Esta antiga cidade de sultões é uma maravilha do século 21
Granada, na Espanha, preserva tesouros do passado, mas pontos turísticos famosos e um novo parque ecológico voltam os olhos desta cidade para o futuro.
Moradores e visitantes sentam-se nos arredores do Mirador San Nicolás enquanto o sol se põe sobre Alhambra.
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Voltar para Alhambra é como reler um livro. A fortaleza construída pelos sultões nacéridas na parte superior da cidade de Granada, localizada na região autônoma da Andaluzia, na Espanha, foi uma obra-prima da engenharia medieval, e também da literatura — poesia e filosofia expressadas através de uma arquitetura surreal. Versos, bênçãos e ponderações foram entalhados em fachadas para dar a impressão de que as estruturas pudessem falar.
“A alegria perpétua, o êxtase contínuo...”, lê-se em um verso ao lado do espelho d’água do Palácio Comares. “Poupe suas palavras, e irá em paz”, aconselha a parede interna acima do trono do sultão. O teto abobadado, construído com mais de 8 mil pedaços de madeira e incrustado com uma constelação de estrelas, representa os sete céus da cosmologia islâmica.
Os arcos do Palácio Partal, em Alhambra, erguem-se sobre um sereno espelho d’água, local popular para visitantes.
Detalhes complexos adornam as paredes de Alhambra, um dos patrimônios mundiais da Unesco. Sultões nacéridas construíram o palácio entre os séculos 13 e 14.
O Mirador de San Nicolás, no bairro de Albaicín, é famoso pela vista do sol se pondo sobre a antiga cidade de Granada, na Espanha.
O grande palácio medieval de Alhambra, patrimônio mundial da Unesco, dá o tom dessa cidade histórica repleta de tradições — escolhida pela National Geographic como um dos Melhores Destinos do Mundo. Mas, enquanto uma parte relembra o passado, a outra explora caminhos mais modernos. Além da tradição histórica de canto e dança flamenca, Granada é um polo europeu do subgênero dominante do hip-hop, a música trap. É uma cidade universitária, sempre repleta de estudantes, um lugar onde as ruas movimentadas são compartilhadas entre restaurantes tradicionais, que servem tapas, e contemporâneos, especializados em cozinha de fusão.
A história ganha vida
Fundada no século 11, Granada era uma fortaleza moura em ascensão, até o advento da lei católica de Fernando II e Isabella I, decretada em 1492. Nos anos seguintes, muçulmanos e judeus foram forçados a permanecer em Albaicín, bairro ao norte da Alhambra.
Hoje o bairro muçulmano medieval preserva o labirinto de casas brancas, que descem ziguezagueando a encosta da colina em ruelas estreitas. De fato, nos cafés e restaurantes de tapas que pendem sobre as ruelas e escadarias, a sensação é de estar na beira do mundo, com uma vista deslumbrante de Alhambra.
Ainda é possível observar a passagem dos séculos através de portais naturais, como o El Bañuelo, ruínas de uma casa de banho turco do século 11. Monarcas católicos providenciaram a destruição de muitos spas semelhantes, considerando-os um pecado. Felizmente, esse sobreviveu e agora é um pequeno museu.
O rei e a rainha que reconquistaram a Espanha e enviaram Cristóvão Colombo para o Novo Mundo foram enterrados juntos na Capela Real da Catedral de Santa María de la Encarnación. Na igreja, um dos muitos santuários católicos que surgiram durante o reinado do casal, prevalece um ar sombrio de romance gótico em meio aos túmulos esculpidos.
Nos arredores do centro histórico, visitantes encontram outras figuras famosas, incluindo Federico García Lorca. Nascido em Granada e executado com um dos primeiros tiros disparados durante a Guerra Civil Espanhola, a morte do poeta ainda é lamentada na cidade, como a de um filho favorito. Visitas guiadas à casa de veraneio da família dele, a Huerta De San Vicente, conduzem os visitantes pela história de sua vida e trabalho. O parque exterior — que costumava ser um pomar — é um bom lugar para ler alguns de seus escritos.
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Tapas e muito mais
A cultura espanhola de servir refeições em porções pequenas começou nesta região, e as pousadas de Granada são absurdamente generosas em manter o costume local de oferecer tapas como cortesia para cada bebida alcoólica servida. O menor copo de cerveja pode vir acompanhado de um sanduíche de lombo de porco do tamanho da sua cabeça. Frequentar os bares nos arredores de Realejo ou Plaza Nueva vai deixá-lo tão estufado e impressionado quanto servir-se repetidamente em um buffet de festa de casamento.
Na onda dos restaurantes de tapas, o La Trastienda mantém-se discreto, escondido atrás do balcão de um açougue. Em 1836, o proprietário começou a distribuir carnes frias para clientes famintos na fila. Hoje, o cardápio ainda exibe carnes curadas de primeira qualidade e queijos defumados.
Moradores jantam na bodega Castañeda, um dos bares mais históricos de Granada.
Além de xerez, a bodega Castañeda serve vermute com tapas.
Irene Urbistondo Molina na frente da Esparteria San Jose, loja de cestos em Granada, fundada há 113 anos pela família dela.
Vasos e tigelas enchem as prateleiras de um armazém da Ceramica Fajalauza, empresa familiar que produz cerâmica em Granada há mais de 500 anos.
Saindo um pouco da zona de conforto culinária da antiga cidade, com seus presuntos, cordeiros e moluscos, o restaurante Cala oferece outras variedades para quem está cansado de tapas. Em uma sala de jantar moderna e iluminada, o chef Samuel Hernández, nascido na França, oferece um cardápio mediterrâneo e cosmopolita, com leite de tigre, aguachile verde e molho de hoisin.
As tradicionais carmen (casas de estilo tradicional) espalham-se pelo Albaicín, com vinhedos e pomares crescendo nos jardins para além dos muros altos e brancos. A mais alta delas é a Las Tomasas, que oferece uma visão espetacular de Alhambra. O cardápio é constituído de itens básicos regionais e nacionais, desde filhotes de lula até rabo de touro.
Nessa cidade espanhola, as tapas são acompanhadas não apenas por xerez, mas também por coquetéis. Uma relíquia da era da Guerra Civil, o bodegas Castañeda é abarrotado de garrafas cheias e barris repletos de vinhos locais e xerez, mas a especialidade da casa é a calicasas — bebida caseira feita de vermute, gim, rum, soda e especiarias.
Tragofino-SanMatías 30 é uma alternativa relativamente nova e moderna aos bares antigos de Granada. Também se destaca pelos famosos coquetéis de romã servidos por toda a cidade. Lá, são preparados com polpa fresca e licor Pama, e servidos em potes.
Além do flamenco
O flamenco nasceu na região de Andaluzia há cerca de mil anos e evoluiu para uma forma de arte semi-improvisada, com sons de percussão feito com os pés, cantos lamentosos e notas de violão acústico. A apresentação mais “autêntica” de Granada ainda é tema de debates furiosos entre os entusiastas locais.
Bares populares em cavernas, como o Cueva de la Rocío no bairro de Sacromonte, conseguem amplificar os ritmos explosivos do estilo, mas os sons e cores também fluem em ambientes mais arejados, como o Jardines de Zoraya, que une um palco de flamenco e um restaurante no jardim, formando um tablao de alta qualidade, com jantares e espetáculos.
Hoje, a cena musical de Granada é movimentada por estudantes e imigrantes vindos da Europa, norte da África e América Latina. O resultado é uma variedade de gêneros musicais nas ruas — violoncelistas do Conservatório Real Superior de Música Victoria Eugenia de Granada ensaiando em praças, baladas de acordeão balcânico, batalhas de rap francês, shows improvisados na parte exterior do jardim Huerto de Carlos.
A cultura de mistura de gêneros da cidade é ainda mais evidente no Boogaclub, um pequeno e amado espaço para dançar. Com apresentações regulares de jazz, reggae e flamenco, o Booga também desempenhou um papel fundamental na descoberta dos grupos de hip-hop, que tornaram a música trap o som nítido, dançante e autossintonizado da contracultura espanhola.
Local de maravilhas natural
Há outras maravilhas a serem exploradas em aventuras fora do centro da cidade. A vila de Monachil leva até as montanhas de Serra Nevada através de uma trilha emocionante ao longo do Vale de Los Cahorros. Pontes longas e altas balançam dramaticamente sob os pés, e as paredes do desfiladeiro inclinam-se tão longe sobre o rio que só se pode passar segurando-se em suportes de metal incrustados na rocha.
Turistas atravessam uma trilha rochosa na entrada do emocionante Desfiladeiro Los Cahorros, próximo a Monachil, uma área de recreação montanhosa, a 20 minutos de carro do centro de Granada.
Uma viagem de carro de meia hora além dos limites da cidade leva viajantes até uma paisagem pré-histórica, com colinas de argila ricas em fósseis. Essa é a “outra Alhambra”, afirmam os entusiastas do parque geológico nos arredores de Granada, recentemente tombado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.
Os primeiros colonos mouros cavaram moradias subterrâneas no terreno que, mais tarde, foram ocupadas por pessoas que não podiam construir ou comprar casas. Recentemente, essas moradias foram adaptadas por operadores como a Cuevas Almagruz, empresa familiar que administra uma rede de moradias em cavernas e abriga um museu subterrâneo com diversas acomodações rústicas – mas confortáveis – encravadas na rocha vermelha suave.
Hospedados em uma dessas câmaras, visitantes se tornam personagens de contos populares por uma noite. Eles dormem e sonham no ventre de uma montanha, para acordar e sair pela boca de uma caverna, prontos para passear pela história desta região única do sul da Espanha.