O lado oculto do carvão: cinzas tóxicas contaminam água e pessoas

Trabalhadores responsáveis pela limpeza de um grande derramamento de cinzas de carvão no EUA em 2008 ainda sofrem as consequências — inclusive perdendo a vida. País possui 1,4 mil aterros.

Por Joel K. Bourne, Jr.
fotos de Maddie Mcgarvey
Publicado 5 de abr. de 2019, 07:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Quando um dique de uma lagoa de cinzas de carvão se rompeu na Usina de Combustíveis Fósseis de Kingston, na cidade de Kingston, estado do Tennessee, em dezembro de 2008, as cinzas derramadas foram bem mais tóxicas do que o óleo derramado da plataforma Deepwater Horizon. As cinzas atingiram casas e poluíram o Rio Emory.
Foto de Dot Griffith

Em 22 de dezembro de 2018, dez anos após o rompimento de uma contenção em uma usina de energia da Tennessee Valley Authority próximo a Kingston, Tennessee, que resultou no derramamento de mais de 3,7 bilhões de litros de cinzas de carvão tóxicas no Rio Emory, a TVA publicou um anúncio de página inteira no jornal local parabenizando a si mesma e as empresas contratadas pelo sucesso do trabalho de limpeza. Naquele mesmo dia, cerca de 150 dos trabalhadores que realmente estiveram envolvidos na limpeza do derramamento se reuniram no local, que atualmente é um parque com trilhas, acesso para barcos e campos esportivos. Vestindo calças jeans e botas, e reunidos próximo a uma cruz de madeira, eles homenagearam um outro aspecto da limpeza: os 36 colegas de trabalho que morreram de câncer no cérebro, câncer no pulmão, leucemia e outras doenças.

Alguns dos sobreviventes andavam com bengalas. A maioria apresentava bolhas na pele causadas pelo arsênico. Quase todos carregaram inaladores em seus bolsos. O anúncio publicado pela TVA não mencionava esses trabalhadores.

Mais de 900 trabalhadores limparam o derramamento das cinzas de carvão na usina de Kingston, que é operada pela Tennessee Valley Authority; mais de 200 processaram a Jacobs Engineering, a empresa contratada para realizar a limpeza. Doug Bledsoe é um deles: ele foi recentemente diagnosticado com câncer no cérebro e no pulmão, logo após sua mulher ter lutado contra o câncer de mama.
Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic
Frankie Norris mostra as feridas que ainda tem e que apareceram logo após ele ter começado a trabalhar nas operações de limpeza há uma década. Ele e outros trabalhadores dizem que lhes foi negado o uso de equipamentos de proteção, até mesmo de simples máscaras faciais.
Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

Mais de 200 pessoas envolvidas na limpeza e seus familiares estão processando a principal empresa contratada pela TVA, a Jacobs Engineering, por se recusar a fornecer equipamentos de proteção e por ter debilitado os trabalhadores e, em alguns casos, causado doenças mortais. Em novembro passado, eles ganharam a primeira fase do processo: um juiz federal entendeu que a Jacobs deixou de proteger os trabalhadores e que a exposição às cinzas de carvão foi responsável pelas doenças apresentadas.

Ao passo que o mundo dirige sua atenção às emissões de dióxido de carbono provenientes da queima do carvão, uma das principais causas das mudanças climáticas, o derramamento de Kingston e suas consequências trazem à tona um problema bem mais urgente: o que fazer com as milhões de toneladas de cinzas de carvão acumuladas nos 1,4 mil aterros e lagoas não impermeabilizados ao redor dos EUA. A maior parte desses locais está localizada próximo a lagos ou rios ou acima de aquíferos de água doce que abastecem as comunidades da região.

O episódio envolvendo 4,1 milhões de metros cúbicos de sedimento responsáveis por romper uma barragem de cerca de 17 metros em Kingston representa o maior derramamento industrial da história do país, com magnitude quase dez vezes maior do que o derramamento de óleo na plataforma Deepwater Horizon dois anos depois no Golfo do México. A onda de cinzas úmidas atingiu cerca de 300 acres ao redor da usina e dezenas de casas na pequena comunidade de Swan Pond, antes de transformar boa parte dos Rios Emory, Clinch e Tennessee, bem como partes da Represa Watts Bar, em um grande depósito de líquido acinzentado.

A Usina de Combustíveis Fósseis de Kingston da TVA, construída em 1955, foi a maior usina termoelétrica a carvão do mundo por mais de uma década, e ainda queima 14 mil toneladas de carvão pulverizado, ou o equivalente à carga de 140 vagões por dia. Cerca de 10% do carvão, a parte não combustível, se tornam cinzas — cinzas volantes finas que se acumulam nos filtros das chaminés e cinzas de fundo mais grossas, bem como resíduos das caldeiras que são removidos das fornalhas da usina. As cinzas constituem uma combinação de argila, quartzo e outros minerais fundidos, pelo calor do fogo, em minúsculos grânulos parecidos com vidro.

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    Os sobreviventes se reuniram para homenagear os 36 colegas de trabalho que morreram de câncer e outras doenças. Os trabalhadores envolvidos na limpeza foram cronicamente expostos a finas partículas de cinzas de carvão no ar que continham metais pesados tóxicos.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    Porém, elas também concentram dezenas de metais pesados naturalmente presentes, incluindo carcinógenos e toxinas conhecidos, como arsênico, cádmio, chumbo, vanádio, crômio, bem como urânio radioativo e radônio. Esses metais são as principais ameaças à saúde encontradas nas cinzas de carvão. Até mesmo sem nenhum derramamento catastrófico, essas substâncias podem sofrer lixiviação e contaminar águas subterrâneas. Ligados a finas partículas da cinza, os metais pesados podem estar presentes no ar, entrando na pele e nas narinas.

    Algumas partículas de cinza de carvão são tão finas — menos de 2,5 micra de diâmetro, equivalente ao diâmetro de um fio de cabelo humano dividido por 30 — que podem ser totalmente aspiradas pelos pulmões e se tornarem um perigo à saúde, até mesmo sem nenhuma substância tóxica. O PM 2,5, como algumas dessas partículas são conhecidas, também pode ser encontrado em neblina com fumaça, fumaça e produto do escapamento de automóveis, e são conhecidas por causar diversas doenças respiratórias e cardiovasculares, além de representarem causa significativa de mortalidade global.

    Sessenta e três anos após sua abertura e dez anos após o desastroso derramamento, a Usina de Combustíveis Fósseis de Kingston ainda queima 14 mil toneladas de carvão por dia e produz cerca de 1,4 mil toneladas de cinzas de carvão.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    "A TVA deu ao meu marido uma sentença de morte", diz Janie Clark, cujo marido Ansol Clark foi responsável por construir a cruz da cerimônia de homenagem no último mês de dezembro. "Eles lhe causaram uma doença sanguínea incurável e destruíram seu coração. Esse estado e esse país carregam esse segredo obscuro, as cinzas de carvão, por muito tempo. Ele precisa ser revelado".

    Seguro como areia?

    Há tempos, as empresas de energia afirmam que as cinzas de carvão são seguras como areia (que é composta em sua maior parte de dióxido de silicone com partículas bem mais grossas do que as das cinzas) e que as concentrações de traços de toxinas não são muito mais altas do que os níveis naturais encontrados no solo.

    "No seu quintal, é possível que você tenha de 20 a 50 partes por milhão (ppm) de arsênico, dependendo de onde você mora", afirma John Kammeyer, vice-presidente de projetos civis na TVA, que ficou à cargo dos trabalhos de limpeza. "Você não come a sujeira do seu quintal pelo fato de ela possuir arsênico. Os padrões para água potável são de cerca de 10 ppm. Nas cinzas de carvão de Kingston, são 70 ppm, mas não há evidências de que parte delas tenha contaminado a água potável. O Oak Ridge National Laboratory, a EPA e Vanderbilt testaram as aves e peixes para verificar a existência de qualquer impacto. Eles concluíram que não prejudicamos ninguém".

    Ansol Clark foi um dos primeiros a chegar ao local em 22 de dezembro de 2008. Ele sofre de insuficiência cardíaca congestiva e tem um tipo raro de câncer que pode ter sido causado pela radiação das cinzas, que contêm urânio e radônio.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    Entretanto os trabalhadores envolvidos na limpeza de Kingston foram fortemente expostos a cinzas no ar. Mais de 900 pessoas trabalharam no local entre 2008 e 2015, operando dragas gigantes, pás carregadeiras, escavadeiras e outros equipamentos para remover as cinzas do rio, secá-las em canteiros e enviá-las em vagões a um aterro impermeabilizado próximo a Uniontown, no estado de Alabama.

    Ansol Clark foi um dos primeiros a chegar no local em 22 de dezembro de 2008. Motorista profissional de caminhão, 57 anos de idade, ele havia acabado de receber um atestado de saúde do médico do Ministério do Transporte. Durante os cinco anos seguintes, ele trabalhou como motorista de caminhão-tanque no local, chegando a cumprir 15 horas por dia, normalmente sete dias por semana, mantendo todos os veículos e máquinas funcionando.

    Após dois anos, ele começou a apresentar problemas respiratórios, coriza e tosse. Posteriormente, passou a sentir episódios de mal-estar. Um dia, acordou para ir ao trabalho e desmaiou no chão do quarto.

    Os médicos disseram que ele tinha arritmia, que seu coração não estava recebendo oxigênio suficiente. Eles lhes prescreveram um remédio e ele voltou ao trabalho. Então, começou a apresentar episódios de desmaio. No fim, foi diagnosticado com insuficiência cardíaca congestiva. Alguns meses após ter precisado pedir demissão, ele sofreu um grave derrame. Ele se recuperou, mas foi diagnosticado com policitemia vera, um tipo raro de câncer no sangue. Os médicos disseram que provavelmente a doença tenha sido causada por radiação proveniente das cinzas.

    Tommy Johnson, visto aqui com sua esposa Betty em sua casa em Knoxville, foi outra vítima. Ele sofre de tosse crônica e falta de ar.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    "Depois que a Jacobs assumiu [o processo de limpeza] após três meses, eles começaram a nos dizer que tudo era seguro", conta Clark, que agora está com 67 anos. "E trabalhamos em meio a um nevoeiro azul por meses. Quando começamos a formar pilhas de cinzas e o pó começou a se espalhar, eles disseram que era pólen. Tome alguma coisa para alergia e você ficará bem em uma semana. Eles diziam que poderíamos ingerir um quilo de cinzas por dia que não seria prejudicial".

    Muitos dos colegas de trabalho de Clark tiveram experiências semelhantes. Frankie Norris, de Albany, Kentucky, tinha 47 anos quando começou a operar escavadeiras, pá carregadeiras e caminhões-tanque no local. Após seis meses, ele começou a ter problemas para usar o banheiro. Sua pressão sanguínea foi às alturas e ele teve feridas de queimadura na pele. Após quatro anos, ele foi demitido devido às suas doenças. Em 2016, ele teve perfuração do cólon, tendo ficado na UTI por 19 dias, onde quase morreu.

    "Foi o pó? Com certeza sim", afirma Norris. "Toda vez que freávamos as máquinas, uma nuvem de pó se formava bem na nossa frente. Eu ficava constantemente coberto de pó por 10 a 12 horas por dia. Eu e outros trabalhadores solicitamos máscara respiratória. Eles disseram que não iriam fornecer. O cara da segurança nos disse que seríamos despedidos apenas por solicitar uma".

    Norris diz que pensou em pedir demissão, mas ele tinha uma esposa e três filhos para sustentar. O país estava passando pela pior fase da recessão e os trabalhos de limpeza pagavam mais de US$20 por hora. Havia gente fazendo fila por essa vaga.

    "Eu precisava do emprego", conta Norris. "Eu queria poder pagar a escola dos meus filhos. Mas não esperava que a TVA fosse nos matar".

    Esquecidos

    A TVA, uma agência federal, não está atualmente envolvida nos processos instaurados pelos trabalhadores contra a Jacobs Engineering, embora possa ter alguma responsabilidade pelas custas legais de sua contratada, de acordo com seu próprio relatório anual de 2018. Durante o julgamento, diversos epidemiologistas confirmaram os impactos à saúde dos componentes das cinzas de carvão. De acordo com Barry Levy da Tufts University, especialista em saúde ambiental, apenas seis das toxinas presentes nas cinzas de carvão de Kingston — partículas finas, arsênico, cádmio, crômio, chumbo, vanádio e materiais radioativos naturalmente presentes — poderiam causar muitas das doenças apresentadas pelo trabalhador.

    Em sua casa em Powell, Tennessee, Doug Bledsoe, que sofre de câncer no cérebro e no pulmão, segura uma sacola com seus medicamentos.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    "Está bem estabelecido que essas substâncias perigosas causam um grande número de efeitos adversos à saúde do homem", escreveu Levy em seu relatório, "incluindo câncer, distúrbios respiratórios, distúrbios neurológicos e diversas outras doenças".

    Apenas o arsênico, por exemplo, demonstrou causar câncer de pulmão, câncer na bexiga e câncer de pele, entre muitas outras doenças apresentadas pelos trabalhadores envolvidos na limpeza. A combinação de toxinas também pode ser mais perigosa do que as substâncias isoladas, de acordo com Levy. Há mais de 20 toxinas nas cinzas de carvão de Kingston.

    Documentos do processo demonstram que a TVA e a Jacobs solicitaram à EPA que reduzisse os padrões de segurança ocupacional; uma gravação oculta feita pelos trabalhadores demonstra os representantes da empresa violando monitores pessoais de ar e equipamentos de teste. Todas essas evidências sugerem que a TVA e a Jacobs tentaram ocultar os perigos das cinzas de carvão, afirma Jamie Satterfield, jornalista investigativa do Knoxville News-Sentinel que cobriu extensivamente a matéria ao longo dos anos. O motivo, afirma ela, era convencer o público de que as cinzas de carvão não eram uma ameaça.

    "Foi uma estratégia de relações públicas", afirma Satterfield. "O público ficou muito irritado. Houve muitas reuniões e os pais perguntavam 'Os meus filhos estão em perigo?'. A TVA emitiu uma ordem clara à Jacobs: primeiro, não deveria haver nenhuma cinza de carvão em nenhum caminhão ou maquinário que deixasse o local; então eles construíram uma espécie de lava-rápido de um milhão de dólares. Segundo, ninguém deveria usar respiradores ou vestimentas de proteção Tyvek. O gerente da Jacobs disse às pessoas para nem mesmo usarem máscaras faciais.

    Jeff Brewer próximo à usina de Kingston no décimo aniversário do derramamento. Como muitos trabalhadores envolvidos na limpeza, ele possui diversos problemas de saúde, que tiveram início quando começou a trabalhar com cinzas de carvão todos os dias. "E eles nos disserem que não era prejudicial", afirma ele.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    "Esses trabalhadores são honestos e dedicados", diz Satterfield, que entrevistou centenas deles. "Eles não sabiam nada sobre os perigos. Após o derramamento, todos correram ao local, senadores, grupos ambientalistas, todos preocupados com o impacto na comunidade, e essas pessoas viram os trabalhadores de perto, que usavam camisetas, não tinham nenhum equipamento de proteção e estavam trabalhando com cinzas de carvão todos os dias. Ninguém prestou atenção neles".

    Nem os oficiais da TVA, tampouco os funcionários da Jacobs comentam sobre os processos em andamento, embora, no tribunal, a Jacobs tenha negado qualquer irregularidade. Kammeyer da TVA também negou quaisquer tentativas planejadas para ocultar os perigos das cinzas de carvão. "Não tenho conhecimento de nenhuma campanha [de relações públicas]", afirma ele. "Meus engenheiros colocaram câmeras para monitorar o ar e garantir que estávamos atendendo as normas de qualidade do ar, mantendo o pó em níveis reduzidos. Então, sei que fizemos tudo certo".

    A TVA se recusou em liberar quaisquer imagens gravadas do local onde os serviços de limpeza eram realizados, embora ativistas ambientais locais tenham gravado um vídeo de pelo menos uma grande tempestade de pó durante a limpeza em 2009. O próprio inspetor geral independente da TVA, Richard Moore, criticou a agência por evitar transparência e responsabilidade como parte de sua estratégia jurídica após o derramamento. Além disso, em um relatório de 111 páginas sobre a causa do derramamento emitido em 2009, Moore criticou a agência por "práticas irresponsáveis relacionadas ao manejo de cinzas de carvão" que levaram a diversos vazamentos e fissuras nas lagoas de cinzas da agência em 1980.

    Um gigantesco problema nacional

    A TVA não é a única com problemas envolvendo cinzas. Em fevereiro de 2014, uma galeria pluvial em uma lagoa de cinzas ativa há 50 anos, de propriedade da Duke Energy, desmoronou próximo à cidade de Eden, Carolina do Norte, despejando 39 mil toneladas de cinzas e 102 mil litros de água poluída no Rio Dan. Apenas uma fração das cinzas foi recuperada e foram detectados contaminantes 112 quilômetros rio abaixo. No ano passado, o Furacão Florence inundou duas outras lagoas de cinzas da Duke Energy na região leste do estado da Carolina do Norte, resultando em despejos semelhantes.

    Uma cruz de madeira no local do derramamento de Kingston homenageia os trabalhadores envolvidos na limpeza que adoeceram e morreram.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    Por sorte, esses desastres são raros, mas pesquisadores afirmam que o maior problema é a onipresença das cinzas de carvão ao redor dos Estados Unidos. Embora sua participação no mix de combustíveis esteja diminuindo, o carvão ainda gera quase 30% da eletricidade dos Estados Unidos, gerando mais de 100 milhões de toneladas de cinzas todos os anos — a maior fonte de resíduos industriais sólidos do país. Há mais de mil aterros ativos de cinzas de carvão nos Estados Unidos e centenas de locais de descarte já fechados. A maioria são grandes valas no chão que não são impermeabilizadas.

    Quase 60% das cinzas de carvão são recicladas, de acordo com a Associação Norte-Americana de Cinzas de Carvão (ACAA), gerando cerca de US$23 bilhões em receita todos os anos para as empresas de energia. A maior parte é destinada à indústria do concreto e cimento, mas as cinzas também são utilizadas em leitos rodoviários, como preenchimento sob a fundação de casas e campos de golfe, e até mesmo como forma de controle da neve ou fertilizante agrícola.

    Após o derramamento de Kingston, grupos ambientais defendem que as cinzas de carvão sejam regulamentadas como resíduos perigosos. Mas as empresas de energia e a ACAA fazem pressão contra, argumentando que isso prejudicaria o mercado de reciclagem e geraria ainda mais cinzas de carvão. Em vez disso, a EPA aprovou seu primeiro regulamento sobre o armazenamento de cinzas de carvão, exigindo que todo novo aterro de cinzas seja impermeabilizado (embora aterros não impermeabilizados ainda possam ser utilizados) e que as empresas testem a água subterrânea ao redor das lagoas de cinzas.

    Angie Shelton em sua casa em Decatur, Tennessee, em 22 de dezembro de 2018, no décimo aniversário do derramamento das cinzas de carvão. O marido de Shelton trabalhou na limpeza e posteriormente faleceu de câncer.
    Foto de Maddie Mcgarvey, National Geographic

    Os dados gerados pela indústria foram divulgados em março passado: eles revelaram contaminação das águas subterrâneas em 95% dos locais testados. As empresas de energia são obrigadas a realizar novos testes, limpar a contaminação e até mesmo fechar o local de descarte se os problemas persistirem. O governo Trump está agora tentando reverter esses regulamentos, pois os considera muito pesados, permitindo que estados parem de monitorar as águas subterrâneas, além de dispensarem outras exigências.

    "Não se trata de apenas uma toxina", afirma Avner Vengosh, geoquímico da Duke University que estudou os derramamentos de Kingston e do Rio Dan. "É um coquetel de arsênico, cobre, chumbo, selênio, tálio, antimônio e outros metais em níveis mais altos do que os encontrados no estado natural. As pessoas acham que as cinzas de carvão não serão um problema porque as empresas de energia estão passando a utilizar gás natural, que é uma fonte de energia mais limpa. Mas o legado da produção e do descarte das cinzas de carvão ficará conosco por décadas. Esses contaminantes não são biodegradáveis".

    Para Jeff Brewer, 44 anos, de New Market, Tennessee, ele e seus colegas de trabalho envolvidos na limpeza das cinzas de carvão foram apenas cobaias descartáveis. Quando começou a trabalhar na limpeza de Kingston, ele era um homem saudável com um pouco mais de 30 anos de idade e, após 4 anos no local, ele já precisava tomar dois remédios para pressão sanguínea, um para retenção de líquidos e um inalador de esteroide; ele também recebia uma injeção de testosterona a cada quinze dias. Ele foi diagnosticado com disfunção hepática e doença pulmonar obstrutiva. Em intervalo de minutos, ele é acometido por um acesso de tosse.

    "É como se a vida estivesse sendo sugada de você", diz Brewer. "Se eu soubesse o que sei hoje, teria ido catar latas na beira da estrada. Mas eu tinha uma esposa e três filhas e precisava sustentá-las. Além disso, eles nos disserem que não era prejudicial. Que poderíamos ingerir um quilo de cinzas por dia".

    Ao passo que a exposição dos trabalhadores de Kingston tenha sido extrema, eles foram como canários em uma mina de carvão. Até todas as lagoas e aterros de cinzas serem limpos, e pararmos de queimar carvão, o risco ao fornecimento de água potável nos Estados Unidos continua existente. A próxima fase do julgamento de Kingston, na qual cada trabalhador tentará comprovar que suas doenças foram causadas pela exposição às cinzas de carvão, começará ainda este ano.

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