Criaturas das mais profundas fossas oceânicas estão se alimentando de plástico

Em seis das mais profundas fendas dos oceanos, cientistas encontraram diminutos animais semelhantes a camarões ingerindo minúsculos sedimentos plásticos.

Por Sarah Gibbens, Laura Parker
Publicado 28 de abr. de 2019, 17:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Os anfípodes do mar profundo, como esta pequena criatura semelhante a um camarão, estão ingerindo pedaços ...
Os anfípodes do mar profundo, como esta pequena criatura semelhante a um camarão, estão ingerindo pedaços microscópicos de plástico e microfibras minúsculas.
Foto de David Shale, Minden Pictures

O LIXO PLÁSTICO agora é virtualmente inevitável em cada fenda dos oceanos do mundo e, como constatado pela primeira vez por um estudo, os animais que vivem nos ambientes mais profundos e remotos do planeta estão se alimentando de plástico em quantidades alarmantes.

Uma equipe britânica de pesquisa capturou anfípodes, que são minúsculos crustáceos semelhantes a camarões que vivem e se alimentam de resíduos no fundo do mar, em seis das mais profundas fossas oceânicas do mundo e os levou a seu laboratório. Lá, verificaram que mais de 80% dos anfípodes apresentavam fibras e partículas plásticas em seus aparelhos digestórios, conhecidos como intestino posterior. Quanto mais profunda a fossa, mais fibras foram encontradas.

Na Fossa das Marianas, a mais funda, localizada a mais de dez quilômetros de profundidade no oeste do Pacífico, os cientistas encontraram fibras em 100% das amostras: em todos os anfípodes coletados. Estudos anteriores de partículas plásticas ingeridas por organismos marinhos capturados próximos à superfície apresentaram percentuais bem menores.

A nova pesquisa, publicada no periódico Royal Society Open Science, acrescenta mais dados à pesquisa anterior, que só descobriu sedimentos plásticos depositados no fundo do mar em 2014. Contudo ela traz mais informações sobre o cenário que está se moldando com as fossas oceânicas como o destino final dos detritos marinhos. As notícias não são nada animadoras.

Depois que as partículas plásticas afundam nas profundezas do mar, elas não têm mais para onde ir.

“Se pudéssemos estalar os dedos magicamente e voltar no tempo 10, 20, 50 anos e parar de produzir plástico, o que aconteceria com o plástico nos rios? Ele escoaria e seria levado pelas correntes”, afirma Alan Jamieson, biólogo marinho da Universidade de Newcastle e autor principal do estudo. “Chegando à costa, seria diluído e se dispersaria. No mar aberto, a ação das ondas e raios ultravioleta agiria nesse plástico e a superfície voltaria a ficar limpa. Entretanto, no mar profundo, não existe dispersão ou escoamento. E a quantidade apenas aumenta cada vez mais.”

Ele acrescenta: “Essa não foi uma descoberta única. O Oceano Pacífico cobre metade do planeta. Nossos locais de estudo foram próximos ao Japão, Peru e Chile, mas estavam afastados da costa por milhares de quilômetros. Agora podemos afirmar com segurança que o plástico está por toda parte. Não vamos perder tempo procurando mais. Vamos concentrar nossos esforços em seus efeitos concretos.”

Como foram obtidas amostras tão profundas?

A equipe de pesquisa coletou amostras em cinco fossas espalhadas pelo oeste do Pacífico e em uma fossa do mar profundo próxima à costa oeste da América do Sul. Os pesquisadores colocaram armadilhas com iscas embaladas com cuidado para evitar uma contaminação artificial nas entranhas dos animais com plástico.

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    Após a coleta, foi estudada uma parte profunda do aparelho digestório do animal conhecida como intestino posterior. A intenção era garantir que nenhum plástico ingerido após a captura dos anfípodes interferisse nos resultados.

    No interior dos anfípodes, os pesquisadores encontraram uma profusão de detritos plásticos.

    66% do plástico que encontraram era composto de fibras azuis. Também estavam presentes fragmentos pretos, vermelhos, roxos, azuis e cor-de-rosa.

    Nenhuma fossa estava livre de fibras e mais de 80% dos anfípodes as continha. Quando analisadas, verificou-se que as fibras eram as mesmas utilizadas em produtos têxteis e o estudo sugere que chegaram aos oceanos após a lixiviação em máquinas de lavar.

    Richard Thompson, cientista marinho da Universidade de Plymouth, cujo estudo de 2014 descobriu os microplásticos no fundo do mar, afirma que a nova pesquisa é “a peça que faltava no quebra-cabeça”.

    “A pergunta seguinte é: está causando danos?”, indaga ele. “É uma avaliação de riscos. Quanto mais plástico, maior a probabilidade de uma grande quantidade de animais interagir com ele. São muito escassos os estudos sobre o mar profundo, estamos apenas começando a entendê-lo.”

    Quais as implicações para a cadeia alimentar dos oceanos?

    Jamieson afirma que as reações observadas por ele à revelação de que a vida marinha no fundo do mar está ingerindo plástico se dividem em duas categorias: a primeira é o horror de que nenhum lugar do planeta escapou da invasão do plástico. A outra reação é atordoante.

    “Acredite ou não, dizem: 'Que ótimo. Significa que a contaminação terrestre chegou agora ao fundo do mar e esse é um ótimo resultado, não é?'”, conta ele. “É loucura pensarem assim.”

    “O homem possui um relacionamento estranho com as profundezas”, afirma Jamieson. “Quando se fala em mais de dez quilômetros de profundidade abaixo do mar, as pessoas se assustam. Mas considere uma mudança de perspectiva de 90 graus. Dez quilômetros é quase metade do comprimento de Manhattan. Um maratonista poderia percorrer a distância em 20 minutos. É um mundo pequeno em muitos aspectos e, quando se atira algo no mar, pode afundar para lugares que você acredita estarem distantes, mas não estão tão distantes assim.”

    Jamieson afirma que o oceano deveria ser considerado sob uma ótica diferente: como parte de um corpo d'água contínuo que cobre a maior parte da superfície da Terra, com milhões de animais, todos interagindo uns com os outros.”

    Susanne Brander, toxicologista da Universidade do Estado do Oregon que pesquisa os efeitos dos microplásticos em larvas de peixes, explica que os anfípodes estão se tornando um vetor para o transporte de partículas plásticas na cadeia alimentar.

    “Os anfípodes encontrados com fibras são presas de peixes maiores e esses peixes maiores são presas de predadores ainda maiores”, afirma ela. “Esse zooplâncton na base da cadeia alimentar está levando as microfibras aos níveis superiores da cadeia porque elas possuem tamanho semelhante ao fitoplâncton que ele ingere, levando essas fibras à cadeia alimentar. Estamos descobrindo organismos maiores com intestinos forrados de microfibras. Foi encontrada uma baleia da subordem Mysticeti trazida pelas águas até a praia e, quando a abriram, os intestinos estavam forrados com essas partículas menores. É um retrato do que está se passando em um panorama mais amplo.”

    Há até 51 trilhões de peças plásticas no oceano e 90% desse plástico oceânico é microscópico. Os cientistas compararam isso anteriormente com uma espécie de “sopa”.

    Em dezembro passado, pesquisadores do Japão alertaram a National Geographic  sobre a urgência de saber mais sobre esses lugares remotos. É difícil recriar a pressão intensa do mar profundo em laboratório e os impactos totais do plástico nos organismos do mar profundo ainda são desconhecidos ou não foram confirmados.

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