Dia Mundial da Reciclagem: a quem pertence nosso lixo?

Milhões de pessoas em todo o mundo ganham a vida coletando recicláveis e revendendo-os, o que possibilita o gerenciamento de resíduos. Apesar da importância dos catadores, eles não têm os mesmos direitos que outros trabalhadores.

Por Jessica Wapner
Publicado 17 de mai. de 2023, 10:11 BRT
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Plásticos e outros materiais reciclados proporcionam renda para 56 milhões de pessoas em todo o mundo. Chamados de catadores de lixo, esses trabalhadores evitam que quantidades incontáveis de plástico e outras formas de lixo acabem em aterros sanitários em todo o mundo. A importância dos catadores de materiais recicláveis é tão grande que os governos estão começando a reconhecer seu valor para a sociedade e a conceder a eles os mesmos direitos de outros tipos de trabalhadores.

Foto de David Guttenfelder Nat Geo Image Collection

Quem é o dono do nosso lixo? Essa é uma pergunta que os catadores de materiais recicláveis de todo o mundo estão fazendo ao se unirem para lutar por sobrevivência. O que jogamos fora, eles insistem, deve ser acessível a todos.

Em todo o mundo, cerca de 56 milhões de pessoas coletam e revendem o metal, o vidro, o papelão e o plástico que o restante de nós joga fora. A Suprema Corte dos EUA determinou, em 1988, que o lixo doméstico é propriedade pública quando colocado no meio-fio. Isso permite que a polícia vasculhe o lixo em busca de provas criminais, mas essa proteção nem sempre se estendeu às pessoas que coletam materiais recicláveis.

E em lugares como Nova York, onde estão sendo testadas lixeiras municipais trancadas  para esconder o lixo de ratos, os catadores de lixo estão sendo privados de uma renda sustentável. "Essas lixeiras são explicitamente inacessíveis", diz Ryan Castalia, diretor executivo da Sure We Can, um centro comunitário e de reciclagem sem fins lucrativos no Brooklyn. "Há valor no lixo, e acreditamos que esse valor deve pertencer às pessoas, não à cidade ou às corporações."

A jornada de uma catadora de materiais recicláveis

Quando Josefa Marin migrou do México para Nova York, em 1987, ela sustentava sua filha com os 140 dólares por semana que ganhava limpando pisos em uma fábrica de moletons. Ela começou a coletar materiais recicláveis para complementar a renda, trocando latas por cinco centavos cada no supermercado local.

Logo começou a percorrer o Brooklyn com um carrinho nos fins de semana, vendendo os vasilhames para intermediários que os trocavam por dinheiro nos centros de reciclagem. Quando perdeu o emprego no final dos anos 2000, ela se tornou recicladora em tempo integral, sustentando seus quatro filhos com os 80 dólares que ganhava por dia.

A recicladora Josefa Marin no Sure We Can, um centro de reciclagem sem fins lucrativos no Brooklyn. Chamados por algumas pessoas de profissionais de garrafas, eles coletam recicláveis, devolvem-nos e cobram cinco centavos.

Foto de John Minchillo AP Images

A história de Marin não é a única. A cidade de Nova York não registra o número de pessoas que vivem da coleta de lixo, mas uma estimativa aproximada aponta para cerca de 8 mil pessoas. A Sure We Can atende a cerca de 1200 catadores de lixo, que resgatam cerca de 12 milhões de latas por ano, gerando cerca de 800 mil dólares para a comunidade.

Reciclagem, um trabalho vital

Os catadores de materiais recicláveis evitam que milhões de recicláveis sejam enviados para aterros sanitários todos os anos. Em Nova York, o departamento de saneamento coleta apenas 28% das latas que poderiam ser recicladas. Essa porcentagem cai para 5% com o plástico, incluindo garrafas de água.

Em países sem sistemas formais de gerenciamento de resíduos, o papel dos catadores é ainda mais vital. Em alguns países da América Latina, até 96% dos resíduos reutilizáveis acabam em aterros sanitários porque não há programas de reciclagem. Em vez disso, os catadores de lixo fazem o trabalho, ganhando apenas o que as indústrias locais pagam pelos materiais. 

"É um serviço gratuito" para os governos locais, diz Sonia Dias, especialista global em resíduos da Wiego, uma organização internacional de defesa das mulheres trabalhadoras. No entanto, a maioria dos governos não reconhece a legitimidade da coleta de lixo e, sem proteção legal, os catadores não contam com a garantia do acesso público ao lixo.

Veja a recente iniciativa na cidade de Nova York, por exemplo. A pandemia atingiu duramente o departamento de saneamento. Os lockdowns transferiram o lixo dos prédios de escritórios para as residências e o lixo se acumulou. Acrescente a isso as refeições ao ar livre, e o resultado é uma praga de sacos de lixo empilhados e os bichos que eles atraem. A mudança para contêineres grandes e trancados com cadeado tornou o lixo acessível apenas aos funcionários do saneamento da cidade.

Até o momento, as autoridades municipais não reconheceram o direito do público ao lixo. O porta-voz Vincent Gragnani disse que o departamento de saneamento não se opõe à troca de latas e garrafas por particulares "para pagar as contas". No entanto, o departamento não quis comentar se o lixo é público ou privado.

Um dos maiores geradores de resíduos

A falta de proteção para os coletores de lixo tem suas raízes nas origens da coleta de lixo, diz Lily Baum Pollans, professora de política e planejamento urbano no Hunter College, nos Estados Unidos.

No final do século 19, os moradores das cidades norte-americanas jogavam carcaças de animais, cinzas, trapos e seus próprios resíduos nas ruas e nos rios locais, o que acabou gerando uma crise de saúde pública que levou as prefeituras a criar equipes dedicadas à coleta e remoção de lixo.

Em São Francisco, os Sunset Scavengers, originalmente um grupo informal de trabalhadores, formaram uma corporação em 1921. A cidade de Nova York formalizou o gerenciamento de resíduos em 1896.

O gerenciamento de resíduos financiado pela cidade sempre teve como objetivo a limpeza, não a criação de empregos, observa Baum Pollans. As prefeituras que já pagam os trabalhadores do setor de saneamento não têm incentivo para reconhecer oficialmente ou apoiar financeiramente os catadores de lixo quando já existe uma força de trabalho qualificada.

Reconhecidos ou não, os catadores de materiais recicláveis há muito tempo são tratados com desdém. Marín se lembra de uma ocasião em que uma pessoa que morava ao lado de um prédio onde ela coletava latas jogou água nela, gritou insultos racistas e mandou que ela fosse embora. "Só porque eu reciclo não significa que eu seja menos pessoa do que qualquer outra", diz ela.

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    Separadores em uma instalação de triagem de plástico dividem os itens plásticos por cor antes de enviá-los a outras cidades para serem transformados em pellets.

    Foto de Sara Hylton Nat Geo Image Collection

    Os países da América Latina estão começando a reconhecer isso. O Brasil classificou a coleta de lixo como uma ocupação oficial em 2001. Em 2009, o Tribunal Constitucional da Colômbia concedeu o direito de coletar e trocar resíduos valiosos. Na Argentina, os catadores de materiais recicláveis elaboraram um projeto de lei no início deste ano que tributaria as empresas que fabricam produtos descartáveis, sendo que a maior parte dos fundos seria destinada aos catadores de materiais recicláveis e a outros coletores informais de materiais recicláveis.

    Os EUA também estão se atualizando lentamente, embora com foco em forçar as empresas a cobrir o custo do descarte dos resíduos que produzem. Em julho de 2021, o estado do Maine obrigou os produtores a pagar uma taxa de embalagem. Oregon e Colorado também têm leis de "responsabilidade estendida do produtor". E em outubro de 2022, a International Alliance of Waste Pickers, uma organização de defesa dos recicladores informais, promulgou seu primeiro estatuto. Marin estava entre os redatores e também faz parte da diretoria da Sure We Can.

    Alguns governos estão começando a entender que a proteção ambiental e a humanidade andam de mãos dadas. A Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, por exemplo, exige o fim da pobreza e de todos os riscos que a acompanham. "A ideia é não deixar ninguém para trás", destaca Dias.

    A eliminação da pobreza também poderia eliminar completamente a necessidade de coleta de lixo. "Em meu sistema ideal, temos uma rede de segurança realmente forte para que as pessoas não precisem depender de cinco centavos", reflete Baum Pollans.

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