Por que transportar seu próprio garfo e colher ajudaria a amenizar a crise do plástico

Descartamos bilhões de utensílios todos os anos e muitos deles acabam na natureza. O movimento de talheres BYO (sigla para “traga o seu próprio” em inglês) poderia atenuar o problema.

Por Tik Root
Publicado 5 de jul. de 2019, 10:22 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Tornar os utensílios de plástico brilhantes também contribuiu para torná-los muito populares, dizem os historiadores.
Image by Hannah Whitaker, National Geographic

TALHERES DE PLÁSTICO estão por toda parte e a maioria deles só pode ser utilizada uma vez. Bilhões de garfos, facas e colheres são jogados fora todos os anos. Mas, assim como os demais objetos de plástico (como sacolas e garrafas), os talheres podem levar séculos para se decompor naturalmente, o que faz com que o lixo plástico tenha tempo de sobra para chegar à natureza.

A organização Ocean Conservancy relaciona os talheres como os objetos “mais letais” para tartarugas marinhas, aves e mamíferos, além disso, a adoção de alternativas se revelou particularmente difícil, embora não seja impossível.

Uma solução lógica é levar seus próprios talheres, mas é provável que você atraia alguns olhares. Por séculos, entretanto, era falta de etiqueta não levar seus talheres.

“Era costume andar com um pequeno estojo de transporte com sua própria faca e colher”, afirma Sarah Coffin, curadora da exposição Feeding Desire: Design and the Tools of the Table, 1500-2005 (“Alimentando o Desejo: Design e Utensílios de Mesa de 1500 a 2005”, em tradução livre) de 2006, realizada no museu do design Cooper Hewitt em Nova York.

Transportar os próprios utensílios para alimentação não era apenas uma necessidade logística — já que nenhum talher era fornecido normalmente — mas também ajudava a evitar doenças. “Se você traz os próprios talheres, não precisa se preocupar com os germes dos outros em sua sopa”, explica Coffin. Os utensílios trazidos ainda eram uma espécie de símbolo de status, “semelhante a um relógio de bolso, de certa forma”, prossegue ela.

Como muitos objetos de plástico, os talheres geralmente acabam na natureza, trazendo riscos aos animais e podendo levar centenas de anos para serem decompostos.
Foto de Hannah Whitaker, National Geographic

Os talheres das massas eram geralmente feitos de madeira, pedra ou conchas. Peças mais ornamentadas eram feitas de ouro ou marfim e até eram dobráveis para maior praticidade durante o transporte. No início dos anos 1900, o elegante aço inoxidável resistente à ferrugem entrou em cena. Na Segunda Guerra Mundial, um material ainda mais novo passou a ser utilizado para a produção de talheres: o plástico.

‘Reis do descartável’

Originalmente, os talheres de plástico eram considerados reutilizáveis. Chris Witmore, professor de arqueologia e estudos clássicos da Universidade de Tecnologia do Texas, recorda-se de sua avó lavando talheres de plástico. Contudo, com o desenvolvimento econômico do pós-guerra, desapareceram os hábitos frugais introduzidos com a Grande Depressão Econômica dos Estados Unidos e a sociedade agrária.

Whitmore afirma que “após meados do século 20, a grande abundância passou a definir o modo de vida da maioria da população”, o que promoveu a “cultura do descarte”.

“Os norte-americanos eram os reis do descartável”, conta Coffin. Entre outras invenções estava a colher e garfo de plástico dois em um, que a The Van Brode Milling Company patenteou em 1970. Contudo Coffin afirma que a afinidade francesa com piqueniques também ajudou a estimular a explosão do uso único.

O projetista Jean-Pierre Vitrac, por exemplo, inventou a bandeja de piquenique de plástico com garfo, colher, faca e copo embutidos. Você destacava esses utensílios para usar e simplesmente jogava tudo fora depois. Os conjuntos vinham em várias cores fortes, o que também ajudou a popularizar esses plásticos, segundo Coffin.

Essa união entre cultura e praticidade levou empresas como a Sodexo, empresa francesa que é uma das maiores fornecedoras de alimentos do mundo, a recorrer ao plástico. “A praticidade fez todo esse descarte se tornar parte de nosso cotidiano”, explica Judy Panayos, diretora sênior de sustentabilidade no gerenciamento de abastecimento da Sodexo.

Atualmente, a empresa compra 44 milhões de utensílios descartáveis por mês somente nos Estados Unidos. Globalmente, talheres de plástico formam um negócio de US$ 2,6 bilhões.

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    Mas a praticidade tem um custo. Como muitos objetos de plástico, os utensílios geralmente vão parar na natureza. Segundo os dados de limpeza de praias compilados pela organização sem fins lucrativos 5Gyres, talheres constituem o sétimo objeto de plástico mais coletado.

    “Artigos descartáveis de alimentos e bebidas estão no topo da lista”, afirma Anna Cummins, diretora executiva da 5Gyres, destacando intencionalmente toda a categoria.

    Ela argumenta que o enfoque recente de ambientalistas em artigos individuais — sejam sacolas, canudos ou outros objetos — não está dando certo e que o setor precisa de uma abordagem mais holística. “O enfoque em produtos únicos, embora importante, não tem magnitude suficiente para alcançar a extensão necessária.”

    Reduzindo o lixo

    Em janeiro, um avião da Hi Fly decolou de Lisboa com destino ao Brasil. Como nas demais viagens da companhia aérea portuguesa, os comissários de bordo serviram bebidas, alimentos e lanches, mas com uma diferença: de acordo com a companhia aérea, esse foi o primeiro voo de passageiros do mundo completamente livre de plásticos de uso único.

    A Hi Fly utilizou diversos materiais substitutos, do papel a produtos descartáveis vegetais. Os talheres eram feitos de bambu reutilizável, que a companhia aérea planeja levar a suas instalações de refeições e lavar — até 100 vezes.

    A companhia aérea declarou que o voo foi a primeira etapa rumo à eliminação de todos os plásticos de uso único até o fim de 2019. Outras companhias seguiram o exemplo; companhias aéreas da Etiópia homenagearam o Dia da Terra, em abril, com seu próprio voo livre de plásticos.

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    Os talheres fazem parte do movimento maior contra os plásticos. Em 2016, a França foi o primeiro país a banir utensílios plásticos. Pessoas em todo o mundo estão experimentando alternativas ao plástico, como amido de batata, folhas de areca e talheres comestíveis à base de grãos.

    As vendas desses substitutos do plástico permanecem relativamente baixas, geralmente em razão dos maiores custos e benefícios ambientais por vezes questionáveis. Os chamados bioplásticos alternativos, por exemplo, feitos de materiais vegetais, podem demandar condições específicas para sua decomposição, e até mesmo sua produção requer energia e água. No entanto a procura por eles e por outras formas de talheres biodegradáveis está crescendo.

    Um novo olhar sobre o uso único

    Diversas empresas estão criando utensílios feitos de materiais vegetais, como a madeira. Algumas delas adquirem materiais de árvores de rápido crescimento como a bétula ou bambu; a marca canadense Aspenware emprega excedentes de madeira da indústria madeireira em seus utensílios.

    Um exemplo é a linha de talheres descartáveis de madeira chamada Clickeat, um kit de utensílios achatados (vem com um garfo, uma faca e uma colher opcional) ligados pelo cabo para serem destacados em instrumentos individuais e que podem ser descartados após o uso.

    “É compostável e biodegradável”, afirma Steven Adler, o fundador.

    Adler percebeu pela primeira vez a dimensão do problema do lixo plástico cerca de 10 anos atrás, ao surfar com um amigo no Chile. A praia estava repleta de lixo plástico. Alarmado, Adler começou a conversar com outras pessoas sobre como resolver a questão.

    “Todos falavam sobre sacolas e garrafas plásticas, mas ninguém mencionava os talheres”, lembra ele. Decidido a encontrar uma alternativa, ele fundou sua empresa, a Simplo.

    Embora Adler considere a linha Clickeat preferível às diversas opções disponíveis — sobretudo aos bioplásticos — ele reitera que não está tentando impedir que sejam encontradas mais soluções, como transportar os próprios talheres; ele deseja apenas oferecer alternativas melhores.

    “Nosso objetivo não é substituir peças reutilizáveis”, afirmou. “Estamos tentando redefinir o conceito de uso único.”

    Na China, os ambientalistas fizeram campanhas para que as pessoas levassem seus próprios pauzinhos de alimentação. O mercado online Etsy possui uma seção inteira dedicada a talheres reutilizáveis. E, ao que parece, o movimento de talheres BYO está em plena ascensão.

    “Levo sempre na mochila”, afirma Panayos a respeito de seus talheres reutilizáveis.

    A Sodexo se comprometeu de uma forma mais ampla a reduzir paulatinamente sacolas plásticas e recipientes de alimentos feitos de espuma de poliestireno para uso único, além de oferecer canudos apenas “mediante solicitação”.

    Contudo Panayos afirma que a substituição de utensílios plásticos permanece uma tarefa particularmente complexa em larga escala. Os pontos mais problemáticos são a limitada capacidade de instalações para lavar a louça e locais como prisões, onde são necessárias opções mais maleáveis e menos perigosas.

    Chris Whitmore, o professor da Universidade de Tecnologia do Texas, afirma: “quando os plásticos estiverem por toda parte e forem ingeridos por todos os animais, a única opção será a redução."

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