Qual é o resultado da COP30 do Brasil na Amazônia? Especialistas explicam o veredicto em 5 pontos-chave
National Geographic esclarece temas que ganharam destaque com o encerramento da conferência de Belém, como o mapa do caminho em relação aos combustíveis fósseis e os passos do financiamento para a adaptação climática.

Vista feita de drone, desde a Ilha do Combu, com a cidade de Belem ao fundo. A Ilha do Combu é a quarta maior ilha das 39 que compõem a região insular da cidade de Belém do Pará. A população local é composta, em geral, por ribeirinhos e as atividades econômicas estão concentradas principalmente no turismo/lazer e no extrativismo.
A COP30 do Brasil, em Belém, em plena Amazônia, encerrou-se em 21 de novembro com as 195 partes integrantes da conferência aprovando o chamado “Pacote de Belém”. O documento reuniu 29 decisões aprovadas por consenso entre os países e inclui temas como a transição justa para deixar o uso de combustíveis fósseis; bem como o compromisso de triplicar os valores destinados à adaptação climática até 2035 – ainda que a maneira como isso será feito não tenha sido detalhada.
"Ao sairmos de Belém, esse momento não deve ser lembrado como o fim de uma conferência, mas como o início de uma década de mudança", disse o diplomata André Corrêa do Lago, presidente da COP30 do Brasil. Mesmo assim, uma ausência foi bastante notada no documento final da conferência: a menção ao uso de combustíveis fósseis, notoriamente o maior causador do aquecimento do planeta e da atual crise climática.
O planejamento para a redução do uso dos fósseis era o objetivo do Mapa do Caminho – mas a integralidade deste assunto ficou de fora dos compromissos acordados e ele deve ser negociado em eventos paralelos – como o que está previsto para ocorrer em Santa Marta, no Caribe colombiano, em 28 e 29 de abril de 2026, e que vem sendo chamado de COP Paralela.
O evento será organizado pela Colômbia, em parceria com o governo da Holanda, e pretende avançar nas discussões sobre o uso dos combustíveis fósseis para que o assunto chegue mais definido para a COP31, a ser realizada na Turquia em novembro de 2026.
Para esclarecer mais sobre os resultados primeira Conferência das Partes realizada na América do Sul – e também a primeira a ser feita na Amazônia, National Geographic Brasil conversou com Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima (maior rede da sociedade civil brasileira com atuação na agenda climática), e com Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam (organização internacional de combate à pobreza e desigualdade social) no Brasil, e que possui larga experiência em educação e justiça social. Confira.
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Visitantes passeiam pelo corredor da Zona Verde na 30ª Conferência das Partes (COP30) em Belém.
Fracassada ou bem sucedida: qual foi o balanço da COP30?
Viviana Santiago: “O resultado da COP30 provoca sentimentos muito contraditórios. A gente consegue ter, ao mesmo tempo, decepção e frustração, e também sentir esperança com o que foi conquistado aqui. E eu estou sendo intencional na palavra conquistado, porque quando se pensa na menção aos afrodescendentes, no reconhecimento dos povos indígenas – que têm uma atuação fundamental para a preservação das florestas – e na demanda por consentimento dos povos indígenas, bem como ter mecanismos de transição justos, nada disso caiu do céu. Acho que se não fosse a presença de resistência da sociedade civil, dos povos indígenas e demais povos tradicionais, imagino que o resultado teria sido muito pior. Mas tenho a leitura de que, quando a gente fala que a COP foi um fracasso, isso é injusto com as pessoas e com os movimentos, com países, negociadores e movimentos que estiveram em todo esse percurso pautando e empurrando a resistência”.
Claudio Angelo: “A COP30 entregou o que ela podia entregar em um momento em que a cooperação internacional está no nível mais baixo desde o final da Guerra Fria, então, não era possível neste planeta a conferência avançar além do que ela avançou. Mas não dá para dizer que os avanços foram consideráveis, porque a gente continua num mundo que está no rumo de aquecer mais de 1,5ºC, e não tem nada muito firme nos resultados da COP30 que nos tire dessa trajetória”.

Uma das últimas sessões plenárias do encerramento da 30ª Conferência das Partes (COP30) no centro de convenções armado em Belém, no Pará.
O Mapa do Caminho e a diminuição no uso dos combustíveis fósseis
Viviana Santiago: “Não ter avançado na discussão de combustíveis fósseis é muito preocupante, porque dá a sensação de que os países não sentem a urgência. De todas as formas, a própria presidência da COP brasileira se comprometeu a retomar esses conteúdos no ano que vem e também haverá a conferência na Colômbia. Não tem a mesma força do que é acordado em uma COP, não é o que a gente esperava, mas tem que continuar insistindo. De todas as formas, eu saio do evento com muita esperança de que a gente possa furar as bolhas e levar para mais pessoas o significado da discussão climática”.
Claudio Angelo: “A gente esperava sair de Belém com algum avanço, qualquer decisão, por menor que fosse, com relação aos combustíveis fósseis, e criar um grupo de trabalho que pudesse nos conduzir ao início da implementação daquela decisão de Dubai de fazer a transição. Isso foi tentado em algum momento pela presidência brasileira, de inserir essa questão no texto, mas o tema acabou derrotado na negociação. Por outro lado, agora o assunto ganhou muito impulso político e falar dos combustíveis fósseis se tornou incontornável – os países não vão poder mais varrer para debaixo do tapete, fingir que não existe. No começo da COP30 a gente tinha apenas um único país interessado nesse ‘Mapa do Caminho’ e chegamos no final do evento com 82 países dizendo que apoiavam – além de uma conferência marcada para a Colômbia em abril de 2026 para levar essa agenda adiante”.

A líder indígena Vanda Witoto participa de cerimônia para assinar a delimitação de terras com a Fundação Nacional do Índio e comemorar os decretos que declaram e ratificam terras indígenas na 30ª Conferência das Partes (COP30).
Os passos do financiamento para a transição energética e para a adaptação climática
Viviana Santiago: “Mesmo que a gente avance na implementação para o financiamento com a adoção dos indicadores de adaptação, não ter clareza sobre como será feito é muito insuficiente. Como é que a gente vai, de fato, poder implementar esses projetos nos países do sul global, por exemplo? Então, essa ausência sobre o financiamento concreto é uma lacuna muito significativa e o ideal é aumentar a contribuição dos países do norte global para para se fazer a transição energética”.
Claudio Angelo: “O que teve aqui foi a decisão de triplicar o financiamento para a adaptação – só que isso está explicitamente referido dentro das NCQG (Novo Objetivo Quantificado Coletivo de Financiamento Climático, ou New Collective Quantified Goal, em inglês), um marco global de financiamento climático que busca definir o valor de recursos que países desenvolvidos devem mobilizar para ajudar nações em desenvolvimento a enfrentar a crise climática. Ele foi acordado na COP29, em 2024, e sua meta inicial é de US$300 bilhões por ano até 2035. Mas é formado basicamente de empréstimos e outras modalidades de financiamento que não servem para adaptação: ela precisa ser feita com doação e dinheiro concessional, senão aumentará a dívida dos países.

Reunião plenária de encerramento da 30ª Conferência das Partes (COP30).
A importância de se realizar uma COP em plena Amazônia
Viviana Santiago: “Fazer uma COP no território amazônico eu acho que materializa para uma parte significativa desses negociadores que talvez dialoguem, há tantos anos, sobre a importância da Amazônia, sem terem tido a oportunidade de estar na floresta. Eu acho que sentir o bioma e estar numa cidade, em um território humano dentro desse bioma, também materializa uma ‘outra Amazônia’. Como as pessoas diziam lá em Belém, ‘venham conhecer as Amazônias aqui', porque é um universo e ter a presença dos povos indígenas traz para as pessoas um nível maior de conexão com a realidade. Isso tem um potencial de sensibilização muito grande”.
Claudio Angelo: “Olha, eu costumo chorar nas COPs e essa é a primeira em que eu não chorei em, sei lá, dois ou três anos. Eu não sei se isso é muito termômetro de alguma coisa ou se é só o fato de eu estar exausto, mas eu não me sinto tão desesperado como eu me sentia em Dubai e em Baku. Acho que foi super importante a participação social, a movimentação dos povos indígenas. Houve uma marcha no último sábado (22) que reuniu 50 mil pessoas em Belém – e não é fácil você fazer marcha por lá, é um calor insuportável. Mas isso mostra que essa agenda importa. O protesto pacífico dos indígenas Munduruku na porta da COP, que acabou levando a negociação para a demarcação de suas terras, é outra vitória. Foi o maior número de indígenas participando na história das COPs, e eles lá – fazendo pressão – foi algo super importante.
“No começo da COP30 tinha apenas um único país interessado no 'mapa do caminho' dos combustíveis fósseis. Chegamos no final do evento com 82 países dizendo que apoiavam.”
Para a COP31: os tópicos que devem ser mandatórios na próxima conferência
Viviana Santiago: “Dois temas devem ser essenciais: que a gente possa ter recursos para a adaptação climática não na forma de empréstimos – que aumentam a dívida dos países –, mas como grants (ou seja, de fundos e doações de países desenvolvidos para países em desenvolvimento), de forma a aumentar o financiamento climático e a ampliação de recursos. E um segundo ponto é pensar no plano, no tal “mapa do caminho”, para esse “phase out” dos combustíveis fósseis, ou seja, para o progressivo encerramento de seu uso. Não é possível que a gente saia sem nenhuma menção aos combustíveis fósseis, algo que é incontornável para a humanidade. Já não tem mais tempo para esperar”.
Claudio Angelo: “Combustíveis fósseis, financiamento público e respostas a NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, são metas e compromissos que cada país assume no âmbito do Acordo de Paris). Tudo isso e mais os mecanismos que foram criados em Belém são os mandatos que ficam para a COP31 avançar”.
*As entrevistas foram feitas por Luciana Borges, Editora Sênior de National Geographic Brasil e LATAM.