Em 2040, lixo plástico nos oceanos poderá ser o triplo do atual

Contudo, um plano ambicioso, em desenvolvimento há dois anos, pode oferecer uma solução.

Por Laura Parker
Publicado 30 de jul. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Crianças brincam na costa da baía de Manila, poluída por lixo doméstico, plástico e outros tipos ...

Crianças brincam na costa da baía de Manila, poluída por lixo doméstico, plástico e outros tipos de lixo.

Foto de Randy Olson, Nat Geo Image Collection

Está previsto que a quantidade de lixo plástico despejada nos oceanos todos os anos quase triplicará até 2040, chegando a 29 milhões de toneladas métricas.

Essa estatística única e incompreensivelmente descomunal está no cerne de um novo projeto de pesquisa que já dura dois anos. O projeto destaca o fracasso da campanha mundial para conter a poluição por plásticos e formula um plano ambicioso para reduzir grande parte desse lixo despejado nos mares.

Ninguém sabe ao certo a quantidade de plástico, material praticamente indestrutível, que foi depositada nos mares. O melhor palpite, divulgado em 2015, foi de cerca de 150 milhões de toneladas métricas. Supondo que nenhuma mudança seja implementada, o estudo estima que o acúmulo chegará a 600 milhões de toneladas métricas em 2040.

O projeto, desenvolvido pela ONG Pew Charitable Trusts e pela SYSTEMIQ, Ltd., formadora de ideias ambientais com sede em Londres, pede basicamente uma reformulação total da indústria mundial de plásticos, transformando-a em uma economia cíclica de reúso e reciclagem. Se essa transformação ocorrer, e trata-se de um grande se, os especialistas da Pew afirmam que o escoamento anual de resíduos plásticos aos oceanos poderia ser reduzido em 80% nas próximas duas décadas com o uso de métodos e tecnologias existentes. Mesmo com um atraso de cinco anos, é possível escoar mais de 80 milhões de toneladas métricas de lixo para longe do mar.

O custo da modernização é de US$ 600 bilhões, sendo US$ 70 bilhões mais econômico do que continuar sem nenhuma modificação pelas próximas duas décadas, sobretudo por causa da redução no uso de plástico virgem. Segundo o relatório da Pew, “problemas que afetam todo o sistema exigem mudanças no sistema inteiro”.

A síntese do projeto “Cenário de Mudança dos Sistemas” consta em um relatório do tamanho de um livro publicado pela Pew e em um artigo científico, revisado por pares, publicado na revista científica Science. A Pew ressalta que conseguir a produção de quase nenhum resíduo plástico nos mares requer novas tecnologias, gastos expressivos e “ambições desmedidas”, entre outros fatores.

Mar de garrafas plásticas em um centro de reciclagem em Valenzuela, Filipinas.

Mar de garrafas plásticas em um centro de reciclagem em Valenzuela, Filipinas.

Foto de Randy Olson, Nat Geo Image Collection

Existe uma infinidade de relatórios oficiais. O que diferencia o relatório da Pew é sua publicação em um momento crucial da campanha de redução do lixo plástico. Em um curto intervalo de apenas cinco anos, a poluição de plásticos nos oceanos passou para o topo das prioridades ambientais em todo o mundo, motivando inúmeras campanhas em quase todos os países do planeta para reduzir o uso de plásticos descartáveis. Por outro lado, o ritmo da produção mundial de plásticos aumentará 40% até 2030 e centenas de bilhões de dólares estão sendo investidos em novas indústrias de produção de plásticos, perpetuando a situação atual, segundo o relatório.

Com o aumento da produção de plásticos e seu escoamento para o mar, fica cada vez mais nítido que os avanços por parte das campanhas ambientais não são suficientes. A Pew averiguou que, se todas as promessas de redução de resíduos plásticos feitas por toda a indústria e governos forem cumpridas até 2040, a redução do escoamento anual para os oceanos seria ínfima.

“Estamos em uma encruzilhada”, afirma Nicholas Mallos, supervisor do programa de detritos marinhos da Ocean Conservancy, organização sem fins lucrativos, que não participou do projeto da Pew. “O setor continua afirmando: ‘vamos melhorar’. Os governos tomaram medidas. Para o mundo, será nosso primeiro despertar para o fato de que nossas iniciativas atuais não são suficientes. O mundo está no caminho errado. Precisamos repensar a essência do nosso relacionamento com esse material.”

A busca por dados econômicos concretos

A Pew lançou a pesquisa em 2018, após concluir que havia uma  lacuna nas iniciativas relacionadas ao plástico: faltavam dados econômicos para orientar a tomada de decisões da indústria, afirma Simon Reddy, diretor dos programas de plásticos nos oceanos e zonas úmidas costeiras da Pew. Sem números concretos, não havia evidências ou informações suficientes para que as empresas fizessem escolhas esclarecidas. “Temos que tomar decisões sobre como desejamos que seja o futuro do planeta”, afirma Reddy. “Mas verificamos que não havia números para fundamentar os fatos. Havia uma escassez de dados.”

Para complementar essas informações, a equipe utilizou um modelo econômico pioneiro, criado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, para apresentar cálculos e projeções. Reddy afirma que o modelo fornece um “roteiro” para redução dos resíduos plásticos em diversos locais. Uma versão online do modelo foi lançada hoje, permitindo que governos e empresas acessem dados de resíduos e avaliem compensações e soluções adaptadas às condições locais.

A equipe acabou contando com mais de cem especialistas e incluiu colaborações realizadas com a Universidade de Leeds, a Fundação Ellen MacArthur e a entidade sem fins lucrativos Common Seas, todas no Reino Unido.

O modelo analisa custos e mensura o escoamento de plástico para o mar em diversos cenários que envolvem o uso de plástico. Por exemplo, o uso de plástico pode ser reduzido em 47%, aumentando o uso de outras soluções, como a eliminação de plásticos desnecessários e reutilização de recipientes (30%); compostagem e substituição de diferentes materiais, como a troca de sacolas plásticas finas por sacolas de papel (17%).

“O prognóstico é desfavorável”, afirma Andrew Morlet, presidente da Fundação Ellen MacArthur, organização sem fins lucrativos que busca uma transição das indústrias globais para uma economia de reúso de produtos e materiais. “É preciso deixar o petróleo no solo, trabalhar com os polímeros existentes no sistema e inovar”.

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    Embora não seja conhecida a quantidade exata de plástico nos oceanos, temos conhecimento das causas que levaram ao aumento do lixo plástico. O crescimento populacional mundial e a produção de plástico cada vez maior são alguns dos responsáveis. O uso per capita está em ascensão, sobretudo nos países em desenvolvimento — como, por exemplo, a Índia — que possuem uma classe média em expansão e uma coleta de lixo precária. Com isso, o plástico virgem barato permite modificar a produção de um número crescente de produtos plásticos de baixo valor que não são recicláveis, aumentando o excedente de plásticos sem coleta.

    Martin Stuchtey, cofundador e sócio-administrador da SYSTEMIQ, diz que a expectativa é de que o projeto traga esclarecimento ao debate global sobre as soluções, geralmente contraditórias, inviáveis ou insustentáveis. Por exemplo, a incineração e a queima de plástico ao ar livre estão em ascensão, e se nada mudar, podem saltar de 49 milhões de toneladas métricas em 2016 para 133 milhões de toneladas métricas em 2040.

    A reciclagem é um dos meios mais eficazes para reduzir o uso de plástico virgem, mas primeiro é preciso coletá-lo e, atualmente, dois bilhões de pessoas não têm acesso a sistemas de coleta de lixo. Até 2040, essa cifra dobrará para quatro bilhões, principalmente em áreas rurais em países com média e baixa renda. Para oferecer o sistema adequado de coleta e tratamento de lixo, seria preciso atender 500 mil pessoas a mais por dia, todos os dias, entre hoje e 2040, concluiu Pew. É uma perspectiva inconcebível, mas foi incluída no relatório para informar a dimensão dos entraves na contenção de resíduos em escala global.

    “Boa sorte com isso”, diz Yoni Shiran, gerente de projetos da SYSTEMIQ e um dos coautores do artigo da Science. “Se essa perspectiva não se concretizar, a solução é criar um sistema mais sensato.”

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    Evitar plásticos de uso único na nossa rotina já é difícil, mas a tarefa fica ainda mais complicada quando estamos longe de casa.

    A pandemia do coronavírus aumentou o caos. A queda nos preços do petróleo barateou mais do que nunca a produção de plástico virgem. A demanda por bens de consumo com embalagens plásticas descartáveis e de uso único disparou à medida que os compradores correram em busca de proteção contra o vírus. Ainda assim, Stuchtey vê um lado positivo. Antes da pandemia, as indústrias que resistiam à mudança alegavam que uma mudança sistêmica era muito grande, muito difícil, muito dispendiosa e demorada demais para ser feita. A covid-19 expôs a mentira nesses argumentos depois que a escassez de papel higiênico e outras mercadorias abalou o sistema de abastecimento e virou de ponta cabeça o transporte de cargas.

    “Foi possível observar o quanto as cadeias de suprimentos são de fato capazes de se adaptar e se reconfigurar e estamos começando a ver a descrença se transformar em esperança”, afirma Stuchtey.

    Conquistando corações e almas

    Winnie Lau, gerente sênior da Pew que supervisionou o projeto, afirma que não está preocupada com a resistência dos titãs da indústria às mudanças. “Ainda que nossos resultados sejam surpreendentes, não acredito que seja possível mudar a mentalidade de todos. Nosso objetivo é mudar a mentalidade das principais indústrias, que assumirão a liderança e permitirão a definição de novos padrões de operação às empresas e partiremos desse ponto.”

    Com esse objetivo em mente, Alan Jope, Presidente da Unilever, esteve entre os dignitários na comemoração da conclusão do projeto hoje em Londres. No ano passado, a gigante de bens de consumo prometeu cortar pela metade o uso de plásticos virgens e ajudar a coletar e processar mais embalagens plásticas do que vende. É um começo.

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