Novo método para medir queda de neve na Antártica ajuda a estimar preservação das camadas de gelo

Um novo satélite constatou algo inesperado: rios atmosféricos de umidade podem liberar grandes quantidades de neve sobre a Antártica, e agora é possível rastrear isso em detalhes.

Por Madeleine Stone
Publicado 8 de mar. de 2021, 17:00 BRT
Nova maneira de estudar o gelo da Antártica a partir do espaço está fornecendo a cientistas ...

Nova maneira de estudar o gelo da Antártica a partir do espaço está fornecendo a cientistas uma análise precisa sobre a quantidade de neve que cai no continente. Foto à distância da Ilha Livingston, na costa da Antártica.

Foto de Wolfgang Kaehler, LightRocket/Getty Images

Uma nova maneira de estudar o clima da Antártica a partir do espaço está revelando um fenômeno que pode ajudar a determinar a velocidade em que a enorme camada de gelo derrete em um mundo em aquecimento.

O estudo, publicado recentemente na revista científica Geophysical Research Letters, concentra-se nos “rios atmosféricos”, grandes cinturões de vapor de água que se formam sobre os oceanos tropicais e subtropicais e direcionam os ventos que circundam o planeta, por vezes gerando grande quantidade de chuva e neve. Um famoso rio atmosférico, denominado Pineapple Express, é responsável por grande parte do abastecimento de água da costa oeste dos Estados Unidos. 

Através de dados da missão do Satélite de Elevação de Terra, Nuvem e Gelo-2 (ICESat-2) da Nasa, lançado em órbita no fim de 2018, uma equipe de pesquisadores descobriu que os rios atmosféricos eram os principais fatores que provocam precipitação, principalmente em forma de neve, na Antártica Ocidental em 2019, ajudando a repor a massa que as camadas de gelo estão perdendo rapidamente. Espera-se que o aquecimento dos mares envie rios atmosféricos maiores e mais duradouros para as costas da Antártica no futuro, e a pesquisa aponta para um processo pouco estudado e pouco compreendido que pode ajudar a desacelerar o derretimento das camadas de gelo — ou acelerá-lo, dependendo do momento em que as tempestades ocorrerem.

“Descobrimos esses grandes aumentos na queda de neve apenas com os dados do ICESat-2 obtidos nos primeiros meses”, que coincidiram com a presença de rios atmosféricos sobre a área, segundo o principal autor do estudo Susheel Adusumilli, candidato a doutorado do Instituto Scripps de Oceanografia da Universidade da Califórnia, em San Diego. “O que foi uma surpresa total.”

Detectando nevascas a partir do espaço

A Antártica está perdendo mais de 100 bilhões de toneladas de gelo por ano à medida que as geleiras fluem para o mar e grandes icebergs se desprendem de suas partes frontais. Na semana passada, um iceberg duas vezes maior que Chicago se separou de uma plataforma de gelo da Antártica.

O derretimento de gelo está acelerando devido à ressurgência de águas quentes e profundas do oceano, derretendo as plataformas de gelo flutuantes do continente congelado. Isso permite que as geleiras sustentadas por essas plataformas fluam para o mar mais rapidamente, um efeito que provavelmente será exacerbado pelas mudanças climáticas. No entanto também caem bilhões de toneladas de neve na Antártica todos os anos. Essa neve fresca acaba sendo encoberta, formando novas camadas de gelo, o que ajuda a compensar as perdas causadas pelo oceano.

O embate entre o derretimento e a reposição do gelo determinará a rapidez com que a camada de gelo da Antártica — a maior da Terra — diminui em um mundo em aquecimento, e o quanto contribui para o aumento do nível do mar. Mas medir a queda de neve na Antártica é notoriamente difícil; não há estações meteorológicas nem observadores suficientes.

Agora, pesquisadores estão começando a preencher as lacunas meteorológicas utilizando o ICESat-2. O satélite de órbita polar está medindo a altura das camadas de gelo da Terra em uma resolução sem precedentes — até a espessura de um lápis — lançando pulsos de laser na superfície e cronometrando quanto tempo leva para cada fóton retornar ao satélite.

Como o satélite percorre as mesmas rotas sobre as camadas de gelo da Terra em intervalos de poucos meses, se a altura do gelo mudar em uma área específica devido a uma grande tempestade de neve ou derretimento, o ICESat-2 irá identificar.

“Com o ICESat-2, que é altamente preciso, achamos que seria ótimo poder mensurar essas grandes mudanças na queda de neve que estão ocorrendo”, conta Adusumilli.

Para seu novo estudo, Adusumilli e seus colegas analisaram alguns dos primeiros dados coletados pelo ICESat-2, entre abril de 2019 e junho de 2020. Durante esse período, os pesquisadores notaram grandes aumentos na altura das camadas de gelo da Antártica Ocidental entre maio e outubro de 2019 (durante o inverno do continente). Usando uma ferramenta de modelagem chamada reanálise que produz “retransmissões” do clima ocorrido, eles descobriram que 41% desses aumentos de altura das camadas de gelo — que totalizaram mais de 2,5 metros em algumas áreas costeiras — foram devido a eventos de precipitação breves, mas intensos.

Desses eventos extremos, 63% podem estar ligados a rios atmosféricos que atingem o continente, que os pesquisadores distinguiram de outras tempestades em seus modelos com base em seu alto teor de umidade. Ao contrário dos rios atmosféricos que impactam a Costa Oeste, que se formam nos trópicos próximo ao Havaí, os rios atmosféricos que despejam neve na Antártica estão se formando ao norte do Oceano Antártico, que circunda o continente, de acordo com Meredith Fish, pesquisadora de pós-doutorado da Universidade Rutgers e coautora do estudo.

Poucos estudos investigaram rios atmosféricos na Antártica. Uma análise de 2014 de dados de uma estação meteorológica mostrou que os rios atmosféricos despejaram quantidades significativas de neve sobre a Antártica Oriental em 2009 e 2011, enquanto outro estudo inferiu o impacto dos rios atmosféricos no derretimento da neve na Antártica Ocidental por meio de modelos. (Os rios atmosféricos podem derreter neve e gelo quando sua precipitação cai na forma de chuva, mas também porque as nuvens baixas associadas a eles absorvem e reemitem calor da superfície da Terra.)

A grande quantidade de atividade do rio atmosférico detectada no novo estudo reforça o caso de que o fenômeno climático é um processo importante para os pesquisadores da Antártica estudarem.

“A Antártica é um deserto e, como todos os desertos ao redor do mundo, é sensível a eventos extremos de precipitação”, explica Jonathan Wille, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Grenoble Alpes, na França, que liderou o estudo anterior sobre derretimento de gelo causado por rios atmosféricos na Antártica Ocidental. “Assim como os rios atmosféricos podem causar inundações em desertos não polares, esse estudo demonstra como esses rios podem causar aumentos rápidos e maciços no acúmulo de neve fora dos padrões normais.”  

Pesquisas posteriores de Wille e seus colegas descobriram que, desde 1980, os rios atmosféricos foram responsáveis pela maior parte dos eventos extremos de precipitação na Antártica Oriental, “impulsionando as tendências anuais de queda de neve”. No geral, Wille diz que as evidências até o momento sugerem que os rios atmosféricos são “um fator positivo” para a Antártica, ajudando a camada de gelo a ganhar massa e compensar as perdas de gelo causadas pelo oceano.

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Curinga de mudança climática

No entanto isso pode mudar. Os modelos climáticos sugerem que os rios atmosféricos podem ser maiores e mais duradouros na Antártica à medida que a Terra aquece e o momento em que essas tempestades ocorrerem pode ditar seu efeito sobre as camadas de gelo.

Embora a maioria dos rios atmosféricos identificados no novo estudo tenha ocorrido durante o inverno do continente, causando o acúmulo de neve, os autores também detectaram rios atmosféricos no verão: 90% dessas tempestades de verão coincidiram com eventos potenciais de derretimento da superfície das camadas de gelo, que os autores suspeitam que tenham sido impulsionados pelo aquecimento local induzido por nuvens, não pela chuva. “Seus impactos, seja no verão ou no inverno, são muito diferentes”, esclarece Fish.

“O que não sabemos é qual efeito será mais importante, pois os rios atmosféricos trazem mais calor e umidade para a Antártica. Eles causarão um maior derretimento da superfície e possivelmente aumentarão a hidrofratura da plataforma de gelo? Ou trarão eventos mais extremos de neve” que acrescentam massa às camadas de gelo? Para saber mais, “precisamos de outras medições em alta precisão”, salienta Irina Gorodetskaya, cientista do Centro de Estudos Ambientais e Marinhos da Universidade de Aveiro, em Portugal, a primeira a constatar a relação entre nevascas extremas e rios atmosféricos na Antártica Oriental.

É por isso que Adusumilli e seus colegas continuam a analisar os dados do ICESat-2 à medida que se tornam disponíveis. A partir de resultados que ainda não foram publicados, foi observada “uma grande influência do rio atmosférico” na queda de neve de 2020, semelhante à de 2019, conta ele. Por fim, os pesquisadores esperam coletar imagens de alta resolução de tempestades de neve e rios atmosféricos em toda a Antártica, para que os modeladores possam usar para melhorar suas previsões.

“Este novo conjunto de dados nos fornece uma maneira incrível de monitorar esses eventos de rios atmosféricos e uma maneira concreta de medir a queda de neve, que é um dos eventos mais difíceis de ser observado sobre a camada de gelo”, conclui Adusumilli.

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