Nat Geo Podcast | Episódio 4: Além do oceano

André Carvalhal entrevista duas profundas conhecedoras dos Sete Mares: Tamara Klink e Bárbara Veiga – navegadoras, escritoras e ativistas na defesa dos oceano.

Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 6 de set. de 2022, 16:32 BRT

André Carvalhal (apresentador): Olá, eu sou André Carvalhal, escritor, especialista em design para sustentabilidade, e esse é o NatGeo Podcast, que tem o propósito de pensar caminhos para uma vida mais sustentável. E hoje a gente vai falar da importância da conservação marinha para a manutenção da vida na Terra. Os oceanos são ecossistemas riquíssimos em biodiversidade, que cumprem uma função vital, não só para os seres aquáticos, mas também para todos os seres que vivem fora d’água, inclusive, nós.

E a gente nem precisa ir muito longe para entender, é só a gente pensar que 50% do oxigênio que a gente respira é proveniente dos oceanos, mas muita gente não sabe disso. Mesmo assim, nossos mares têm sofrido com uma série de problemas, e estamos aqui também para entender aonde essa degradação dos oceanos pode nos levar e o que podemos fazer para reverter esse quadro. Para isso, hoje eu conto com a presença super especial de duas profundas conhecedoras dos sete mares, as ativistas pela conservação marinha, Tamara Klink, que também é navegadora e escritora, e a Bárbara Veiga, que também é documentarista, fotógrafa e performer. Sejam muito bem-vindas.

Olá, meninas.

Bárbara Veiga: Olá, André. Olá ouvintes do podcast. É um prazer estar aqui hoje.

Tamara Klink: É uma alegria estar aqui também. É um prazer imenso.

André: Legal. É um prazer estar com vocês também aqui. Para quem tem acompanhado esse podcast, sabe que a gente sempre começa explorando o cenário, buscando entender o que está acontecendo relacionado ao tema que a gente vai tratar. E hoje, Bárbara, eu queria começar com você contando para gente um pouco de uma visão geral sobre a importância da gente falar da preservação dos oceanos.

Eu sei que eles são superimportantes para ajudar a estabilizar a temperatura do planeta, para reter CO2 e produzir mais da metade do oxigênio que a gente respira. Mas queria que você me contasse sobre outras coisas que você sabe também e por que que é tão importante a gente falar e preservar os oceanos hoje.

Bárbara: Bom, mais uma vez, obrigada pelo convite, André. Vai ser um prazer trocar com você sobre um tema que é tão importante, e também com a Tamara, super navegadora. Para mim, falar de oceano é falar sobre a nossa casa. A casa de dentro e a casa de fora. Você mesmo trouxe esse dado, de que mais de 50% do oxigênio que a gente respira vem do oceano. Então, como não levar tão a sério e respeitar essa grande vida que sustenta, suporta tanta biodiversidade e garante também a nossa qualidade de vida. Não à toa, quando a gente olha para o oceano – já é cientificamente provado – isso nos traz bem-estar, isso nos traz calma.

E só pelo fato, pelo grande fato de garantir a nossa qualidade de vida, a nossa paz, o nosso oxigênio, acho que isso já são razões suficientes para olhar com respeito, olhar com carinho e refletir sobre as nossas decisões que estão conectadas com o oceano. Independente se a gente mora no topo de uma montanha, no deserto ou pertinho do mar, a nossa relação, ela precisa ser estreitada por conta desse dado tão importante que você trouxe para iniciar essa conversa.

André: Legal. Boa. Como eu disse também no início, mesmo assim, muita gente não tem noção, né? E muita gente faz muita coisa ruim que acaba atrapalhando muito e degradando os oceanos. Às vezes parece até muito drástico falar dessa forma, mas é a verdade, é o que vem acontecendo.

E Tamara, na sua série Mar Brasil, que você apresenta, sobre a preservação costeira do Brasil, você fala bastante sobre como o plástico vem poluindo e contaminando os oceanos, e como isso afeta a biodiversidade marinha. Eu acho que quando a gente fala sobre o oceano, né? Eu acho que hoje a questão do plástico é a que mais vem na nossa cabeça. E aí eu queria que você contasse um pouco sobre o que você sabe sobre isso e o que você vem percebendo de como o plástico vem afetando a biodiversidade marinha.

Tamara: Acho que, em primeiro lugar, na sua apresentação você colocou que a gente conhece com profundidade o tema. Eu acho que é o contrário. Conheço ele muito na superfície. Eu sou velejadora. As pessoas às vezes falam: “Nossa, eu te admiro muito porque eu morro de medo do mar. Eu não poderia fazer o que você faz”. Para mim, eu detesto a ideia de eventualmente ter que entrar na água. Eu sou velejadora e navego em barcos seguros justamente para não ter que nadar no meio de uma viagem.

André: Muito bom.

Tamara: É, mas isso me deu a chance de estar em contato com pessoas que, elas sim, conhecem com profundidade diversos assuntos relacionados ao meio ambiente, que são cientistas de muitos lugares do planeta e de muitos assuntos. E conversando com eles e, às vezes, até em outros veleiros, como o veleiro Tara que é uma Goelete onde eu tive chance de navegar quando ela passou pelo Brasil, a gente estava falando sobre como a questão do plástico é um problema sobretudo estético diante de tantos outros problemas que o oceano vive hoje. Porque o plástico incomoda, porque a gente olha, a gente vê, a gente acha sujo, a gente acha feio, né? Mas existem muitos outros problemas que a gente está causando e que colocam em risco a saúde do oceano que a gente não vê.

Um deles que a gente pode citar são os microbiomas, né? Que é a base de toda a vida, todos os ecossistemas que existem no oceano que são esses seres, micro-organismos invisíveis a olho nu que às vezes têm o tamanho de uma única célula, é bem pequeno, e que sem eles a vida no oceano e no planeta não existe. Eles estão em cada gotinha de água do mar que chega no nosso rosto quando a gente vai na praia, que chegam até mim quando eu estou navegando, que são transportadas por muitos e muitos quilômetros através das massas de ar. E eles sofrem alterações muito significativas, né, com as mudanças de temperatura, com as mudanças de salinidade ou acidez da água.

E outro problema que a gente fala pouco quando a gente está discutindo sobre a saúde do oceano é o problema social, né, que participa disso. Os seres humanos, eles fazem parte da natureza. Alguns filósofos costumam dizer que o mundo vai continuar a existir quando os seres humanos tiverem destruído tudo o que a gente entende como a base da vida humana, mas os humanos não.

Então, acho que quando a gente está falando sobre sustentabilidade, a gente está sobretudo defendendo a permanência dos seres humanos na Terra, né? Da vida humana para além da vida dos outros bichos e plantas que existem por aí. Então, acho que na luta pela preservação desses recursos e da saúde do oceano a gente tem que também incluir as pessoas que moram tão perto de nós e que até hoje não têm saneamento básico, não têm água potável, não têm direito à moradia e à alimentação salubre. Então, eu acho que são... A gente não consegue isolar o oceano, o mar da Terra e nem a Terra do mar.

André: Muito interessante você falar isso quando você diz que o plástico é um problema estético porque significa que é um problema que se vê, né? E é muito importante também a gente pensar e se preocupar com aquelas outras coisas que estão acontecendo ali e que muitas vezes a gente não vê. A extinção das espécies marinhas muitas vezes tem a ver com isso também. Não é porque a gente não está vendo as espécies mortas ou elas... Algumas às vezes chegam até as praias, mas muitas vezes isso não acontece, mas não quer dizer que não continue acontecendo, né?

E aí, Bárbara, eu queria pedir para você me falar um pouco sobre isso, assim, o que você percebe sobre esse processo. A Tamara deu aqui alguns exemplos. Eu acho que outras coisas também são responsáveis pela morte das espécies marinhas, né? Não só os plásticos, mas o turismo feito de forma irresponsável. Enfim, são muitas as coisas que interferem nesses ecossistemas marinhos. O que você sabe sobre isso e quais as consequências você acha que isso pode trazer para gente?

Bárbara: Bem, acho que não tem como negar como essa questão do descarte é extremamente crítica. Eu lembro de um momento desses sete anos que eu morei no mar onde nós estávamos com os binóculos, enfim, acompanhando a nossa navegação na costa da Líbia. E aí nós vimos uma tartaruga presa num saco de plástico, enfim, um material plástico. Mas era um saco de arroz vindo da Turquia, e foi uma operação de 40 minutos para liberar essa tartaruga desse saco plástico, né? Foram três pessoas envolvidas nessa operação que durou 40 minutos. É um exemplo muito pontual de uma experiência pessoal dentro de outras que surgiram ao longo desses anos de navegação acompanhada de organizações ou no meu veleiro próprio e, enfim.

Acho que tem muitas situações onde a gente se depara, especialmente estando em contato tão próximo com o mar, não só do ponto de vista científico, que deixa mais claro ainda o quanto a gente precisa desse conhecimento da complexidade, da riqueza que existe dentro do mar. Se eu não me engano, a gente só conhece 20% do oceano. Então, eu prefiro falar mais de soluções do que do caos. Porque o caos a gente já sabe que existe e acho que, como seres pensantes com várias possibilidades dentro da ciência, das artes, da filosofia, a gente pode se unir e pensar em soluções práticas para esses temas tão polêmicos que a gente tem discutido, falado e vivenciado para quem tem essa relação tão próxima com o oceano.

André: Tamara, antes de a gente começar a pensar sobre as soluções, tem algo que eu queria investigar com você também, que a gente muitas vezes não pensa quando a gente fala sobre oceano, mas que está completamente relacionado, que é o derretimento das geleiras, né?

Que a gente sabe que está muito conectado com causas de aquecimento global ou de aumento de temperatura. E isso pode gerar uma série de consequências também para a vida de pessoas que estão fora do mar, né, e também além das espécies marinhas. Queria que você contasse para gente um pouco do que você sabe sobre isso.

Tamara: É, para mim como navegadora, o derretimento das geleiras é um fator que, inclusive, não é mais uma ideia, não é mais uma possibilidade, é um dado real. A gente fala muito sobre a abertura da passagem noroeste, por exemplo, que é essa passagem que fica ao norte do Canadá, que era absolutamente inacessível a poucas décadas atrás e que hoje se torna um destino de muitos velejadores que gostariam de atravessar o norte da América do Norte de veleiro e isso é cada vez mais possível, e ninguém mais fala mais sobre voltar a congelar áreas que já descongelaram. Isso influencia muitas coisas.

O Ártico, diferente da Antártica, ele não é um continente, ele é uma grande placa de gelo. E quando a gente fala sobre derretimento do Ártico e aumento das temperaturas dos oceanos, a gente sabe que isso não vai retroceder, a gente não vai mais voltar atrás com isso. E isso, bom, vai mudar bastante a salinidade da água. Isso vai acabar extinguindo uma série de espécies.

E é um pouco assustador quando a gente vê posturas de alguns políticos que ainda não se deram conta de que isso está acontecendo e que isso influencia não só o Ártico, não só a Antártica, eles parecem muito longe da nossa casa, mas que uma mudança climática nos polos do planeta influenciam, por exemplo, a existência de grandes chuvas catastróficas no nosso país, que isso muda a sazonalidade das plantações e das colheitas, que isso vai causar frios que a gente nunca viu antes em muitas décadas, como o pessoal do sudeste está vivendo, porque as massas de ar começam a ir mais ao norte do que elas iam antigamente, e tudo está muito conectado.

Então, eu acho que eu tive o privilégio de poder ir para a Antártica quando eu era criança e de ver bichos e de ver geleiras e de ver icebergs que vão se mudando. Hoje, como navegadora, quando eu desenho as minhas viagens, eu já levo isso em conta. Eu levo em conta que existem baías que nunca mais vão congelar como antigamente e que isso pode colocar barcos em perigo. Eu levo em conta que os icebergs estão indo cada vez mais ao norte porque eles estão se separando mais das suas geleiras. Mas fica muito evidente o quanto isso não se resume só aos polos.

André: Total. Não, e tem uma coisa que é muito surreal, é o como as coisas elas não só estão conectadas, como elas vão se potencializando em cadeia. Então, assim, as geleiras elas têm um papel também muito importante em refletir o calor. E aí, conforme elas vão derretendo, menos a gente consegue refletir o calor. Aí vai ficando mais quente, vai ficando mais quente e derrete cada vez mais. E é incrível como as coisas elas vão todas se potencializando, né? Se entrelaçando e causando todas essas reações em cadeia, como você disse.

Enfim, impactando a chuva aqui da gente no Rio de Janeiro, né, por exemplo, onde eu estou. Então, a chuva aqui na minha casa tem a ver com tudo isso, né, que está acontecendo. Então é muito interessante, é muito curioso a gente pensar dessa forma, e interessante também a gente pensar em como a gente ao cuidar dos oceanos, né, ao cuidar dos mares, a gente está cuidando da gente também. A gente está cuidando não só daquelas espécies que estão ali. Então, para mim, isso é o que fica desse primeiro bloco e de tudo o que eu ouvi de vocês.

André: Para quem nos acompanha, sabe que agora a gente chega no momento que eu mais gosto que é de explorar as soluções. Como a Bárbara estava falando, eu também sou dessa turma que gosta de pensar mais no que a gente pode fazer.

E, Bárbara, eu sei que você é uma das fundadoras e participantes da Liga das Mulheres pelos Oceanos e eu queria que você contasse para gente um pouco sobre essa participação incansável das organizações na proteção dos oceanos e qual é o papel que você acha que essas organizações e as pessoas têm para ajudar a reverter tudo isso que a gente está falando aqui hoje.

Bárbara: Bem, eu sempre acreditei que a força do coletivo é transformadora e só ela pode, de fato, trazer caminhos e soluções para a nossa vida, para o mundo em que a gente vive. Para mim é fundamental encontrar essas pontes de apoio na pluralidade das profissões, na pluralidade das experiências, das idades. Desde muito nova, começando a trabalhar ativamente com organizações internacionais, seja na cidade em que eu nasci e, posteriormente, depois dos 21 anos, rodar o mundo em mais de 85 países na luta socioambiental...

Para mim é muito mágico poder ver que pessoas do mundo inteiro podem sim se mover desde o ponto de vista local, global, para fazer uma mudança acontecer. Então eu adoro estar com pessoas. Eu adoro criar com pessoas, apesar de também ter os meus momentos de solitude saudáveis. Mas tive a oportunidade de trabalhar em muitas campanhas, em muitas missões da Amazônia à Antártica, refletindo caminhos para que isso possa acontecer, né? Que essa mudança possa acontecer. Não é um processo simples.

Eu tenho muito claro dentro de mim que provavelmente... Dificilmente, eu vá ver essa grande mudança que eu sonho ver dentro da minha geração, mas essa luta incansável, como você falou, ela reside e ela se transforma. Ela tem se transformado. Então, na adolescência, como uma ativista ferrenha, até numa fase mais jovem, muita coisa mudou nessa minha perspectiva. Na forma de se aproximar para levar essa mensagem. Que não é de um jeito tão radical, mas ele também tem uma mensagem forte o suficiente, né? Esse objetivo, de se aproximar, tem uma mensagem que se unindo com outras vozes e com outras habilidades, eu acho que isso pode se fortalecer.

Então para mim foi muito fundamental começar essa jornada e continuar até os dias de hoje com várias transições dentre movimentos e encontros em diferentes países. Hoje em dia, aqui em Portugal também, conhecendo muitas pessoas competentes, dentre elas mulheres que também lutam pelo mar. São projetos maravilhosos que eu estou tendo a oportunidade de conhecer também desde os últimos anos que eu vivo aqui na Europa, mas sempre conectada – impossível não estar – com o meu país de origem e outras iniciativas que vão acontecer, que estão acontecendo ao redor do mundo que eu tenho a sorte de participar. E muito trabalho também, porque as coisas não caem do céu.

Então tem muita dedicação e muita gente boa fazendo um trabalho sério dentro das universidades. Então me interessa muito a parte da educação. Essa semana mesmo vou fazer um trabalho no norte de Portugal com estudantes de artes e ciências juntos. Então juntar essa potência de várias partes para poder construir algo sólido que entregue um resultado, por exemplo, transformando um objeto que seria lixo em um objeto que seja útil, na utilidade de alguém na casa de alguém, enfim, né, dentro da nossa vida, eu acho que é um caminho interessante. Principalmente pensando em resíduos, né? Entender o que é isso? O que é essa matéria que a gente adquire que tem um fim. Pode ter uma reutilização desse objeto?

Eu acredito muito em upcycling, em reutilizar as coisas que a gente tem, em repensar a nossa relação com a matéria, com o objeto, e entender o que é lixo, né? O que realmente é esse nome que a gente deu para as coisas que a gente tem e faz parte do nosso dia a dia. Pensar e refletir mais sobre essas escolhas e tentar se unir dentro dessas vozes que estão nos ajudando a entender a complexidade que se tem dentro e fora do oceano. Então tenho me unido a pessoas de diferentes áreas e origens para fazer projetos que possam dar voz à importância do mar e outras causas que estejam conectadas a ele.

André: Muito legal você falar sobre essa história do lixo. A gente falou muito sobre isso no nosso episódio anterior, que se chama “Mais vida, menos lixo”, sobre essa importância realmente de a gente ressignificar a forma da gente lidar com as coisas, né? E quando a gente fala do oceano, olha, enfim. Quantas coisas a gente está entendendo aqui que a gente faz e que impactam diretamente a qualidade do mar, a qualidade de vida das espécies marinhas.

Bárbara: Tem a ver também não só com aquilo que é descartável, né, ou não. Mas tem a ver tem a ver com tudo que está ao redor da nossa vida, né? Você fez um episódio que eu ouvi também sobre moda que eu achei maravilhoso. A forma que a gente se veste, se alimenta, se conecta faz toda a diferença, né, dentro da nossa... do nosso contexto social.

André: Total. Total. E outra coisa que eu fiquei pensando aqui enquanto você estava falando é que os oceanos, eles não pertencem a nenhuma nação, né? Eles são águas internacionais, como se diz, e isso acaba, eu acho que complicando muito todo esse trabalho de regulamentar, de cuidar, né? Eu acho que é algo bastante descentralizado. E aí eu gostei muito quando você disse sobre a gente agir e sobre a gente também procurar outras pessoas que pensam igual a gente e se fortalecer no coletivo, né?

Eu acho que as organizações não governamentais que dão suporte a essas causas, elas podem ser uma grande fonte, né, de trabalho e um caminho muito potente de a gente ajudar a reverter toda essa questão que a gente está falando aqui. E Tamara, no bloco anterior a gente falou muito sobre espécies que estão morrendo, geleiras que estão derretendo. A gente falou sobre plástico, a gente falou sobre um monte de coisas ruins que estão acontecendo. Você conseguiria apontar quais estratégias você avalia como mais urgentes ou prioritárias para a gente ajudar a reverter esse cenário?

Tamara: Para mim, é muito evidente que quando a gente fala sobre mudança de comportamento isso não é algo nem um pouco impossível, né? Eu acho que os dois últimos anos que a gente viveu deixaram muito claro que em poucas semanas o mundo inteiro consegue se mobilizar para mudar as suas atitudes, para mudar a maneira como a gente trabalha, a maneira como a gente se desloca, a maneira como a gente se relaciona em nome de uma urgência.

Acho que se a gente desse para esse problema urgente, que é o problema climático e ambiental, a mesma importância que a gente deu para a saúde durante a Covid, muitas das nossas questões, muitos desses temas que a gente está trazendo, não teriam a necessidade de serem trazidos. A gente não teria nem porquê fazer esse podcast...

André: Verdade.

Tamara: ...porque a gente estaria agindo de uma outra maneira. E quando a gente fala sobre meio ambiente, acho que, assim, alguns exemplos que ficam muito claros para mim, de incongruências absolutas, por exemplo, quando a gente vê que em grande parte das grandes empresas a sustentabilidade faz parte do departamento de marketing, né? E não faz parte do comitê executivo. Quando a vê posturas de muitos dos nossos políticos que, inclusive, minimizam ou dão pouca importância ou até agridem os povos originários. A gente vê que eles não têm nenhum respeito e nenhum... e não dão nenhum valor para todo o saber que os povos originários desenvolveram ao longo de muitos séculos de como se relacionar com a natureza.

A gente ainda acredita, muitas vezes, em selos, por exemplo, que tentam atestar que a pesca industrial é uma pesca que pode ser sustentável, né? E que quando a gente come atum, isso não matou nenhum golfinho ao longo do caminho. Quando a gente navega e a gente passa por pesqueiros e a gente vê a quantidade de golfinhos que têm em volta dos barcos de pesca, fica muito evidente que é praticamente impossível eles não matarem nenhum golfinho que está ao redor e que vão em direção aos peixes. A Bárbara tocou no assunto das redes. As redes que estão espalhadas por todos os oceanos são objetos desenhados para matar peixes, né? E a gente ainda consome atum em lata ou sushi. E eu tenho uma raiva quando eu vejo propaganda de sushi na televisão, com essa tentativa de falar do sushi como se fosse pizza, né?

Sem levar em conta que o atum que está dentro do sushi, ele é um predador dos oceanos ultra importante. Ele é uma potência, ele é um peixe gigante, maravilhoso, superpoderoso, que a gente come como se fosse farinha. Como se fosse trigo. Como se fosse soja. E não é. Ele é um bicho muito importante na manutenção de toda uma cadeia de seres vivos que existe em função da presença do atum no seu ecossistema. Então eu tenho certeza de que se a gente juntar um time interessante de arquitetos, urbanistas, políticos, escritores, artistas, designers de roupa, a gente consegue sim causar grandes transformações.

Acho que a gente precisa parar de ser preguiçoso. Precisa parar de ficar achando que o problema está longe de nós, né? Eu lembro muito de... Eu fiz arquitetura, né? Sete anos numa escola de arquitetura. E a gente falava muito sobre construir, pouco se falava sobre desconstruir, e eu tinha uma aflição enorme durante os meus anos de faculdade que era, às vezes, para mim, a solução não era construir um centro cultural para trazer um bem-estar para as pessoas.

A solução era pegar o prédio existente e transformar os vidros das janelas em areia e transformar o concreto em montanhas outra vez, e a gente não falava sobre isso. A gente tinha sempre que estar propondo algo novo que envolvia transporte de caminhões por quilômetros e quilômetros de distância, que envolvia transportar o aço que a gente não sabia de onde vinha, e não levava em conta toda a energia envolvida no processo. Isso é muito poderoso.

André: Total. Nossa, muito legal muita coisa que você falou, Tamara. E eu acho que fica muito nítido o quanto falta informação para as pessoas, né? O quanto falta educação. Eu adorei quando a Bárbara disse que se envolve em projetos educacionais, que vê a importância disso. Porque, de fato, é como se a gente, e eu já falei em episódios anteriores aqui, a gente fosse acostumado a se afastar da natureza, né? Tanto que a gente fala “natureza” como se fosse algo fora da gente. A gente fala sobre meio ambiente como se fosse algo que a gente não fizesse parte.

E a gente é levado para esse lugar do conforto, como a Tamara falou, né? Do ar-condicionado, do apartamento com vista panorâmica, né? A gente é levado para isso sem pensar e, enfim, né? Sem considerar as consequências que isso traz para a gente. E eu adorei também quando você falou: “Vamos juntar um time diverso de arquitetos, filósofos, pensadores”, porque foi também um pouco do que a Bárbara disse, né?

Assim, a questão, ela é estrutural. A gente está separando aqui os episódios em temas. Então, a gente falou sobre economia circular, a gente falou sobre moda, a gente está falando hoje sobre oceano, a gente já falou sobre floresta. Mas, em todos os episódios a gente acaba falando sobre todas essas coisas porque elas estão totalmente conectadas, totalmente interligadas. E eu amei também quando você disse sobre a gente pegar as nossas paixões, aquilo que a gente é bom, aquilo que a gente gosta de fazer, e a gente colocar à serviço disso. E tem uma coisa que vejo em comum em vocês duas, e logo no início quando eu fui apresentar vocês, ao invés de falar “ativistas”, quase que eu falei “artivistas”, porque vocês duas têm um envolvimento muito grande com a arte também.

E aí, Bárbara, eu queria para você, porque falou um pouquinho sobre isso no início, né? Sobre como você usa o seu trabalho através da performance, através das instalações, através da fotografia. E eu sei também que você escreveu um livro, né: “Sete anos em sete mares”. E eu queria que você trouxesse um pouco dessa sua experiência, assim. De como que você vê o seu trabalho, a sua arte, né? Como é que você consegue conectar essas duas coisas, e qual o impacto que você acha que isso pode trazer para a causa que a gente está falando hoje?

Bárbara: Bem, primeiro que, para mim, é sempre muito importante lembrar o quanto a liberdade nos proporciona coisas maravilhosas, né? Nós somos aqui três pessoas, três seres humanos que têm a possibilidade de falar do que quer, de fazer o que quer e desenvolver projetos tão interessantes, que se não fosse essa liberdade, não seria possível. Então, fazer o que se ama, como a gente já mencionou aqui anteriormente, é fundamental, dentro das possibilidades de cada um, para que novas ideias, novos processos. Que esses processos criativos, eles se desenvolvam e, de forma estruturada, se consolidem e possam tocar também outras vidas.

A gente fala com pessoas, a gente tem audiência, então tem uma força e uma responsabilidade também muito grande. E a minha relação com o oceano começou por estar perto do mar, né, nos finais de semana, pelo menos, que eu tive na infância, mas foi uma construção. Não tive necessariamente influências ou... que pudessem me levar tão pertinho do mar assim, mas eu sempre me lembro do momento que eu acho que foi quando eu aprendi a boiar. Eu tinha seis anos de idade e eu vi aquele momento do meu corpo flutuando e aquela sensação, né? Tudo... O som das águas quebrando no meu corpo enquanto ele estava em movimento. E isso, para mim, acho que foi um momento muito mais simbólico de entender: “Ok. Eu posso fazer o que eu quiser com esse corpo. Ele pode flutuar, ele pode caminhar, ele pode pensar e ele pode criar”.

A partir dessa sensação, desse sentimento de liberdade, esse contato com a água salgada, eu acho que as habilidades foram surgindo. Porque eu não fui aquela criança que cresceu “Ah, quero ser isso”, que já sabia o que queria, né? Acho que eu sabia que eu queria trabalhar com pessoas. Eu sabia que eu queria trabalhar com criatividade. Eu queria comunicar as minhas vontades, urgências, ideias.

Então, a partir dos meus estudos, pesquisas e projetos que eu fui desenvolvendo desde nova com fotografia, posteriormente com o jornalismo e depois o cinema, as artes visuais. Então foram coisas que fui estudando, aprendendo e, principalmente, tendo a oportunidade de trocar com outras pessoas e desenvolver minha própria linguagem e minha própria narrativa. E, então, acho que a fotografia, né, veio como ferramenta inicial, e quando eu comecei a embarcar nessa luta socioambiental, porque, afinal de contas, meu primeiro grande trabalho foi na Amazônia, uma das experiências mais ricas e potentes, né? Cruzar o Atlântico todo, do sul até chegar no norte do país e aí atravessar o rio Negro-Solimões e ver a Amazônia, o cheiro da Amazônia, a arquitetura da Amazônia atravessando os meus olhos, o meu corpo e sentindo aquele calor, aquela umidade e, depois, indo para outros continentes.

Tudo isso para mim foram oportunidades muito interessantes para descobrir como é que eu poderia comunicar de um jeito direto, mas sem perder a candura. E usar a fotografia, o filme e, posteriormente, a performance artística, para mim foram elementos muito... que atravessaram muito essa sensibilidade. Já o “Sete anos em sete mares”, o meu livro biográfico, foi um grande processo, assim. Foi como renascer, porque eu peguei todas aquelas escritas de sete anos... Imagina. Depois que eu vivi aquilo tudo, eu olhei para os meus caderninhos muito assustada e eu falei: “Meu deus. É muita história, é muito sentimento, é muita dor, é muita alegria. São muitos encontros, desencontros”. E tudo isso não se vive em dias e semanas, né? Sete anos, para mim...

Tem toda uma mística desse número, né? Mas para mim tem uma importância muito grande, porque também é quando as nossas células trocam, né? A cada sete anos. Então, peguei aqueles caderninhos todos, revisitei todas aquelas memórias. E, por incrível que pareça, algumas eu tive que relembrar e acessar. Foi muito emocionante. Até nascer o livro. E foi um livro que eu tive que reescrever, né? No sentido de passar todos os meus caderninhos para o computador e tornar ele digital. Depois eu fiz uma versão de audiobook, né? Que também foi um processo de reviver a história. Então, digamos que eu vivi a história fisicamente atravessando vários mares, eu diria. Depois, escrevendo, relembrando e sintetizando isso em formato de livro até chegar num estúdio em São Paulo e gravar a versão em áudio.

Então... Acho que essa liberdade, a mesma liberdade que eu senti com o meu corpo flutuando no mar, a mesma liberdade que eu tenho de poder me expressar artisticamente, eu espero que as pessoas tenham também para poder encontrar as suas verdades dentro de realidades que a gente vive. Então, se não fosse a arte como uma grande fonte inspiradora, acho que eu não conseguiria ter a esperança para seguir em frente. Porque, ser ativista, ser uma mulher, principalmente num universo que é majoritariamente masculino, atravessar diversas partes do mundo onde existe uma dificuldade, uma certa fragilidade, eu diria, um desafio. Eu diria ali, pelo Golfo de Áden, que eu subi algumas vezes em diferentes embarcações, desde o meu veleiro próprio até com as ONGs que eu trabalhei, encontrar essas injustiças, né? De matança baleeira, por exemplo, uma campanha que eu trabalhei dois anos na Antártica. A injustiça no mar Mediterrâneo com a pesca ilegal do atum.

Então foram muitos trabalhos sólidos que me fizeram ver que se eu não usasse a poesia, a arte – seja visual ou usando o meu corpo quando eu danço, ou com as palavras quando eu escrevo –, como é que eu vou seguir essa vida? Como é que eu vou continuar a viver? Então, para mim, a minha grande fonte de esperança é poder usar essas ferramentas sem medo de dizer que, sim, sou multifacetada, tem vezes que eu vou precisar filmar, tem vezes que eu vou precisar escrever, tem vezes que eu vou precisar gritar mesmo para o mundo “Olha, não dá mais. A gente precisa mudar, e é agora, porque não tem tempo para poder levar isso para mais um ano, mais uma conferência, mais uma discussão”.

Então a gente vai ter aqui, no final do mês de junho, a conferência de oceano em Lisboa. Vamos ver aonde isso vai levar. E dentre tantos outros encontros que são extremamente essenciais, mas, como eu sempre falo: “É bom sonhar, é bom planejar, mas, melhor ainda, é executar”. É fazer com que as nossas ações, elas falem mais do que qualquer palavra.

André: Exatamente. Muito bom, Bárbara. E, Tamara, você também, né? Assim, como eu falei no início. Você apresenta um programa, você também escreveu. Você escreveu os livros “Crescer e partir”, e eu conheço o seu trabalho também de poesia, enfim, uma série de outras coisas. Me conta um pouco como é que surgiu essa conexão entre a arte e o ativismo, e o seu trabalho hoje. Como é que você vê e qual é a importância que você vê disso?

Tamara: Tive o privilégio de conseguir ter acesso a histórias do mar quando eu era muito pequena, e graças a esse privilégio eu pude desejar isso e pude construir o meu caminho em direção a isso. Mas hoje eu sinto que, talvez por um gesto muito simples que foi projetar de uma viagem para ir de um ponto ao outro e ter feito essa viagem, eu acabei conseguindo estar em contato com pessoas de muitas áreas que se interessaram por esse gesto. E, para mim, escrever ou gravar vídeos ou falar, era uma obrigação porque eu tive acesso a uma experiência que poucas pessoas jamais imaginaram poder ter um dia. Mas no campo do meio ambiente, eu acho que, enfim, eu tive uma chance imensa de poder encontrar pessoas e conversar com pessoas que são grandes referências nas suas respectivas áreas.

Eu acho que eu sei muito pouco sobre o... Eu tenho certeza que eu sei muito pouco ou quase nada sobre o tema, mas eu tenho a chance de acabar portando a voz de pessoas que sabem muito mais do que eu e com quem eu aprendo, que é o caso da Natalie Unterstell, né, do Instituto Talanoa, que fala sobre meio ambiente e políticas públicas, que é o caso do Alexander Turra e da Ilana Wainer, que são cientistas que estudam isso no seu dia a dia e que coordenam grupos de pesquisa que falam sobre diversos temas ligados a clima e oceano. E eu acho que essa é a grande graça para mim, de poder estar só no mar e descobrir que, na verdade, estou rodeada de muitas pessoas. E eu acho... Não acho, tenho certeza, que esse é um esforço global e cada pessoa que está ouvindo isso, seja a pessoa um treinador de corrida, seja a pessoa um médico, vai saber reconhecer no seu respectivo trabalho, no seu ofício, algumas posturas que não fazem mais sentido no mundo atual quando a gente tem consciência do nosso porvir e da importância da saúde do oceano na manutenção da nossa própria saúde, da nossa própria existência.

E acho que a gente tem que ser extremo nas nossas atitudes quando a gente fala do planeta. Não dá para a gente ficar esperando uma mudança gradual. Eu acho que a gente tem que ser radical quando a gente tem o poder de sê-lo.

André: É isso. Em cada coisa que a gente faz, a gente tem a chance de fazer de um jeito um pouco melhor, de um jeito mais consciente e a consequência volta para a gente mesmo, né?

André: “O que você faz importa” é uma campanha da National Geographic Brasil que tem como objetivo engajar e conscientizar as pessoas sobre a importância das suas ações, bem o que a gente estava falando agora. Esse é o nosso bloco de encerramento, e a gente sempre vai encerrar trazendo dicas do que a gente pode fazer na prática. Hoje eu vou falar sobre conservar, porque como deu para perceber aqui ao longo da nossa conversa, para cuidar do oceano é preciso cuidar também de todo o entorno. E todo o entorno sofre as consequências do que acontece no oceano.

São muitas as coisas na nossa vida que impactam na saúde e na qualidade das águas e das espécies marinhas. Vale recusar plásticos de único uso que correm o risco de parar no fundo do mar. Vale participar de campanhas para projetos de leis de preservação e conservação de corais e manguezais. Se engajar em ONGs, como a gente falou aqui no início. Tem um monte de coisa que a gente pode fazer. Agora, teve uma coisa que eu soube recentemente e que eu fiquei muito impressionado. Além de tudo isso, você sabia que as pontas de cigarro são o resíduo mais descartado no mundo?

Sendo assim uma das maiores fontes de poluição oceânica? Pois é, segundo o PNUMA, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, são 4,5 trilhões a cada ano, e 95% dos filtros de cigarros são compostos por componentes plásticos de difícil degradação. As chamadas “bitucas”, quando jogadas no chão, elas podem ser levadas para o oceano através de bueiros e de córregos. Então, se você é fumante, cuide da sua bituca para ajudar a limpar e a conservar os oceanos.

André: Bom, é isso pessoal. Esse foi o nosso quarto episódio, de uma temporada de sete, e vale muito a pena para quem não ouviu, voltar para ouvir os episódios anteriores. Não precisa ser na ordem, mas vale ouvir todos, de verdade, porque eles foram realmente muito incríveis. Vale lembrar que no site natgeobrasil.com, você encontra mais informações sobre ciência, viagem, história e meio ambiente. Segue a gente nas redes sociais @natgeobrasil, o meu é @carvalhando e o das nossas convidadas é @barbaraveigaofficial com dois Fs, e @tamaraklink com K. E, é claro, segue o perfil do Nat Geo Podcast aí na sua plataforma de streaming preferida, para você saber sobre os novos episódios, que serão lançados quinzenalmente, sempre às terças-feiras. Muito obrigado, meninas, pela participação de vocês. Foi ótimo.

Tamara: Muito obrigada, André. Muito obrigada, ouvintes.

Bárbara: Obrigada, André. Obrigada, ouvintes, também. Que bom a gente ter essa oportunidade de trocar aqui. Que venham mais e mais encontros para a gente dar voz ao oceano e toda forma de vida.

André: É isso, pessoal. Muito obrigado e até a próxima.

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