Para homenagear um elefante, templos indianos estão deixando de utilizar plástico

Templos hindus no sul da Índia assumiram uma nova posição em relação ao uso de plásticos não recicláveis. Outras crenças estão seguindo o mesmo caminho.

Por Maanvi Singh
Publicado 11 de out. de 2018, 14:49 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um menino segura uma sacola plástica para receber arroz distribuído como oferenda pela autoridade do templo ...
Um menino segura uma sacola plástica para receber arroz distribuído como oferenda pela autoridade do templo no festival de Annakut, em Kolkata, na Índia. Muitos locais religiosos no país estão tomando providências para reduzir o uso de plástico.
Foto de Rupak De Chowdhuri, Reuters

TRIVANDRUM, ÍNDIA Não há consenso entre os estudiosos sobre quando, exatamente, o Templo Aranmula Parthasarathy foi construído, embora haja evidências de que exista, desde o século 8, neste pedaço de terra no sul da Índia, um templo em homenagem a Krishna, divindade Hindu conhecida por ter derrotado o demônio.

Por centenas de anos, o templo parece ter absorvido objetos e lembranças de quase todos os anos de sua existência. Há murais do século 18 e deepam de bronze - lampiões de quase cem anos de idade -, bem como cadeiras de jardim desbotadas compradas em algum momento no início do século e adereços de ouro de um festival realizado no último inverno.

A mais nova aquisição: Avisos em letras negritadas, impressos em papel A4, colados por todo o santuário interno do templo. Esses avisos dizem: "Dentro do templo, é proibido usar celular, câmeras e sacolas de plástico".

Descumpra as regras e poderá ganhar olhares reprovadores de um dos doze aposentados ou mais que passam a maior parte de seus dias aqui, ou ser abordado por um sacerdote ou administrador que educadamente o informará que Aranmula é um dos 1.058 templos no estado de Kerala, sul da Índia, que tomou a decisão de eliminar o uso de plástico este ano.

"Estamos tentando voltar aos tempos de antigamente, quando não éramos ameaçados pelo plástico", diz A. Padmakumar, morador da vila de Aranmula e presidente do Conselho Travancore Devaswom, órgão administrativo que supervisiona todos os 1.058 templos. A ideia de aos poucos ir diminuindo o uso de plástico nos templos de Kerala foi ideia sua, embora ele diga que líderes religiosos defendem a eliminação desse material há anos.

E essa iniciativa está totalmente alinhada à política nacional: em junho, o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou planos para eliminar o uso de plástico não reciclável no país até 2022. Diferentes estados em todo o país, incluindo Kerala, já iniciaram a retirada gradual, ou a proibição total, de determinadas formas do material.

Porém, convencer 1,3 bilhão de indianos a abrir mão da praticidade do plástico não será fácil, diz Padmakumar. "Apenas seis meses depois da proibição, já estamos enfrentando grandes dificuldades. Fazer o bem é difícil", ele diz.

"E é por essa razão que esse trabalho precisa começar nos templos - que são os nossos centros de cultura". Se tiver algo que convença os indianos a desistirem do plástico, ele acredita ser o amor por Deus, e o medo dele.

Parabhrama ou plástico?

Atualmente, há algo assustadoramente artificial e chocante sobre o plástico, diz Thantri Suryakalady Jayasuryan Bhattathiripad, um pujari, ou sacerdote no templo Mangaladevi, no norte de Kerala. "Eu também sou agricultor. E é triste ver embalagens plásticas bem antigas saindo do solo quando vou arar a terra", ele diz. "Até mesmos símbolos e marcas ainda podem ser lidos na embalagem - é como se fosse uma substância imortal".

Rindo, ele complementa: "Até onde eu sei, apenas Parabhrama — o Ser Supremo — pode durar para sempre!"

O problema é que os rituais hindus podem envolver dezenas e dezenas de coisas: cânfora e incenso para purificar o ar; manteiga, leite e água de rosas para serem oferecidos ao santuário; óleo para abastecer os tradicionais lampiões; cúrcuma e sândalo em pó para ser aplicado na testa e abrir o terceiro olho de alguém. E, hoje em dia, tudo isso vem embalado em plástico, diz Aneesh Mon, que vende suprimentos aos devotos em uma pequena barraca localizada na entrada no templo Aranmula.

Em princípio, ele diz, ele concorda totalmente com as novas regras do templo. "Mas como será possível se tudo vem embalado em plástico?".

Mon já fez algumas mudanças desde que o compromisso entrou em vigor em janeiro. Seus práticos "kits pooja", que incluem frutas e lanches a serem oferecidos aos deuses, são agora vendidos em pratos biodegradáveis e reutilizáveis, feitos de folhas secas de palmeira e não de plástico. Porém, as minigarrafas de óleo e água de rosas ainda são de plástico. "É assim que são fornecidas pelas empresas", comenta ele. "Contudo, estamos trabalhando com os fornecedores para encontrar alternativas".

Ao longo dos últimos meses, ele teve algumas conversas frustrantes: com a empresa que fornece água de rosas, perguntando se era realmente necessário envolver as garrafas de plástico em uma camada adicional de plástico filme, e com a empresa que fabrica o incenso, pedindo que considerassem embalagens de papel. E ainda convencer seus clientes a pagarem mais cinco rúpias pela cânfora embalada em papel. "Eles dizem que as cinco rúpias farão diferença se vierem ao templo com frequência".

Até o próximo ano, com a ajuda dos administradores do templo, ele espera começar a comprar óleo em grandes quantidades e distribuí-lo em pequenos recipientes de barro ou aço para os devotos, um sistema já adotado por alguns templos da região. Outros templos já evitam totalmente o uso de embalagens ao produzir sua própria água de rosas e obter óleo de pequenos produtores locais.

O problema é que artigos produzidos em massa e embalados em plástico são mais baratos e fáceis, diz ele. "Hoje em dia, não conseguimos nem pensar em um mundo sem plástico".

A morte de um elefante

A necessidade de imaginar e aceitar um mundo sem plástico está cada vez mais urgente, diz Thirumeni Rajeevararu, o sacerdote encarregado em Sabarimala, um santuário dedicado ao deus hindu Ayyapan, no coração da Reserva de Tigres em Periyar, Kerala.

Em janeiro, um elefante de 20 anos de idade morreu em Periyar após consumir parte do lixo descartado por dezenas de milhões de peregrinos de Sabarimala, que percorrem, a cada inverno, mais de 32 quilômetros em uma densa floresta para chegar ao santuário.  Um exame de necropsia revelou que uma grande quantidade de plástico havia obstruído o intestino do animal, causando hemorragia interna e falência dos órgãos. Guardas florestais também encontraram uma sacola de plástico completamente intacta em um monte de fezes.

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    "A morte do elefante em Periyar me incomodou bastante", diz Rajeevararu. "Os elefantes são importantes para os templos" - estão metafisicamente conectados a Ganesh, o deus hindu da sabedoria que possui cabeça de elefante.

    "Mas, não se trata apenas dos elefantes. Outros animais também morreram após terem ingerido plástico", complementa ele. Esses animais incluem cervos e aves, de acordo com a Thanal, uma organização ambiental local sem fins lucrativos.

    "Deus está na natureza", diz Rajeevararu. "Então considero nosso dharma, nosso dever, parar de usar plástico".

    Abrindo mão do plástico em nome de Deus

    Líderes religiosos em Sabarimala estão tentando eliminar o uso de plástico há cinco anos. "Estamos fazendo o melhor para implementar uma proibição total", diz ele, embora não tenha sido fácil.

    Dezenas de milhões de peregrinos carregam garrafas d'água e todos os tipos de lanches, normalmente embalados em plástico, e tendem a guardar suas coisas em sacolas de plástico. Há pontos designados para o descarte de lixo e, nos últimos anos, um grupo de voluntários atua na trilha de Periyar para ajudar a coletar e controlar o lixo produzido pelos peregrinos. Contudo, até mesmo centenas de voluntários são poucos para os milhões que caminham na floresta.

    Para convencer os peregrinos a deixar o plástico em casa no próximo inverno, Sabarimala buscou ajuda do governo estadual e de organizações locais sem fins lucrativos para financiar e lançar uma extensa campanha pública de conscientização, disseminando um evangelho sem o uso de plástico por meio de gurus e outros líderes religiosos na região.

    Thantri Suryakalady está confiante de que a iniciativa será bem-sucedida. "Está claro que os pregadores, astrólogos, sacerdotes, que somos nós, que convenceremos as pessoas a desistirem do plástico", diz ele. "Para o bem ou para o mal, as pessoas acreditam na gente. Elas acreditam em suas instituições religiosas".

    Na verdade, instituições religiosas de todos os credos na Índia se juntaram para combater a poluição do plástico. Notavelmente, em abril, o Templo Dourado, o templo mais sagrado para os Sikhs indianos, em Amritsar, proibiu sacolas de plástico.

    Em Kerala, igrejas e mesquitas assumiram a mesma posição.

    No Palayam Juma Masjid, em Trivandrum, capital do estado de Kerala, Imam Suhaib Moulabi disse que foi fácil obter ajuda de sua comunidade. "Acreditamos em vida após a morte: Há o céu e há o inferno", explica ele. "Eu digo ao meu povo: se vocês poluem a Terra, terão que responder as perguntas de Deus após a morte. Deus perguntará: Por que você incomodou a Terra?"

    E a menos que tenham uma boa resposta, "eles correm o risco de irem para o inferno". É duro, mas eficaz, diz Moulabi. Esse ano, sua mesquita eliminou todo tipo de plástico durante o Ramadã, servindo centenas de refeições iftar aos adoradores em pratos reutilizáveis.

    Do outro lado da rua, a Catedral de São José proibiu, no início do ano, o uso de plástico durante dias festivos em homenagem aos santos e em cerimônias de casamento.

    "Independentemente de a proibição total funcionar ou não nesses locais, eles estão dispostos a assumir essa posição ousada em relação ao plástico, e isso é muito poderoso", diz Shibu K. Nair, diretor do grupo ambientalista local Thanal, que tem discutido com o governo e grupos religiosos para reduzir a dependência pelo plástico. "Os crentes podem ouvir essas mensagens nas instituições religiosas que frequentam e aplicá-las em suas casas também".

    Em Aranmula, diversos fiéis disseram que a proibição do uso de plástico implementada pelo templo serviu para lembrá-los que precisam ficar mais atentos a seus hábitos. "Em um primeiro momento, foi difícil lembrar de trazer sacolas de pano em vez de plástico", disse Rajee Nireesh, 34 anos, que estava visitando o templo com a sua mãe.  "Mas estamos nos acostumando".

    Outros disseram que já tentavam evitar o uso de plástico não reciclável em casa. Entre eles está KR Viswananthan, de 75 anos de idade, um aposentado que agora gosta de passar a maior parte do tempo meditando e fazendo amigos no templo.

    "Pense nisso dessa forma", diz ele. "A Deusa Terra absorve tudo o que jogamos nela, inclusive nossas fezes. Contudo, ela não consegue absorver o plástico - ele simplesmente não se decompõe. Isso precisa significar algo para você".

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