Por dentro da capital do garimpo ilegal de ouro da Amazônia

Reportagem visitou garimpos e 'currutelas' em Jacareacanga, município no Pará onde estima-se que 80 kg de ouro sejam extraídos por semana, a maior parte em terras indígenas e unidades de conservação.

Por Gustavo Basso
Publicado 10 de mar. de 2021, 07:10 BRT, Atualizado 10 de mar. de 2021, 11:16 BRT
Garimpo de ouro na região do Alto Tapajós, na Amazônia paraense. O ouro é extraído nos ...

Garimpo de ouro na região do Alto Tapajós, na Amazônia paraense. O ouro é extraído nos 'baixões' – áreas de várzea próximas a igarapés, onde o minério lavado pelas chuvas se acumula. O desmatamento e a contaminação e assoreamento dos igarapés são alguns dos impactos da exploração.

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Para extrair em média 300 g de ouro em um intervalo de duas semanas, os barrancos são escavados até que o cascalho subterrâneo seja exposto – é ali onde está depositado o ouro atualmente, até 30 metros embaixo da superfície.

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Em meio à floresta, a 60 km da cidade mais próxima, o ruído de aviões a hélice decolando e pousando ao longo do dia parece deslocado do entorno amazônico. “Onde há garimpo por aqui, há aeroporto”, comenta Noé Luz, vereador suplente de Jacareacanga, no Pará, município que ostenta o título informal de capital do garimpo ilegal de ouro do Brasil. No coração da região do Tapajós, pistas de pouso, regulares ou não, vem se proliferando, servindo às centenas de lavras que nos últimos anos atraem pessoas de diferentes partes do país para buscar a sorte em meio à lama, o calor e a malária.

“O garimpo não é convidativo, não é Paris”, comenta Virgílio Viana, ex-secretário de meio ambiente do Amazonas e superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS). “É insalubre, a pessoa passa por muito perrengue, perigo. É certamente a última opção, mas que apesar do custo humano, tem um benefício individual grande.”

Mais de 80% do território da cidade – que, de tão grande, comportaria uma Holanda – está inserido em terras indígenas ou unidades de conservação, onde a extração de ouro é proibida, segundo parecer de 2014 da Advocacia-Geral da União. No entanto, isso não impede a retirada de 80 kg do minério por semana, segundo estimativas de compradores da cidade. Ouro vindo principalmente de terras da Floresta Nacional do Crepori e das Terras Indígenas (TI) Mundurucu e Sai-Cinza, esta última vizinha ao núcleo urbano do município. Com o ouro cotado ao longo de 2020 em R$ 350 por grama, são mais de R$ 110 milhões que todo o mês deixam a cidade.

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    Garimpeiro exibe anéis de ouro em Jacareacanga, Pará. Joias como anéis e relógios são itens obrigatórios entre garimpeiros de todo a região.

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    Mãe de Alan Carneiro, empresário do setor de peças e reparos de escavadeiras, exibe seus anéis em Jacareacanga.

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    A pandemia do novo coronavírus e a instabilidade financeira gerada por ela levou ao aumento da busca por investimentos mais seguros. Com isso, o metal atingiu o maior valor na história, batendo U$ 66 por grama em 6 de agosto do ano passado. No Brasil, com o real se desvalorizando conforme o país se firma como vice-campeão no triste ranking da covid-19, o ouro permaneceu cotado acima dos R$ 350 até meados de novembro. Hoje vale oficialmente R$ 307, ou R$ 250 nas casas compradoras de Jacareacanga.

    A atração financeira, associada ao movimento na esfera federal de legalização do garimpo em unidades de conservação e o relaxamento da fiscalização ambiental com o enfraquecimento de Ibama e ICMBio, conduziu a região do alto Tapajós a uma corrida do ouro encabeçada pelos novos retirantes. Raros são os moradores da região de Jacareacanga e suas vizinhas Itaituba e Novo Progresso nascidos por lá. Os mais velhos vieram trabalhar com madeira, borracha ou abrindo a rodovia Transamazônica, e acabaram ficando pelo ouro. Os mais novos, chegados nos últimos cinco anos, vêm, na maior parte, dos vizinhos Mato Grosso e Maranhão para trabalhar com o garimpo moderno, equipado com maquinário pesado. “Vem muita gente do Nordeste para trabalhar, enquanto os paulistas vêm investir; são donos de máquinas que atuam, mas não moram por aqui”, conta Alan Carneiro.

    Empresário do setor de peças e reparos para escavadeiras e maquinário de garimpo, Carneiro é ele mesmo migrante. Chegou há quatro anos de Rondônia “buscando investir no meu próprio negócio, e Jacareacanga pareceu uma oportunidade, já que mal havia civilização por aqui”. Hoje possui o principal comércio do ramo e atua intensamente na organização de uma cooperativa local e na legalização do garimpo em terras protegidas. “São aproximadamente 2 mli pessoas atuando diretamente dentro de terras indígenas, com 150 máquinas. Se toda essa atividade parar, a cidade para também”, aponta, reconhecendo que grande parte do montante é retirado pelos pariwat, ou não índígenas, na língua mundukuru.

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        Maria Saw Munduruku deixou a aldeia ainda adolescente para se casar com um pariwat, como seu povo chama os não indígenas. Aos 71 anos, vive desde 1993 às margens da BR-230, e conta que desde o último presidente a pisar na região foi Ernesto Geisel.

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        Antônio Filho garimpa desde os 13 anos. Hoje, com 56, voltou de Mato Grosso depois de 20 anos para tentar extrair ouro de uma fazenda arrendada às margens da Transmazônica.

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        Ex-presidente da Associação de Moradores da Vila de São José, Vanderlei Pinheiro, de 48 anos, encabeçou uma série de ações judiciais contra a mineradora Ouro Roxo, de propriedade da canadense Albrook Gold Corporation, que tenta até hoje explorar exclusivamente uma área antes garimpada pela comunidade.

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        POVO RACHADO

        Sentados sobre uma região que pode guardar até mil toneladas de ouro despejado pelos derramamentos de dois dos vulcões mais antigos do planeta, a uma profundidade que varia de 100 metros a 1 km, os Munduruku são hoje uma etnia rachada, em conflito iminente por causa da exploração do minério.

        As TI Mundurucu e Sai-Cinza abrigam a maior população de indígenas aldeados do Pará. Ao todo, são 12.772, segundo dados de 2019, ou 30% dos mais de 41 mil habitantes. Formalmente, a principal organização representativa dessa população é a Associação Indígena Pusuru, sediada em uma pequena casa no centro de Jacareacanga. Encabeçada por Francinildo Kabá Munduruku e seu primo, João Kabá Munduruku, a instituição atualmente luta pela liberação da exploração de ouro em suas terras.

        “Somos 14 mil, entre os aldeados e os que vivem fora das terras, e a maior parte trabalha com o garimpo”, defende João, criticando as limitações. “O índio tem a terra, mas o governo não deixa extrair o ouro dessa terra, não faz sentido”. Segundo a Constituição Federal, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índigenas pertencem à União, e têm o aproveitamento de riquezas minerais sujeito a autorização do Congresso Nacional. Na prática, porém, a extração é proibida porque nunca foi regulamentada – questão que pode ser alterada pelo projeto de lei 191/2020, de autoria conjunta do Ministério do Meio Ambiente, de Ricardo Salles, e do Ministério da Justiça, então sob comando de Sérgio Moro.

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          A música alta dos jukebox dos bares, tocando geralmente forró, arrocha e sertanejo, encobre o barulho dos geradores de energia a diesel, única fonte de energia elétrica de alguns povoados encravados na floresta.

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          Além da extração de ouro, o comércio – inflacionado devido o excesso de 'moeda' e os custos de frete – é a única atividade nos vilarejos garimpeiros, conhecidos como currutelas, como o povoado de São José do Pacu.

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          Lideranças indígenas contestam as afirmações. Um desses líderes, que prefere não se identificar temendo emboscadas e por já estar sob ameaças, afirma que os índigenas que lutam pela liberação do garimpo foram cooptados pelos pariwat e não representam o povo munduruku. “Eles mentem sobre a maioria ser favorável à extração; na realidade, são 20% os que apoiam a legalização, é uma minoria que participa da política tradicional e que aplicou um golpe sobre a [Associação Indígena] Pusuru”, afirma.

          A reportagem teve acesso a uma carta redigida por lideranças munduruku reunidas em assembleia e enviada ao Ministério Pública Federal em 18 de dezembro de 2020. O documento diz que a eleição de Francinildo Kabá para a entidade foi uma manobra com envolvimento de “empresários, deputado estadual e senador que estão envolvidos com as atividades ilegais de garimpagem e a favor da PL 191, se aproveitando de um momento de fraqueza com a morte de grandes lideranças do nosso povo causadas pela pandemia”. A carta afirma ainda que, pela decisão geral dos caciques, a Pusuru não representa mais os mundurukus, sendo substituída pelo Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapajós, e devendo permanecer inativa.

          Os munduruku têm forte atuação política em Jacareacanga. Atualmente, cinco dos 11 vereadores são indígenas, que contam com tradutor nas sessões parlamentares. Desde a fundação do município, em 1991, todos os vice-prefeitos foram da etnia. Waldelirio Manhuary Munduruku, atual vice-prefeito, é outro defensor da atividade nas terras indígenas. “Temos consciência de que é uma ilegalidade, mas o garimpo é uma necessidade do índio”, disse ele em entrevista à reportagem, comparando a realidade financeira atual com a do passado. “O índio hoje está inserido na sociedade, quer água gelada, TV de última geração, não somos mais tutelados. Os que são contra querem que fiquemos isolados como silvícolas, mas não dá para voltarmos a 1500.”

          Diariamente partem de Jacareacanga dezenas de voadeiras e balsas transportando pessoas e produtos para os garimpos na região do entorno – muitos localizados em terras Indígenas.

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          Aberta na década de 1970, a BR-230, mais conhecida como Transmazônica, é o único elo de ligação terrestre entre os municípios vizinhos de Itaituba e Jacareacanga, no Pará. Durante o inverno chuvoso, a lama torna a estrada um risco, e são comuns acidentes e engarrafamentos.

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          Procurador da República com atuação na região do Alto Tapajós, Paulo de Tarso Oliveira questiona a liberação do garimpo. “As terras indígenas existem como ferramentas para a manutenção dos modos de vida tradicionais desses povos; se não há mais indígenas vivendo assim, perde a razão de existir”, disse à reportagem. Para ele, o termo garimpo nem deveria mais ser utilizado. “A atividade é tida como pequena, tradicional, mas quando se observa no local, são usadas máquinas enormes, balsas que custam mais de R$ 1 milhão, que causam um impacto muito grande; se passou de atividade artesanal a empresarial organizada, por que não submeter à legislação?”, questiona ele, chamando a atividade atual de mineração de pequena escala.

          Usadas em conjunto com as escavadeiras, as balsas carregam potentes bombas hidráulicas que desmancham os barrancos para que a lama seja peneirada e o minério extraído. O processo gera grande quantidade de lama e é acusado de assorear rios e igarapés.

          OURO SOB DISPUTA

          A pá da escavadeira avaliada em R$ 500 mil levanta uma tonelada de terra a cada 10 segundos, enquanto o operador busca o solo de cascalho, a 30 metros de profundidade, onde se acumula o ouro. Mazio Silva saiu do Maranhão para garimpar nas Guianas e Suriname. Neste último, ele aprendeu, já nove anos, como trabalhar com o equipamento na prática. Nos últimos três, mora e trabalha no garimpo São José, onde apenas o maquinário encobre o som das aeronaves no meio da floresta.

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            Com a mão-de-obra local dedicada quase exclusivamente à extração de ouro, não há produção de alimentos, bebidas ou madeira. Aos moldes do ciclo do ouro nos séculos 17 e 18, tudo é trazido de fora a preços mais altos que até mesmo nas grandes capitais. Uma garrafa de 600 ml de cerveja não sai por menos de R$20.

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            As cozinheiras são as únicas presenças femininas nos garimpos, responsáveis pelas cinco refeições diárias que sustentam os trabalhadores. Ao contrário dos garimpeiros, que recebem uma porcentagem do ouro extraído, geralmente 3%, as cozinheiras recebem salário – em média 20 gramas de ouro por mês.

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            Mulher lava louças ao lado da balsa que atravessa o rio Tapajós. Segundo laudo da Polícia Federal, a cada 11 anos, o garimpo despeja no rio Tapajós a mesma quantidade de rejeitos que chegou ao rio Doce depois do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG).

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            Marcado aberto em Itaituba, outra cidade mineradora vizinha a Jacareacanga, que concentra empresas de combustível, maquinário e veículos utilizados nos garimpos.

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            Silva é um dos poucos assalariados do garimpo, recebendo em média R$ 35 por hora. Com a máquina rodando até 12 horas por dia em busca do minério, são cerca de R$ 10 mil por mês, ganho muito acima dos R$ 2,8 mil que recebe um operador de escavadeira regularizado em São Paulo. Os demais garimpeiros são considerados sócios pelos patrões, e recebem 3% do minério extraído. O gerente, 6%. Cada cratera escavada é denominada barranco e produz, em média, 300 g de ouro em duas semanas. A cada mês, são 18 g de ouro no bolso de cada garimpeiro, que na cotação paralela atual de Jacareacanga vale R$ 4,5 mil, o triplo do salário médio observado pelo IBGE nas regiões Norte e Nordeste.

            “O garimpeiro hoje tem uma renda de classe média alta, mas não investe no futuro, não se preocupa com a qualidade de vida, o que prejudica muito o pessoal. Trabalhar não dá dinheiro", conta Vanderlei Pinheiro, morador de São José há 21 anos, onde chegou atraído pelo ouro e foi presidente da associação de moradores até 2020, participando ativamente de um imbróglio jurídico com a mineradora Ouro Roxo, que visa atuar na mesma região dos cerca de 2 mil moradores da vila e da vizinha Porto Rico. Ao todo, os dois povoados extraem cerca de 10 kg de ouro por mês, muito menos que a meia tonelada que a mineradora conseguiu extrair da rocha com uso de cianeto. A substância tóxica foi detectada nos igarapés da região, o que levou ao embargo das atividades após solicitação do MPF, mas a briga continua na Justiça. Em 2019, o MPF pediu a condenação da mineradora, paralisada desde 2014, e do seu principal acionista, Dirceu Frederico Sobrinho, por crimes ambientais. Atualmente, Sobrinho é presidente da Associação Nacional do Ouro, principal entidade da categoria e lobista pela legalização do garimpo em áreas protegidas.

            Os garimpeiros locais também não escapam da promotoria federal. Em outubro do ano passado, Valdir da Silva foi condenado a três anos e seis meses de detenção por “usurpação de matéria-prima pertencente à União”. Na sentença, o juiz afirmou que a divisão dos ganhos, como era feita por Valdir e todos os chefes de garimpo da região, “demonstra que a atividade desenvolvida pelo acusado era de trabalho degradante”.

            Com o aumento da mecanização, o reparo e venda de peças para escavadeiras torna-se um mercado cada vez maior e lucrativo em Jacareacanga. Alan Carneiro – um dos principais nomes na luta pela legalização do garimpo – veio de Rondônia há quatro anos para aproveitar a oportunidade.

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            Com a forte e crescente mecanização nos últimos anos, operadores de escavadeiras se tornaram os profissionais mais bem pagos dos garimpos. Mazio Silva aprendeu a operar a máquina no Suriname, onde passou um ano extraindo ouro.

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            Com a pena trocada por serviços comunitários ou pagamento de multa, Silva continua trabalhando na região. Maranhense de 52 anos, ele conta nunca ter colocado os pés na escola. “Venho de uma família muito pobre mesmo, com poucas condições; todos meus irmãos homens foram para o garimpo, e eu saí de casa com 13 anos para garimpar também”, conta. Apesar de lidar com somas vultosas no comando dos garimpos, ele continua analfabeto. O gasto semanal de um garimpo mecanizado na região é em torno de R$ 25 mil, incluindo a alimentação, preparada por uma cozinheira, única presença feminina em campo, que recebe aproximadamente R$ 4,5 mil para preparar cinco refeições diárias.

            CRIMES CORRELATOS

            Os salários e ganhos acima da média são refletidos nos preços inflacionados nas currutelas, como são chamadas as vilas onde moram parte dos garimpeiros. A carne custa 20% acima do praticado em uma capital como São Paulo, em média. A cerveja custa tanto quanto um bar da moda nos pequenos e poucos mercados onde trabalhadores de folga se encontram aos finais de semana e fins de tarde. A noite com uma garota de programa não custa menos que R$ 400. Os valores atraem mulheres de outras cidades, que passam temporadas em busca dos clientes nos bares das currutelas, que contam com várias hospedarias e pensões.

            Toda riqueza, no entanto, não parece contribuir para a melhora da qualidade de vida no município. No último ranking de Índice de Desenvolvimento Humano entre os 5.565 municípios brasileiros, Jacareacanga figura entre os 51 piores. A cidade vizinha de Itaituba, em contrapartida, está mais de 2 mil posições acima, em 3.291º.

            Bares que também funcionam como bordeis acabam dominando o comércio nos vilarejos garimpeiros, ao lado apenas de mercearias e dormitórios que recebem visitantes e eventuais clientes das garotas de programa.

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            Hospital em Jacareacanga, um dos municípios com maior taxa de infecção por covid-19 do Pará. A alta produção de ouro não se reflete em riqueza para grande parte da população da cidade, que possui o 51º pior IDH entre os 5.565 municípios do país, em parte graças à falta de tributação. O ouro produzido na capital do garimpo amazônico é "esquentado" em outras cidades, sobretudo Itaituba, que ficam com os impostos.

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            Jacareacanga é o município onde a produção de ouro mais cresce no Pará. Ainda assim, a Contribuição Financeira por Exploração Minerária (CFEM) na cidade vai na contramão do observado em Itaituba, no Pará e mesmo no Brasil, que em 2020 bateu recordes de pagamento do tributo e exportação. “O ouro extraído em áreas ilegais não pode ter indicação de origem, então é necessário falsificar essa procedência”, afirma o procurador Oliveira, apontando a maior falha da contribuição. “A CFEM é autodeclaratória, ou seja, cabe ao vendedor indicar a origem, sem qualquer comprovação por parte da Receita Federal ou da ANM. Não há justificativa para um segmento tão importante da economia como a mineração possuir um sistema tão precário, senão para atender algum interesse.”

            Um estudo publicado em maio de 2020 pelo Instituto Escolhas aponta que terras regularizadas, com Permissões de Lavra Garimpeira (PLG), são utilizadas para “esquentar” o ouro procedente. Investigações da Polícia Federal revelaram áreas com PLG sem qualquer produção de fato, mas com grandes extrações de ouro declaradas, o que sugere falsidade na procedência. Em laudo de perícia criminal de 2018, a PF apontou que, a cada 11 anos, a atividade garimpeira mecanizada joga no rio Tapajós joga o equivalente a quantidade de rejeito lançado no rio Doce pela mineradora Samarco no rompimento da barragem de Fundão em 2015.

            “A área que o garimpo desmata da floresta realmente é menor e menos duradouro que em atividades como a criação de gado e soja”, pondera o procurador Oliveira, rebatendo um argumento comum de que a extração de ouro seria menos danosa à floresta. “No entanto, o argumento não leva em consideração a contaminação por mercúrio – ocorrida pelo simples revolver da terra – e crimes correlatos que muitas vezes vêm em sequência, como lavagem de capital, trabalho análogo ao escravo e exploração de prostituição, muito comuns na área.”

            Enquanto essas questões não são debatidas, a corrida pelo ouro valorizado e a campanha pela liberação do garimpo em terras indígenas continua, em Jacareacanga e em Brasília, ainda que contestada por alguns, como o migrante paranaense Ney Muller, outro garimpeiro com quem a reportagem conversou. “Se 99% das terras da cidade são da União, não há como legalizar”, diz ele. “A ilegalidade do garimpo começa com a ilegalidade da terra.”

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