Temporada de furacões no Atlântico em 2020 deve ser ativa e possivelmente destrutiva
Este ano, as tempestades podem ser causadas por uma combinação fatídica de oceano com águas quentes e padrões climáticos sazonais.
Uma câmera de alta definição na parte externa da estação espacial mostra o furacão Florence, uma tempestade de categoria 4, se aproximando dos estados da Carolina do Norte e Carolina do Sul, em 14 de setembro de 2018.
As equipes de emergência nos Estados Unidos já estão sobrecarregadas pela pandemia e por incêndios florestais no oeste, e os estados ao longo da costa atlântica e no Golfo do México ainda não viram o pior de uma temporada de furacões que pode ser ativa e possivelmente destrutiva, segundo previsões.
“Infelizmente, tudo aponta para uma temporada ativa de furacões no Atlântico, uma notícia que as pessoas prefeririam não receber”, diz Phil Klotzbach, meteorologista da Universidade Estadual do Colorado, especializado em furacões no Oceano Atlântico.
Em um ano típico, cerca de 12 tempestades são formadas — envolvendo de tempestades tropicais a furacões com força total, que acabam sendo batizados oficialmente. Este ano, os analistas da Agência Norte-Americana de Administração dos Oceanos e da Atmosfera (Noaa) preveem a ocorrência de 13 a 19 grandes tempestades, sendo que até seis delas podem evoluir para furacões de grandes proporções.
A temporada já começou em ritmo acelerado. No fim de semana passado, o sul do Texas foi inundado por águas movimentadas pelo furacão Hanna e, de acordo com os meteorologistas, um fenômeno climático que está se formando a leste do Caribe provavelmente se transformará na tempestade tropical Isaiah.
Este ano, a Universidade Estadual do Colorado, que apresenta suas próprias previsões sazonais de furacões, prevê a ocorrência de quatro grandes furacões — de categoria três ou superior, com ventos que ultrapassam cerca de 178 quilômetros por hora.
Por que esta temporada está tão agitada?
Diferentes condições climáticas podem influenciar a formação de furacões, mas elas basicamente se resumem à temperatura e ao vento.
Águas mais quentes atuam como combustível para os furacões e, neste ano, até o momento, as temperaturas da superfície do mar ao longo da costa leste dos Estados Unidos, do Golfo do México e do mar do Caribe estão bem acima da média. Os furacões se iniciam como tempestades sobre o oceano. Alimentadas pelo calor das águas quentes, essas tempestades criam padrões alternados de baixa e alta pressão que extraem continuamente água quente do oceano para a atmosfera. Quanto mais quente a água, mais afunilado e forte o furacão fica e mais água ele armazena.
No ano passado, as águas quentes no mar do Caribe em setembro permitiram que o furacão Dorian provocasse chuvas intensas nas Bahamas, com consequências devastadoras.
Atualmente, as águas superficiais do Atlântico ocupam a quarta posição em termos de águas mais quentes desde que a Noaa começou a registrar as temperaturas em 1982. Os únicos anos em que as águas registraram temperaturas mais quentes foram 2005, 2010 e 2017, anos em que ocorreram os furacões Katrina e Maria, dois dos desastres naturais mais devastadores a atingirem a bacia do Atlântico.
Os ventos também estão assumindo padrões favoráveis aos furacões.
A maioria dos furacões que atinge o leste dos Estados Unidos começa como faixas de tempestades conhecidas como ondas tropicais na costa oeste da África. Klotzbach diz que há chances de o ar atualmente em movimento ascendente sobre o continente estar produzindo fortes ondas atmosféricas que dão origem aos furacões.
Até agora, a tempestade atípica de poeira que percorreu o mundo no mês passado reprimiu a formação de grandes furacões, atingindo as tempestades com o ar seco do Saara.
“Certamente ainda há muito ar seco por aí”, afirma Klotzbach. No entanto, ele observa que esse ar provavelmente se dissipará em meados de agosto.
Os meteorologistas também monitoram de perto um ciclo climático chamado Oscilação sul do El Niño (Enso) para prever a intensidade da temporada de furacões no Atlântico. Os padrões climáticos do El Niño estão associados à precipitação quente e úmida no oeste dos Estados Unidos e no leste do Pacífico, ao passo que os padrões do La Niña são as condições inversas — secas e mais frias.
“Para que se formem furacões no Atlântico, é preciso um oceano quente e o mínimo possível de cisalhamento de vento vertical”, explica o meteorologista da Universidade de Miami, Brian McNoldy. “Atualmente, temos um oceano muito quente e, se um fenômeno La Niña continuar se aproximando, ele deverá amenizar o cisalhamento do vento.”
Embora os eventos El Niño ocorram no Pacífico, seus efeitos a jusante no cisalhamento do vento enfraquecem os furacões do Atlântico. McNoldy diz que o maior mistério para os meteorologistas é o fato de haver ou não um padrão climático La Niña.
Fotos: a força destrutiva do furacão Michael, um dos mais fortes dos últimos tempos
Mudanças climáticas e covid-19
De forma não surpreendente, duas das maiores ameaças do mundo — as mudanças climáticas e a pandemia de coronavírus — estão prontas para tornar os furacões mais fatais.
Estudos demonstraram que a média das temperaturas da superfície do mar em todo o mundo está aumentando, como resultado dos oceanos que absorvem cerca de 90% do excesso de calor criado pelas emissões de gases de efeito estufa.
Embora nenhum evento climático isolado possa ser diretamente relacionado às mudanças climáticas, os cientistas analisam como o clima está mudando ao longo do tempo para entender como as emissões influenciam os padrões climáticos. Um estudo publicado em 2018 sugere que o aumento das temperaturas oceânicas e atmosféricas poderia fazer as tempestades se moverem mais lentamente, um fenômeno que levaria a mais inundações, pois tempestades mais demoradas que permanecem sobre uma região por mais tempo despejariam mais chuva. O ar mais quente também pode reter mais água.
“Há muita discussão sobre furacões e mudanças climáticas, mas ainda há muitas incertezas”, afirma Klotzbach. “O consenso é que pode não ocorrer um aumento no número de tempestades, mas tempestades mais fortes.”
Como a pandemia forçou as aeronaves comerciais a permanecerem no chão, alguns meteorologistas se preocuparam com o fato de que as previsões meteorológicas fossem prejudicadas, pois essas aeronaves possuem tecnologia de detecção climática e fornecem resultados para equipes de previsão em todo o mundo.
Klotzbach diz que a perda dos dados fornecidos pelas aeronaves teve um impacto “apenas secundário” em suas previsões, mas outros meteorologistas continuam preocupados. Um estudo publicado no mês passado constatou que a previsão de temperaturas ficaria prejudicada sem as aeronaves. Ainda não está claro quanto a falta de dados afetará nossa capacidade de preparação para grandes furacões.
McNoldy diz que suas previsões não foram drasticamente afetadas pelos voos comerciais que deixaram de circular devido à covid-19 e observa que a maioria dos dados inseridos nos modelos de previsão do tempo vem de satélites.
Enquanto isso, as equipes de emergência estão planejando estratégias de abandono que permitem o distanciamento social, incluindo o alojamento de desabrigados em hotéis ou o espaçamento das camas nos abrigos. E os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos emitiram diretrizes de abandono com medidas para conter a propagação da covid-19.
Normalmente, as grandes tempestades são previstas cerca de uma semana antes de atingirem a costa, e sabe-se que muitas mudam de rota repentinamente. Klotzbach observa que as previsões apenas oferecem uma ideia do que pode acontecer, afirmando que não há garantia de que um grande furacão atinja ou não uma cidade costeira dos Estados Unidos.
“Não podemos prever o destino das tempestades com meses de antecedência”, diz ele; e acrescenta, “Se ocorrer um número suficiente desses fenômenos, provavelmente um deles chegará à costa e trará consequências devastadoras”.