Embarcações à vela na Polinésia estão sendo usadas para recolher microplástico

Habitantes de ilhas no Pacífico estão se unindo para chamar a atenção às toneladas de lixo plástico que chegam às costas antes intocadas.

Por Marcus Eriksen
Publicado 18 de jun. de 2018, 11:24 BRT, Atualizado 27 de nov. de 2024, 11:15 BRT
Castlepoint, na Ilha Norte da Nova Zelândia, oferece uma vista deslumbrante.
Castlepoint, na Ilha Norte da Nova Zelândia, oferece uma vista deslumbrante.
Foto de John Alexander, Robert Harding, National Geographic Creative

Ondas de um mar agitado, cortesia do ciclone Gita, batem nas laterais de nossa embarcação tradicional polinésia de casco duplo, conhecida como waka na língua maori. Com tripulação a bordo formada por 12 membros da comunidade maori e três cientistas, incluindo eu, a waka Te Matau a Maui segue ao longo da costa leste da Ilha Norte da Nova Zelândia até a capital, Wellington, para participar da internacional Waka Odyssey. Mas o ciclone Gita está no nosso caminho.

Somos uma entre diversas wakas em uma flotilha, uma delas vindo de Samoa, a 3,2 mil quilômetros de distância, para promover a importância das expedições marítimas na cultura polinésia. Mas as sociedades navegantes polinésias também lideram cada vez mais as questões conservacionistas, da pesca excessiva e mudanças climáticas à poluição plástica

Aqui na Nova Zelândia, estou participando do Pure Tour para documentar a quantidade de plástico em águas costeiras e palestrar em toda a Ilha Norte sobre lixo zero, assegurando que o conhecimento indígena guie a política de conservação. Para mim, esta viagem de waka é uma oportunidade para estudar a poluição de microplásticos ao lado de conservacionistas maoris.

Sou diretor de pesquisas no 5 Gyres Institute, em Los Angeles, nos Estados Unidos, uma organização que cofundei há uma década para estudar e resolver o problema de plásticos no oceano. Giros oceânicos são correntes rotativas que cobrem bacias oceânicas inteiras acima e abaixo do Equador, como o Giro Subtropical do Pacífico Norte, que corre do Japão à Califórnia, fazendo um grande desvio quando a corrente chega à costa e passando então pelo Havaí de volta ao Japão, em um ciclo de cinco a seis anos.

Duas wakas tradicionais de casco duplo, a Te Matau a Maui (esquerda) e a Haunui (direita), ...
Duas wakas tradicionais de casco duplo, a Te Matau a Maui (esquerda) e a Haunui (direita), navegam no oceano.
Foto de one-image photography, Alamy Stock Photo

Após liderar diversas expedições pelos cinco giros subtropicais do planeta, vi o impacto que o plástico tem na vida marinha. Em 2015, publicamos a primeira estimativa da quantidade de plástico flutuante no mundo: há mais de 250 mil toneladas dele.

 Mais de 90% dos fragmentos são menores que um grão de arroz, criando algo mais parecido com uma névoa de microplásticos do que uma massa consolidada. A prevenção do problema começa rio acima, onde empresas decidem quais produtos e embalagens criar, e os consumidores escolhem o que comprar. Quando eliminamos plásticos descartáveis de uso único, como sacolas e canudos, temos resultados duradouros.

Mas, agora, a bordo do Te Matau a Maui, estamos focados no ciclone, e a segurança da tripulação vem em primeiro lugar. Com certo lamento, voltamos ao porto de origem da embarcação em Napier.

Apesar do contratempo, tivemos sucesso com a ciência, enquanto continuamos a baixar nossa rede à água para coletar microplásticos na superfície do oceano. O instrumento parece uma arraia de alumínio com asas flutuantes e uma boca de 60 centímetros. A rede é mais fechada que a trama do tecido de sua camiseta. 

Coletamos 15 amostras até o momento e, como as milhares de amostras que coletamos em todo o mundo, elas formam um caleidoscópio de confetes multicoloridos que aparecem em meio aos detritos habituais de algas, insetos e zooplâncton. Arrastamos a rede vagarosamente para que até o menor dos peixes consiga escapar. As concentrações de plástico são maiores perto de cidades, onde sacolas, canudos, garrafas e copos plásticos acabam abrindo caminho até o mar.

O Pure Tour é um projeto criado pela Tina Ngata, também conhecida como a maori “Zero Plástico”. Ela é uma mistura poderosa de conservacionista com ativista dos direitos indígenas. Seu moko, uma forma tradicional de tatuagem, inclui as imagens de duas baleias que caem dos cantos de sua boca até seu queixo. 

Quando a perguntei sobre seu moko, ela preferiu contar uma história: “Navegamos há alguns meses mar adentro para confrontar um enorme navio de pesquisa que estava conduzindo testes sísmicos em águas profundas na tentativa de descobrir depósitos de petróleo inexplorados. Informamos a embarcação que, embora houvessem obtido a aprovação do governo, eles não tinham a aprovação dos maoris, que eles não eram bem-vindos em nosso território, e para esperarem mais resistência”. Ela disse que eles estavam protestando a pesquisa em nome “das baleias, golfinhos e todos aqueles que vivem debaixo das ondas, nossa whanau (família) do oceano”.

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    As culturas polinésias cultivam uma relação próxima com outras formas de vida, e entre eles. Sociedades navegantes fazem uso de um vasto conhecimento da navegação astronômica, das migrações e padrões da vida selvagem, e dos ventos e ondas para se encontrarem na vastidão das águas.  

    Como Lavatai Lauaki Afifimailagi, ancião da Samoan Voyaging Society, disse à tripulação da waka antes de partirmos: “Embora nossas ilhas estejam separadas por quilômetros de oceano, somos todos polinésios”.

    Mas o mesmo oceano que conecta toda a Oceania também contribui para a poluição plástica. Nossa pesquisa publicada aponta que mais de 100 mil toneladas de plástico flutuam apenas no Pacífico, onde boa parte dele faz seu retorno à costa longe de seu ponto de origem. 

    Em 2017, pesquisadores descobriram um caixote de pesca em Rapa Nui (Ilha de Páscoa) que navegou mais de 6 mil quilômetros desde sua origem no sul do Pacífico.

    Em toda a Aotearoa (nome maori para a Nova Zelândia), soluções estão surgindo. O Pure Tour começou com uma visita à Raglan, na costa oeste da Ilha Norte, para visitar o projeto Xtreme Zero Waste. O local inclui uma montanha de compostagem, fileiras de minhocários, uma oficina de restauração de eletrodomésticos e móveis, um depósito de sucata de madeira e metal, uma biblioteca de livros reciclados, um brechó e um local para reciclar vidro, metal, papel e plástico. A escala da eficiência da empresa levou ao fechamento do aterro sanitário local há alguns anos, e a organização agora orienta outras comunidades.

    Mais ilhas estão adotando a filosofia de lixo zero. Em Rapa Nui, no Chile, viajantes reabastecem suas garrafas d’água reutilizáveis em estações de água espalhadas por toda a ilha. No Havaí, Estados Unidos, um projeto de lei para banir embalagens de alimentos de isopor está sendo discutido. 

    A filosofia do lixo zero aplica-se também aos indivíduos. Viajar com pouca bagagem e sem plástico é essencial. O melhor conselho? Escolha os reutilizáveis e busque alternativas para o plástico.

    Alguns dias depois da Waka Odyssey, na doca em Wellington, viajantes polinésios reuniram-se atrás de uma enorme faixa que dizia: “proíbam as sacolas”. Eles marcharam em direção ao Parlamento com uma petição em mãos assinada por 65 mil cidadãos em apoio à proibição de sacolas plásticas descartáveis de uso único. Nos degraus do Parlamento, fiquei ao lado de Afifimailagi, o ancião samoano. Ele olhou em volta para a multidão. “Somos todos navegantes” ele disse. “O que você carrega com você e o que deixa para trás definem quem você é”.

    Marcus Eriksen é cientista ambiental, educador e cofundador do 5 Gyres Institute, que estuda a poluição plástica.

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