfrentam ameaças contra sua própria existência: pesca predatória, desenvolvimento costeiro e estresse térmico causados pelas mudanças climáticas. Se as ações dos seres humanos continuarem a aquecer a Terra mais 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, recifes de corais, na forma em que os conhecemos, podem desaparecer quase que por completo. Como os recifes enfrentam essa crise iminente, houve um aumento da necessidade de monitorá-los. Mas os pesquisadores de corais encaram um enorme problema: Eles não sabem, exatamente, onde estão todos os recifes do planeta, e apenas uma pequena fração deles é ativamente monitorada.

Como os conservacionistas podem proteger o que não conseguem localizar?

Agora, os pesquisadores estão utilizando dados da Planet Labs, que opera a maior frota do mundo de satélites de observação da Terra, para desenvolvimento do primeiro mapa de alta resolução global de todos os recifes de corais — um projeto chamado Allen Coral Atlas.

Concebido há pouco mais de um ano, o atlas está sendo desenvolvido com urgência. Na última segunda-feira (29/10), na conferência Our Ocean, em Bali, Indonésia, a equipe por trás do atlas revelou um mosaico fotográfico global dos recifes de corais da Terra, com resolução de cerca de 144 pixels por polegada—muito mais detalhado que os mapas de corais globais existentes. Eles também divulgaram os primeiros mapas detalhados de cinco recifes de corais, nos quais estão testando processos automatizados para a classificação das imagens por satélite.

A meta é que, em algum momento do ano que vem, os algoritmos da equipe sejam capazes de identificar e mapear regiões inteiras de recifes de maneira muito mais rápida e precisa do que já foi possível. E, até o final de 2020, os pesquisadores esperam ter todos os recifes de corais mapeados em detalhes, o que proporcionaria um parâmetro para monitorar branqueamentos e outras mudanças a curto prazo.

A equipe dos sonhos dos corais

O projeto adquiriu um novo significado desde as recentes mortes de suas duas forças condutoras: o cofundador da Microsoft e filantropo Paul Allen, que financiou a criação do projeto, e a diretora do Instituto de Biologia Marinha do Havaí, Ruth Gates, uma das principais cientistas dos projetos. Allen faleceu repentinamente em 15 de outubro, de linfoma não-Hodgkin, e Gates faleceu em 26 de outubro, de câncer no cérebro.

“Ruth Gates foi uma das vozes mais visionárias, apaixonadas e comprometidas do mundo no que diz respeito à ciência, conservação e recifes de corais,” afirma Andrew Zolli, vice-presidente de iniciativas de impacto global na Planet Labs, por e-mail. “A presença de espírito dela animou nosso trabalho colaborativo desde o início... Mesmo de luto, somos movidos pelo seu bom exemplo e sua impetuosa presteza, e nos comprometemos ainda mais em concretizar a visão que ela tinha”.

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    O mesmo vale para o Allen. “Tem sido muito difícil, mas o que importa é como conduziremos a missão que Paul definiu para nós”, diz Lauren Kickham, diretora sênior do programa da Vulcan, a empresa que supervisiona os negócios e empreendimentos filantrópicos de Allen.

    Tecnólogo experiente e um filantropo apaixonado, ‘agir rápido e consertar as coisas’ poderia ter sido seu mantra. Com frequência, Allen pedia que sua equipe atingisse metas grandiosas, implacáveis, guiadas pelo impacto, como contar cada elefante na savana africana ou rastrear a pesca ilegal a partir do espaço.

    Allen—um ávido mergulhador—já vinha financiando a pesquisa de corais, mas a preocupação aumentou em 2017, quando descobriu que, em seus locais favoritos de mergulho, os recifes haviam adoecido e se branqueado. “Ele lamentava que alguns dos recifes que viu não estavam bem. E então ele olhou para mim e disse algo engraçado, como: 'Na verdade, seu trabalho deveria ser salvar todos os recifes de corais do mundo,'” diz Art Min, vice-presidente de impacto da Vulcan. “E eu fiquei, tipo, 'OK, desafio aceito!'”

    Gates, cuja pesquisa foi financiada por Allen, ajudou a reunir o ‘conselho de gênios’ do projeto. No verão de 2017, Gates conheceu Zolli. Eles perceberam que conheciam os mesmos pesquisadores do Instituto Carnegie e os convidaram para participar do projeto. Rapidamente, a Universidade de Queensland também entrou no projeto.

    “Parece até que o universo queria que isso acontecesse,” conta Zolli, um explorador emergente da National Geographic. “De repente, tínhamos o necessário para formar uma equipe dos sonhos.”

    Colocando os recifes em foco

    O audacioso plano de mapeamento da equipe começa com os mais de 150 satélites de observação da Terra da Planet Labs, a maior frota desse tipo já enviada para o espaço. A maioria desses pequenos satélites orbita ao redor dos polos do planeta. Como a Terra gira abaixo deles, a frota age como um escâner, capturando imagens da superfície do planeta, faixa a faixa. Todos os dias, eles fotografam toda a superfície da Terra em detalhes incríveis, com apenas 144 polegadas por pixel.

    Para deixar as imagens brutas da Planet Labs mais adequadas para o mapeamento de corais, o Allen Coral Atlas trouxe o ecologista Greg Asner do Instituto Carnegie de Ciências. Durante meses, a equipe de Asner trabalhou com a Planet Labs para retirar, por meio de computador, elementos visuais das imagens que obscurecessem os recifes: atmosfera, nuvens, reflexo do sol no mar e a água do mar em si. A equipe de Asner também precisou se certificar de que quando cada um dos satélites da Planet Labs passasse sobre o mesmo recife de corais, todos eles obtivessem as mesmas medições—uma calibração essencial e difícil.

    “Em um de nossos locais de teste, passaram 132 satélites diferentes da Planet, e me ocorreu o seguinte: “Meu deus! Como fazer 132 satélites diferentes de comportarem?” relembra Asner.

    Assim que a equipe de Asner e da Planet Labs limparam as imagens, eles enviaram as fotografias para a Universidade de Queensland. Lá, uma equipe liderada por Stuart Phinn e Chris Roelfsema utiliza algoritmos para classificar cada pixel de cada imagem como coral, pedra, alga, areia ou outros materiais. Phinn observa que o monitoramento dos oceanos por satélite está décadas atrás do monitoramento por terra, sendo que a enorme rede de satélites necessária para esse projeto de mapeamento só começou a operar recentemente. “É impressionante que agora podemos fazer isso,” diz Phinn.

    Vista aérea de um recife de corais em Belize.
    Vista aérea de um recife de corais em Belize.
    Courtesy of Planet Labs, Inc.

    Até o momento, a equipe de Phinn e Roelfsema mapeou cinco recifes de teste ao redor do mundo. Agora, a equipe precisa verificar esses mapeamentos em campo. Eles também estão trabalhando com grupos de conservação local para ter certeza de que o Allen Coral Atlas será útil para o trabalho deles.

    Veja, por exemplo, a Blue Resources Trust, uma organização sem fins lucrativos de conservação marinha do Sri Lanka. Nishan Perera, cofundador da organização, diz que os novos dados poderiam ajudar o Sri Lanka a criar áreas de proteção marinha e a conduzir pesquisas de recifes com melhor direcionamento. “O Coral Atlas realmente leva as coisas para outro nível,” afirma Perera. “Ajuda a direcionar o trabalho e a maximizar os recursos”.

    Gates foi inicialmente designada para liderar essa tentativa de verificação e divulgação, mas, em junho de 2018, ela contou aos colegas que foi diagnosticada com câncer. Gates pediu a sua amiga e colega de trabalho, Helen Fox, diretora sênior na National Geographic Society, que se envolvesse e ajudasse. As duas tinham uma relação próxima desde 2003, quando se conheceram no Instituto de Biologia Marinha do Havaí.

    “Ela costumava dizer, 'Se não estiver se divertindo, então por que fazer?', e isso, para mim, é incrível, considerando o legado profissional que ela deixou por ter alertado sobre a assustadora situação dos recifes de corais,” conta Fox em um e-mail. “Espero que o Allen Coral Atlas prospere e atinja seu potencial para aprimorar o controle e as políticas para ajudar a salvar os recifes de corais. Não há maneira melhor de honrar o incrível legado da Dra. Ruth Gates”.

    Um sistema de alarme para os corais

    Assim que o Allen Coral Atlas tiver mapeado os recifes da Terra, sua meta será monitorar esses recifes quanto a ocorrências de mudanças a curto prazo, servindo como um sistema de alarme global para os corais.

    A ideia é escanear as imagens da Planet Labs quanto a alterações repentinas de brilho nos pixels que correspondam a recifes de corais vivos. Se um trecho de corais clarear rapidamente, o coral pode ter branqueado, ou talvez pescas com explosivo tenha despedaçado um recife e exposto os esqueletos brancos dos corais. Se os corais escurecerem rapidamente, pode ser sinal de crescimento de algas sobre os corais ou florescimento nas águas próximas.

    Asner, o ecologista da Carnegie, diz que como mundo está em uma corrida para reduzir a pegada de carbono, o Allen Coral Atlas poderia ajudar a encontrar trechos de corais que sejam naturalmente resistentes às dificuldades decorrentes das mudanças climáticas: “Esses são essenciais, não apenas porque estão vivos agora, mas porque serão a futura base genética do que irá sobreviver em mares cada vez mais quentes.” O projeto poderia incentivar esforços para encontrar “super corais” naturalmente resilientes, um foco importante da pesquisa de Gates.

    Enquanto isso, a equipe segue em frente, estimulada tanto pela sombria contagem regressiva das mudanças climáticas quanto pelo ímpeto de honrar os legados de Paul Allen e Ruth Gates.

    “Ruth e eu compartilhávamos de uma profunda admiração por recifes de corais e fizemos um pacto de unir nossos mundos científicos para intensificar a tentativa de salvá-los,” conta Asner, em um e-mail. “Nós ríamos muito juntas. Vou sentir falta dela.”

    “É um impressionante grupo de indivíduos e instituições... e isso me traz muita esperança,” acrescenta Kickham, diretora do programa da Vulcan. “Contamos com todas as ferramentas necessárias para tornar isso possível. Então, vamos lá.”

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