A floresta amazônica contribuiu para a ‘pequena era do gelo’ do século 17?

Cientistas encontraram novas evidências ao examinarem uma teoria de que a regeneração da Amazônia após a colonização europeia afetou o clima global.

Por Tim Vernimmen
Publicado 14 de mai. de 2021, 12:01 BRT
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Vista do lago Maciel na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Brasil. O pólen encontrado em corpos d’água na floresta amazônica revela pistas sobre um período de resfriamento breve, mas intenso, no século 17.

Foto de Mauro Pimentel, AFP via Getty Images

Nas décadas que se seguiram à chegada dos europeus às Américas no final do século 15, estima-se que mais de 50 milhões de indígenas morreram em decorrência de epidemias, guerras e escravidão. Essa tragédia de origem humana, também conhecida como a Grande Morte, pode ter deixado sua marca também na paisagem e no clima.

Em uma análise realizada em 2019, pesquisadores do Reino Unido propuseram que a regeneração de florestas em locais onde os povos nativos haviam limpado a terra pode ter absorvido e armazenado carbono suficiente para contribuir para uma queda nos níveis atmosféricos globais de CO2 no século 17. Acredita-se que essa anormalidade seja uma das causas de um período excepcionalmente frio conhecido como Pequena Era do Gelo.

Mas um estudo publicado recentemente na revista científica Science não encontrou evidências desse cenário na Amazônia.

Para testar a hipótese de que as florestas amazônicas se recuperaram durante ou após a Grande Morte, um grupo de pesquisadores liderados pelos paleoecologistas Mark Bush, do Instituto de Tecnologia da Flórida, e Crystal McMichael, da Universidade de Amsterdã, analisou sedimentos de 39 lagos ao longo da Bacia Amazônica.

“Os sedimentos no fundo do lago representam a história da região”, explica Bush, “com as camadas mais antigas no fundo e as mais novas no topo”. Usando datação por radiocarbono para determinar a idade de cada camada, os pesquisadores examinaram cuidadosamente as amostras em busca de pólen e carvão. “Esta parte da Amazônia não queima naturalmente”, afirma Bush, “então, se encontrarmos carvão, é um sinal bastante claro de que havia presença humana”.

O retorno do yarumo

A partir do pólen, a equipe identificou as plantas que cresceram perto do lago em diferentes períodos. Quando as pessoas limpam a floresta, o lago passa a conter menos grãos de pólen de árvores e mais de gramíneas, ervas e plantações, explica McMichael. “Muitas vezes encontramos pólen de milho e mandioca, mas também de abóbora e batata-doce.”

Quando se abandona um local na Amazônia, o primeiro tipo de pólen a aparecer no sedimento do lago é o das árvores Cecropia, conhecidas localmente como yarumo. “Essas árvores são cheias de ervas daninhas”, comenta Bush. “Elas chegam a crescer até cinco metros em dois anos, tão rápido que ficam ocas, e muitas vezes com formigas vivendo dentro. Elas permanecem por algumas décadas e então são eliminadas por outras árvores. Mas produzem uma grande quantidade de pólen.”

A análise do carvão e dos diferentes tipos de pólen revelou evidências de derrubada, queima ou cultivo da floresta anteriores à chegada dos europeus em quatro de cada cinco lagos. “Isso não significa que 80% da Amazônia foi desmatada, é claro”, afirma Bush. “As pessoas se concentram em torno dos lagos.”

Ainda assim, quando os pesquisadores alcançaram as camadas que continham evidências de recuperação florestal, elas muitas vezes antecediam a chegada dos europeus em centenas de anos. “Há muita variação”, explica Bush, “mas o que vemos é que o desmatamento é mais forte entre os anos 350 e 750 d.C. Depois disso, ele diminui, com as florestas começando a crescer novamente por volta do ano 1000”. Durante ou após a Grande Morte, entretanto, evidências de regeneração da floresta são raras.

Desmatamento sem precedentes

Isso sugere que, pelo menos na Amazônia, a regeneração da floresta durante e após a Grande Morte parece não ter contribuído muito para a queda no CO2 que causou a Pequena Era do Gelo, afirma Bush. “Para obter uma quantidade perceptível de mudança no CO2 atmosférico, seria necessário ter uma grande área da Amazônia se modificando ao mesmo tempo. Não vemos isso em nenhum momento do passado; é algo espalhado no espaço e no tempo.”

Ele acrescenta que isso não deve diminuir nossa preocupação com o atual desmatamento na Amazônia. “A escala dos incêndios e do desmatamento atualmente é muito maior, então acredito que hoje, a ameaça de chegarmos a um ponto onde a Amazônia se tornaria uma fonte de CO2 em vez de um dissipador, infelizmente, é muito real.”

O geógrafo Alexander Koch, da Universidade de Hong Kong, principal autor do artigo de 2019 que sugere uma ligação entre a Grande Morte e a Pequena Era do Gelo, afirma que “os dados obtidos pelo pólen apenas nos dizem se a floresta voltou a crescer em um local específico”. Koch acredita que o novo estudo “não refuta a hipótese principal” de seu artigo, que se referia às Américas como um todo.

Ele afirma que a nova pesquisa traz uma contribuição importante, mas acrescenta que a influência da Amazônia pode ter sido limitada em comparação com regiões do México, da América Central e dos Andes, onde as reduções populacionais foram maiores. “É provável que a maior parte da Amazônia era mais difícil de alcançar e foi menos afetada por doenças e colonizadores”, explica Koch. Em sua própria análise, estima-se que apenas 4% do aumento da absorção de CO2 tenha acontecido na Amazônia.

“A chegada dos europeus à Amazônia foi um processo gradual”, explica McMichael. Os impactos mais devastadores sobre os povos amazônicos podem ter ocorrido depois da Grande Morte no México ou nos Andes, onde há mais evidências de alta mortalidade logo após a chegada dos europeus.

Conflito e doença

Com base nos novos dados que mostram que a recuperação da floresta frequentemente antecede a chegada dos europeus em centenas de anos, Bush e McMichael acreditam que o número da população na Amazônia provavelmente atingiu o pico muito antes da chegada dos europeus ao continente. Segundo eles, o número de pessoas na região pode ter diminuído e então se estabilizado em um nível mais baixo muito tempo antes, permitindo que as florestas tivessem tempo para se recuperar das fases mais intensas de atividade humana.

Manuel Arroyo-Kalin, arqueólogo do Colégio Universitário de Londres que não participou do estudo, mas usou evidências arqueológicas para reconstruir tendências populacionais, concorda. Ele aponta que “evidências etno-históricas indicam claramente o colapso da população como resultado da colonização europeia”, mas acrescenta que sua própria pesquisa também sugere que o pico populacional da população indígena amazônica “pode ter ocorrido séculos antes”.

Mas o que poderia explicar uma diminuição nas populações indígenas da Amazônia se não havia invasores estrangeiros? Em seu artigo, Bush e McMichael apontam para evidências de aumento das hostilidades nos Andes adjacentes começando entre 1000 e 1200 d.C., incluindo “crânios rachados” e “paliçadas defensivas”. Outros pesquisadores relataram evidências crescentes de assentamentos fortificados na Amazônia a partir de 1200, afirma Bush. “Isso sugere que as pessoas se reuniram em certas áreas, se reorganizando para não ficarem tão espalhadas e se tornando mais orientadas defensivamente”, explica ele, evitando áreas de fronteira e permitindo que a floresta crescesse novamente ali.

Também há indícios de tuberculose nos Andes entre os anos 1000 e 1300, que pode ter se espalhado para a Amazônia por meio do comércio. “É válido perguntar se as populações amazônicas enfrentaram desafios semelhantes aos de seus vizinhos nos altos Andes, que viviam tempos turbulentos”, declara a antropóloga Tiffiny Tung, da Universidade Vanderbilt. Tung está pesquisando a revolta que tomou conta do povo andino, mas não participou do estudo na Amazônia.

É um desafio integrar dados de pólen extraídos de lagos das planícies com evidências de doenças e violência nas terras altas, afirma Tung. “Portanto, espero que obtenhamos melhores dados ambientais das áreas onde temos mais dados arqueológicos e vice-versa.”

Isso também é o que Bush e McMichael estão procurando. “Estamos trabalhando com arqueólogos agora”, afirma McMichael, “e o que queremos fazer a seguir é ir aos lagos perto de alguns de seus sítios arqueológicos e ver o que podemos obter nesses locais”.

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