Terremoto na Turquia durou 50 dias, mas ninguém sentiu os tremores

"É possível chamá-los de tremores-fantasma", afirma geóloga sobre o fenômeno tectônico conhecido como evento de movimentação lenta.

Por Robin George Andrews
Publicado 21 de fev. de 2019, 20:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O nascer do sol lança uma luz rosada sobre a Mesquita de Ortakoy, em Istambul, Turquia. ...
O nascer do sol lança uma luz rosada sobre a Mesquita de Ortakoy, em Istambul, Turquia. Poços no Mar de Mármara revelaram o último evento de movimentação lenta sob a Turquia.
Foto de Robert Harding Picture Library

No verão de 2016, um grande terremoto atingiu o noroeste da Turquia. O evento não é tão incomum considerando que a região está localizada sobre uma cadeia ramificada de falhas geológicas altamente ativa com histórico de tremores poderosos.

O estranho sobre esse terremoto específico é que ele durou 50 dias, mas ninguém o sentiu.

De acordo com um novo estudo publicado na revista científica Earth and Planetary Science Letters, o tremor foi um tipo bastante peculiar de terremoto, conhecido como evento de movimentação lenta. Diferentemente de terremotos "comuns", que rompem a crosta terrestre com um golpe repentino, eventos de movimentação lenta envolvem movimentos muito graduais ao longo da falha geológica. Eles não liberam ondas sísmicas devastadoras, como normalmente esperado, e isso significa que não produzem tremores.

"É possível chamá-los de tremores-fantasma", afirma a líder do estudo, Patricia Martínez-Garzón, pesquisadora geomecânica do GFZ German Research Centre for Geosciences, em Potsdam. Então, o que exatamente são eventos de movimentação lenta e o que eles significam em termos de perigos gerais apresentados pelos terremotos? Temos as respostas.

Um espectro de falhas inquietas

Eventos de movimentação lenta foram descobertos na Zona de Subducção da Cascádia no noroeste do Pacífico nos EUA, no início da década de 2000, logo antes de serem identificados nas zonas de subducção da Nova Zelândia, afirma Rebecca Bell, professora sênior que estuda evolução tectônica na Imperial College em Londres.

Antes da virada do milênio, o consenso entre os geólogos era de que as falhas geológicas poderiam se romper de duas principais formas. Em um extremo da escala, é possível ver falhas imóveis, que podem ficar presas por centenas de milhares de anos antes de liberarem energia repentinamente causando grandes tremores. No outro, é possível ver falhas que se movimentam de forma bastante passiva, mais lentamente do que o ritmo de crescimento de uma unha.

"Os eventos de movimentação lenta nos fizeram perceber que, entre os dois extremos do espectro, há uma grande variedade em termos de movimentação das falhas", diz Bell. Essas raridades liberam energia compatível com a energia de um terremoto grande e repentino, mas acontecem ao longo de um período de tempo tão extenso que a energia nunca gera nenhum tremor na superfície. Se grandes terremotos podem ser comparados a explosões de barris de pólvora, os eventos de movimentação lenta são mais como velas em que o pavio queima lentamente.

Esse ritmo lento não pode ser subestimado. A odisseia do terremoto turco que durou 50 dias pode parecer lenta, mas não é tão incomum, afirma Lucile Bruhat, pesquisadora e física especializada em terremotos da Ecole Normale Supérieure em Paris.

De acordo com as informações que ela possui, o evento de movimentação lenta mais longo já registrado ocorreu no Alasca, e produziu um evento de magnitude 7,8 que demorou pelo menos nove anos para terminar. Esse evento demorou tanto que até ele terminar os pesquisadores acreditavam que a movimentação gradual da falha geológica era simplesmente o padrão da região.

Caçando fantasmas tectônicos

Essa lentidão significa que, a menos que alguém esteja procurando por eles, os eventos de movimentação lenta podem facilmente passar despercebidos. E tem mais: devido à falta de ondas sísmicas, os eventos não podem ser detectados com sismógrafos. Geólogos observaram tremores de movimentação lenta pela primeira vez com base em dados de estações de GPS, que registram alterações no formato da superfície da Terra.

No novo artigo, Martínez-Garzón e sua equipe detectaram o evento ocorrido na Turquia utilizando poços perfurados no Mar de Mármara. Foram utilizados medidores de deformação dentro dos poços para medir a lenta deformação das rochas ao redor. Às vezes, tremores muito pequenos ao longo da falha também podem acompanhar um evento de movimentação lenta conforme ele ocorre.

"Uma boa analogia é quando alguém anda sobre um piso de madeira no andar de cima", afirma Bruhat. "Não podemos ver a pessoa, mas conseguimos acompanhar o movimento dela com base nos estalos da madeira". Assim que os cientistas descobriram o que deveriam procurar, encontraram eventos de movimentação lenta próximo a zonas de subducção em todo o mundo.

"Eventos de movimentação lenta são muito comuns e, na maior parte do tempo, inofensivos", explica Bruhat.

Na Cascádia, por exemplo, eventos de movimentação lenta registrados como tremores de magnitude 6,0 podem durar duas ou três semanas e podem ser repetir a cada 15 meses em média. Há até mesmo um site que informa quando um evento está em curso. Eventos de magnitude semelhante acontecem em intervalos de cinco a nove meses na zona de subducção do sul de Ryukyu no Japão.

Na Nova Zelândia, há dois locais em que eventos de movimentação lenta costumam ocorrer. Um está localizado sob a capital do país, Wellington, e envolve eventos correspondentes a tremores de magnitude 7,0. Mas, devido ao fato de ocorrerem a cada 12 ou 18 meses a uma profundidade considerável, os habitantes da cidade não sentem nada.

O outro local fica na região nordeste da Ilha Norte do país. Esses eventos de movimentação lenta menos profundos possuem magnitude semelhante, mas são bem mais estranhos. Aqui, eles se repetem a cada 18 meses a 2 anos, impreterivelmente, e "é quase possível prever quando o próximo ocorrerá", afirma Bell. Isso dá aos geocientistas uma oportunidade rara de instalar instrumentos no momento certo para detectá-los.

Sob pressão

Detectar eventos de movimentação lenta representa apenas uma peça do quebra-cabeça. O fato de eles serem considerados raros demonstra o pouco que realmente sabemos sobre esses fenômenos. Descobrir o que desencadeia eventos de movimentação lenta é uma prioridade para caçadores de tremores-fantasma.

Mas, até agora, "a origem e a natureza dos terremotos lentos são um enigma", afirma Masayuki Kano, professor assistente de geofísica da Tohoku University.

Há uma possibilidade de eventos de movimentação lenta serem causados por propriedades mecânicas estranhas dos materiais das falhas que simplesmente ainda não são conhecidos. Também é possível que as falhas de movimentação lenta estejam sob uma pressão de fluido mais alta, o que significa que são mais bem lubrificadas e conseguem se movimentar em um ritmo gradual. Experimentos em laboratório que simulam essas condições parecem respaldar essa ideia, mas ainda não está claro se isso ocorre em maior escala no mundo real.

Trabalhos em campo cada vez mais elaborados podem ajudar a montar o quebra-cabeça. A equipe de Martínez-Garzón já instalou diversos outros medidores de deformação na região da Turquia que circunda o Mar de Mármara. Bell e colegas estão enterrando sismógrafos em partes da zona de subducção de Hikurangi na Nova Zelândia para revelar as propriedades das falhas que se movem lentamente. O International Ocean Discovery Program também perfurou uma zona de subducção no local para coletar amostras dos sedimentos envolvidos nesses eventos de movimentação lenta e também envia ondas sísmicas pela região para mapear as redes de falhas existentes no local.

Esses esforços multidisciplinares são vitais para desvendar os segredos dos eventos de movimentação lenta, afirma Kano, e também podem nos ajudar a entender melhor os terremotos mais destrutivos.

Dançando nas profundezas

Já é possível presumir que grandes tremores podem iniciar eventos de movimentação lenta. Um tremor normal de magnitude 4,4 ocorreu no Mar de Mármara logo antes do início do evento de movimentação lenta em 2016. E após o terremoto de 2016 em Kaikoura na Nova Zelândia, um evento de movimentação lenta foi detectado em toda a região. Esses tipos de eventos indicam uma interação entre processos sísmicos e não sísmicos, afirma Martínez-Garzón.

"Entretanto seria possível que eventos de movimentação lenta desencadeassem terremotos grandes?" Bell se pergunta. "Essa é a grande questão e ainda não temos a resposta".

Isso certamente é importante para o Mar de Mármara. Essa região já sofreu alguns terremotos verdadeiramente devastadores, incluindo o terremoto de Izmit de 1999 que matou 17 mil pessoas. Embora cautelosa, Martínez-Garzón suspeita que os eventos de movimentação lenta possam estar pressionando outras falhas mais perigosas.

Os eventos de movimentação lenta também podem ser a chave para prever desastres futuros. Logo antes do terrível terremoto de Tōhoku de magnitude 9 no Japão em 2011, eventos de movimentação lenta já estavam ocorrendo, mas é difícil dizer se isso foi uma ocorrência ou não, afirma Bell.

Se for confirmado que eventos de movimentação lenta ocorrem antes de grandes eventos, o potencial de prever terremotos e salvar vidas é enorme.

"Contudo por enquanto", afirma Bruhat, "não sabemos como distinguir um evento de movimentação lenta extremamente raro capaz de dar início a um grande terremoto de um evento inofensivo".

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