Expedição científica registra fauna de uma das regiões mais biodiversas da Amazônia

Cientistas visitam o Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, para avaliar a saúde das populações de espécies animais, 30 anos depois da fundação da reserva, hoje ameaçada por projeto de construção de estrada.

Por Adele Santelli
Publicado 4 de jun. de 2020, 21:50 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Vista aérea de trecho do rio Moa, no Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre. ...

Vista aérea de trecho do rio Moa, no Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre. A unidade de conservação é o quarto maior parque nacional do Brasil e uma das regiões mais biodiversas da Amazônia.

Foto de Hugo C M Costa

Oito horas de barco pelo rio Moa separam a cidade de Mâncio Lima –o último trecho urbano antes da entrada do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) – da pequena pousada que serviu como base para 16 pesquisadores em biodiversidade, de diferentes instituições brasileiras.

A maior empreitada científica ao local aconteceu em dezembro de 2019, ano em que o parque completou 30 anos. O grupo, organizado pelo professor da Universidade de Helsinque e pesquisador do Museu de História Natural da Finlândia Alexandre Aleixo, passou 12 dias embrenhado na mata atrás de vestígios e exemplares de espécies da região.

Estudiosos de diversos grupos taxonômicos – aves, répteis e anfíbios, mamíferos de médio e grande porte, incluindo primatas – percorreram horas de trilhas pelo PNSD, a cada dia. Munidos de armadilhas, baldes, câmeras, gravadores e outros equipamentos, coletaram amostras e informações sobre a biodiversidade do local. Grande parte do material recolhido ainda está sob análise em laboratórios do país, alimentando descobertas em diversos campos.

“O nosso trabalho é muito parecido com o censo do IBGE, mas é feito em unidades de conservação. Já havia estudos prévios, que deram base para o plano de manejo do parque, um documento já consolidado há muito tempo”, me explica Aleixo, em entrevista por telefone. “Então, a ideia foi fazer um novo censo e ver como estavam as espécies em termos populacionais e se houve alguma mudança na composição, se algumas não estavam mais presentes ou se outras entraram na área.”

Fernanda Werneck, bióloga pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ficou responsável pela equipe especializada em anfíbios e répteis. “Quando fazemos expedição de inventário, a gente quer caracterizar a biodiversidade da região estudada. Então, estamos atrás de todas as espécies. Não é só ir lá ver”, diz Werneck. “Precisamos ter o material testemunho nas coleções científicas por uma série de razões, a primeira delas é porque a taxonomia muda ao longo do tempo, estamos coletando espécies novas. Temos registros que acreditamos que sejam espécies não descritas ou novas no Brasil.”

O trabalho envolve uma catalogação complexa. “A gente coleta tanto o indivíduo quanto dados ecológicos associados, que compõem a informação. E também amostras do patrimônio genético. Até para saber se é uma nova espécie porque têm algumas muito parecidas”, detalha Raíssa Rainha, bióloga e mestranda em ecologia pelo Inpa.

Da pousada do Miro, na comunidade Pé de Serra, já dentro do parque, os pesquisadores dividiram-se em três grupos que subiriam o rio por mais duas horas até chegarem a três diferentes acampamentos em plena floresta tropical. Nas tendas, redes para dormir, cozinha e laboratório para o material biológico.

“Todos nós da equipe fizemos um pouco de tudo. A gente ia pra coleta de manhã, checava os baldes, se tinha bicho, se não tinha. À noite, íamos pra coleta ativa. À tarde, a gente geralmente fazia a triagem dos bichos, coletava os dados de tecidos e genéticos, fazia todas as medidas morfológicas”, conta Rainha. “Eram umas 15 horas de trabalho por dia. Bichos têm biologias diferentes. Tem os que saem nas horas mais quentes. Outros preferem lugares sombreados... então você tem que ir atrás de acordo com cada espécie.”

Pesquisador segue de barco para uma das trilhas selecionadas para a amostragem de espécies. O meio de transporte mais confiável são os barcos – o parque é acessível por uma estrada de terra que fica submersa a maior parte do ano. 

Foto de Hugo C M Costa

O inventário de primatas e outros mamíferos terrestres de médio e grande porte ficou a cargo de Hugo Cardoso de Moura Costa, biólogo doutorando pela Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA), e pesquisador do Instituto Juruá. “A rotina basicamente era sair bem cedo, por volta de seis da manhã para pegar o dia amanhecendo e percorrer as trilhas fazendo o censo”, diz ele. “Esse método, que chama transecção linear, é usado para o inventário de mamíferos e primatas. Basicamente, é caminhar por essas trilhas devagarinho registrando as espécies que encontrar. A gente chegava a caminhar dez, 12 quilômetros todos os dias.”

O esforço foi recompensado. Hugo considera a expedição ao PNSD um sucesso. Ele conta que, só na região norte do parque, onde foi feito o levantamento dos pesquisadores, sabe-se da ocorrência de 14 espécies de primatas. “A gente conseguiu registrar todas elas. Além disso, durante o censo e nas armadilhas fotográficas, conseguimos os registros de onças-pintadas, antas, cachorro-do-mato-vinagre e cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas, todas ameaçadas de extinção.”

Foram 30 armadilhas só para os grupos de espécies estudadas por Hugo. Divididas ao longo das trilhas definidas para as amostragens, os equipamentos foram deixados por cerca de 40 dias nos locais, muito além do tempo de duração da expedição. “Essas armadilhas são muito importantes porque funcionam 24h por dia, e a gente consegue registrar as espécies mais difíceis de observar e as mais noturnas; as onças, os felinos de menor porte, os canídeos e várias outras”, conta o biólogo.

A expedição científica foi resultado de uma iniciativa do ICMBio que levantou recursos financeiros para viabilizar a ida dos pesquisadores, a fim de atualizar os inventários de espécies. Os recursos foram obtidos pelo Áreas Protegidas da Amazônia, o maior programa de conservação de florestas tropicais do mundo, que conta com doações internacionais, geridas pelo Fundo Brasileiro para Biodiversidade.  

Parte 1.

Foto de Hugo C M Costa

Parte 2.

Foto de Hugo C M Costa

Parte 3. A Serra do Divisor é chamada assim porque divide as águas que caem sobre ela. De um lado, as chuvas abastecem a bacia do Médio Vale do Rio Ucayali, na porção peruana, e, do outro lado, a bacia do Alto Vale do Rio Juruá, no Brasil.

Foto de Hugo C M Costa

As reservas apoiadas pelo programa são beneficiadas, por exemplo, com equipamentos de combate à incêndios florestais, veículos, imóveis, obras e contratação de serviços necessários para a manutenção e funcionamento.

O engenheiro florestal Aécio Silva dos Santos, então gestor do Parque Nacional da Serra do Divisor e atual Chefe do Núcleo de Gestão Integrada do ICMBio, foi peça-chave para que a expedição se tornasse realidade. O dinheiro destinado ao parque não incluía verba para pesquisas e ele articulou o remanejamento do recurso, que aconteceu excepcionalmente para marcar os 30 anos do parque. Quando recebeu a aprovação, partiu para os preparativos. Era preciso definir logística, estadias, montagem de acampamentos e compra de material de pesquisa.

“Foi uma tentativa de consolidar o PNSD. A categoria ‘parque’ é para pesquisa, turismo e educação ambiental”, disse Silva dos Santos. “Então, a gente pensou: vamos fortalecer a pesquisa no parque e divulgar o nome. A ideia era: se a gente conseguir identificar espécies novas, isso irá potencializar a unidade.”

Moradores locais foram envolvidos no transporte dos pesquisadores, gerando renda. Por ser uma área protegida restrita, as famílias deveriam ter sido realocadas quando da criação do parque, mas vivem lá até hoje, com poucas oportunidades. Cozinheira, guias e pessoal que ajudava na limpeza fizeram parte da equipe que acompanhou os pesquisadores.

Uma das regiões mais biodiversas do mundo

O Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, faz fronteira com o Peru e foi criado em 1989. Está a 700 km da capital Rio Branco, e é acessível por uma estrada de terra, a BR-364, que fica intransitável durante boa parte do ano. Outra opção é ir de avião até a cidade de Cruzeiro do Sul e pegar um barco que leva dois dias para chegar.

Nome científico: 'Teratohyla midas'

Nome comum: perereca

Foto de Felipe Camurugi

Com uma área de 837.555 hectares de floresta amazônica, é a segunda maior unidade de conservação federal do estado, atrás somente da Reserva Extrativista (Resex), Chico Mendes, que tem 970.570 hectares. Trata-se do quarto maior parque nacional do Brasil e se estende por cinco municípios. O local é tão importante que o Peru criou sua própria porção de área protegida, com o mesmo nome.

O PNSD não é familiar para muitos brasileiros, mas tem importância crucial. Ganhou o nome porque divide as águas da bacia hidrográfica do Médio Vale do Rio Ucayali, na porção peruana, e do Alto Vale do Rio Juruá, no Brasil. Lá vivem mais de 1,2 mil espécies conhecidas, e provavelmente um outro tanto ainda não descoberto pelos cientistas. Entre elas, várias ameaçadas de extinção de acordo com a classificação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – algumas emblemáticas, como a onça-pintada, a anta e o tamanduá-bandeira. Outras, tão importantes quanto, mas menos conhecidas, incluem o macaco uacari-vermelho, o jacaré-tinga, o boto-vermelho, o mico-do-cheiro e o macaco-cara-de-sola. Primatas, aliás, são presença constante no parque.

“Para se ter uma ideia, a região do PNSD é a mais rica em espécies de primatas de toda a Amazônia brasileira”, conta o biólogo Hugo Costa. “O PNSD é muito importante porque é a única unidade de proteção integral que está nessa região andina, sob forte influência da Cordilheira dos Andes. Além disso, existe um gradiente longitudinal de diversidade na Amazônia. Quanto mais a oeste se vai, mais espécies e mais grupos taxonômicos diferentes consegue-se encontrar, justamente por causa da influência dos Andes na produtividade primária dos rios.”

No primeiro inventário da região, realizado na década de 1990, foram registradas 1.233 espécies animais, entre elas, 43 mamíferos, mais de 100 anfíbios, 30 répteis, 14 primatas, 55 morcegos, 400 aranhas e insetos, 64 abelhas, além de quase 500 aves. Entre elas, a choca-do-acre, só conhecida ali.

Nome científico: 'Cacajao calvus'

Nome comum: Uacari, também conhecido como cacajau, acari, guacari e macaco-inglês.

Foto de Thiago Gomide

“É o parque que tem as maiores listagens de aves, por exemplo. É um lugar realmente especial em termos de número de espécies e por alguns endemismos”, conta Alexandre Aleixo, o organizador da expedição. “A choca-do-acre foi descoberta ali por ocasião da realização dos trabalhos do plano de manejo. É uma situação muito rara num trabalho desses, encontrar uma espécie nova de ave, mas aconteceu, lá nos anos 1990. Então, uma das ideias foi prestar atenção especial nela, já que não ocorre em nenhum outro lugar.”

As espécies vegetais completam o cenário. Um paraíso para os estudiosos e um tesouro natural de valor inestimável para o país.

Mais de 30 pesquisadores em campo

No mesmo período, outra expedição, essa sob coordenação do pesquisador Carlos Peres, professor de ecologia visitante na Universidade Federal da Paraíba e pesquisador da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, também esteve no parque levando mais de 20 pesquisadores, que lá permaneceram por 17 dias. Ao todo, foram mais de 35 pesquisadores em campo ao mesmo tempo, em um esforço conjunto nunca visto na região.

O segundo grupo a chegar ao PNSD faz parte de um ambicioso projeto que prevê 25 a 30 expedições, financiadas pelo Conselho de Pesquisa da Noruega. Até o momento, foram realizadas três. Para os próximos três anos, estão previstas ao menos outras 21. 

Nome científico: 'Bothrops brazili' 

Nome comum: Jararaca

Foto de Tomaz Melo

“Estamos fazendo esta série sem precedentes de inventário quantitativo da biodiversidade da Amazônia, estendendo para toda a Amazônia brasileira para entender as distribuições geográficas de diferentes grupos taxonômicos”, diz Peres. “Tem muita variação de área para área. As parcelas permanentes que temos dados de longo prazo da dinâmica florestal estão em áreas mais perturbadas. Agora estamos indo para áreas bem remotas. A biodiversidade amazônica é muito mal compreendida.”

De acordo com Peres, a ideia é mapear as espécies e entender a taxa de rotatividade, à medida em que se vai de uma bacia a outra na Amazônia. “Isso é importante porque ainda tem muita gente que considera a Amazônia uma grande floresta uniforme. Ela não é uniforme. Inclusive na composição de espécies.”

Proteção ameaçada

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi instituído no Brasil pela Lei nº 9.985/2000, que regula a governança ambiental das áreas protegidas em todo o território nacional, prevendo regras gerais de gestão, regime jurídico de uso, modalidades de conservação e outros. O sistema estabelece 12 tipos de unidade de conservação (UC's), divididas em dois grupos: proteção integral e uso sustentável. A principal diferença entre as modalidades está no tipo de uso permitido dos recursos naturais.

De acordo com o SNUC, a área do PNSD, por ser um parque nacional, está submetida a um regime de proteção integral e, portanto, são admitidos somente preservação de ecossistemas, pesquisa científica, educação ambiental, recreação e turismo ecológico. As rígidas restrições tornam essas reservas as mais preservadas do país. Por causa da relevância para a manutenção da biodiversidade e outros serviços ecossistêmicos, o SNUC estabelece, expressamente, que o nível de proteção pode ser aumentado, mas não reduzido. Ou seja, uma área de proteção ambiental (APA), por exemplo, poderia ser transformada em um parque nacional, mas não o contrário.

Nome científico: 'Bucco tamatia'

Nome comum: Rapazinho-carijó

Foto de Tomaz Melo

“A alteração da modalidade e dos limites de uma unidade de conservação é um ponto bastante sensível em termos jurídicos e objeto de judicialização intensa pelos Ministérios Públicos”, explica Carolina Côrrea Moro, pesquisadora e advogada especialista em direito socioambiental e áreas protegidas. “No caso do PNSD, a alteração da modalidade pode ser interpretada como diminuição da proteção do meio ambiente, de modo que só poderá ser efetivada por meio de lei específica”.

Ciente disso, a deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC) apresentou o projeto de lei (PL) 6024/19, que pretende transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor em uma APA. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, o objetivo seria construir uma estrada de 220 km que corta o parque e liga as cidades de Cruzeiro do Sul, no Acre, a Pucallpa, no Peru, encurtando, assim, o acesso ao Oceano Pacífico e facilitando o escoamento da produção agrícola.

O projeto espera pela designação de um relator na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia do Congresso Nacional, mas um estudo de viabilidade técnica da estrada foi determinado pelo Ministro da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, ainda em 2019.

Para Carlos Peres, não se trata de uma obra simples de ser executada. “Tem uma coisa em relação a estrada que foi mal pensada [...]. É uma história mal contada”, comenta o professor. “Não é possível fazer um túnel para atingir o Pacífico com a soja e a carne bovina. Os caminhões terão de subir e descer os Andes do outro lado. Não é uma coisa fácil, apesar da distância linear parecer perto, vai ter de se atravessar aquela enorme barreira geográfica.”

Outro ponto levantado pelo PL é a regularização da situação das cerca de 400 famílias que vivem no PNSD. “Com a criação do [parque nacional], veio a iniciativa de se fazer um projeto de assentamento florestal para que as famílias pudessem ser realocadas, o que não ocorreu como planejado. Com isso, algumas delas desistiram de sair da área do parque. O ICMBio vem trabalhando para atender esse lado social”, explica Silva dos Santos.

A advogada Carolina aponta para alternativas como o envolvimento das famílias em atividades da própria gestão do parque e o investimento no turismo de base comunitária. “É importante refletir sobre esse PL de recategorização do PNSD à luz do processo histórico de construção do SNUC e das lutas dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. Vale pontuar que as modalidades de [unidade de conservação] de uso sustentável são fruto de mobilizações de movimentos sociais, em especial, o liderado pelo seringueiro Chico Mendes, no estado do Acre, para criação de um modelo de uso e ocupação do solo mais coerente com a realidade brasileira”, diz ela. “É fundamental uma análise específica e crítica do PL em curso, identificando as reais agendas que o subsidiam, sob pena de confundir uma luta histórica e legítima desses povos, com agendas desenvolvimentistas e neoliberais.”

Para ela, a alteração de modalidade representa uma sensível mudança dos objetivos da UC, visto que um parque nacional tem como meta principal a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica, enquanto uma APA visa proteger a diversidade biológica, mas também organizar a ocupação humana e o uso dos recursos naturais.

“A alteração para Área de Proteção Ambiental (APA) pode representar uma diminuição da conservação ambiental, visto que as restrições de uso em uma APA não são dadas a priori pelo SNUC, mas serão objeto de disciplina específica em seu plano de manejo”, afirma.

Pesquisadores e ambientalistas temem que, caso aprovado, o PL estimule desmatamento e grilagem de terras. “Eu sou da opinião que rede de unidade de conservação a gente não diminui, a gente expande – é nossa responsabilidade ambiental e social como brasileiros em um país que ainda tem grandes remanescente florestais no atual cenário de perda de habitat e mudanças climáticas. Parque nacional é a categoria mais preciosa do SNUC”, avalia a bióloga Fernanda Werneck.

Para Aleixo, a abertura de estradas e o consequente aumento de desmatamento compõem um ciclo já conhecido na Amazônia que prevê a maximização de lucros num curto prazo em detrimento da floresta. O pesquisador lembra ainda a importância da Amazônia no combate às mudanças climáticas. “O grande valor das UCs da Amazônia é a capacidade da floresta primária – aquela que ainda não foi alterada – de tirar carbono da atmosfera, que é enorme”, explica o professor. “Muito maior do que a de uma floresta que já foi mexida ou de um capoeirão largado depois que a área foi usada para pasto ou soja. O que o Brasil está fazendo é, de uma maneira sistemática, acabando com as suas reservas de sequestro de carbono, que são, na minha visão, os grandes recursos que o país deve ter ao longo desse século.”

Outro problema, segundo Carlos Peres, é o dano causado a imagem do Brasil no exterior, que pode, inclusive, causar prejuízos ao agronegócio. “Estamos, aos poucos, implodindo com as nossas áreas de proteção ambiental. Inclusive as terras indígenas e as unidades de proteção contempladas na lei do SNUC”, diz ele. “É extremamente míope essa visão porque a reputação internacional do Brasil vai ficar cada vez mais comprometida.”

Além de abrir a Serra do Divisor para propriedades privadas e atividades como a criação de gado, o PL também prevê a redução da Resex Chico Mendes. Na prática, o projeto regularizaria a situação de invasores de terra dentro da reserva.

Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o sistema de satélites Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, registrou 9.762 km2 de área desmatada na Amazônia, quase 30% a mais que no período anterior. O maior foco de destruição do Acre se deu justamente na Resex Chico Mendes, uma unidade de conservação sem proteção integral que viveu uma explosão de desmatamento, registrando aumento de 203% em relação a 2018.

Não por acaso, APAs configuram as UCs mais desmatadas da Amazônia. A destruição desenfreada da Resex acreana dá uma pista do que poderá acontecer com o PNSD caso a transição de parque nacional para área de proteção ambiental seja aprovada. No primeiro trimestre de 2020, em vários pontos da floresta, novos recordes de alertas de desmatamento foram registrados pelo sistema Deter, também do INPE.

Mais uma vez, a Resex Chico Mendes apareceu como um dos principais focos de destruição. O PNSD, no entanto, apresentou apenas 2% de desmatamento. Resta saber quem sai ganhando nessa guerra que, ao menos para o meio ambiente, não tem vencedores.

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