Humanos e cães andam juntos de trenó há quase 10 mil anos
Segundo estudo, os cães de trenó também desenvolveram adaptações para suportar seu estilo de vida árduo, como a capacidade de aceitar dietas com alto teor de gordura.
Uma equipe de cães de trenó corre na geleira Herbert, próximo de Juneau, no Alasca, Estados Unidos. Este grupo de raças de cães não cruzou com lobos, uma descoberta surpreendente.
Os cães de trenó da Groenlândia, que são fofinhos e possuem cauda encaracolada, são nativos da severa tundra do Ártico e podem ser a raça de cães mais antiga, de acordo com o primeiro estudo a mergulhar fundo na história genética desses animais. A ramificação de cães de trenó na árvore genealógica, que inclui vários tipos de huskies e malamutes, separou-se dos outros cães há cerca de 9,5 mil anos, o que pode ser comparado a algo como um labradoodle (cruzamento de labrador com poodle), que só se tornou uma raça em 1989.
Os cientistas sabem que os cães provavelmente evoluíram a partir dos lobos da Eurásia, mas exatamente quando ou onde essa transformação ocorreu é um grande mistério. Para entender melhor a genética dos cães de trenó e seu lugar no mundo, os cientistas sequenciaram o genoma de um cão encontrado no sítio arqueológico de Zhokhov, na Sibéria, que data de cerca de 9,5 mil anos atrás.
“Na verdade, eu estava prevendo que encontraríamos algum tipo de precursor dos cães domésticos”, diz o principal autor Mikkel-Holger Sinding, paleogeneticista e doutorando da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
Em vez disso, ele e seus colegas descobriram que os atuais cães de trenó e o cão de Zhokhov descendem da mesma ramificação. “Isso significa que todos os cães devem ter se diversificado antes disso”, diz ele.
É uma grande descoberta, afirma Sinding, porque fornece a “primeira data sólida da diversificação entre os cães” — uma importante pista no mistério da domesticação de cães.
Feitos para o frio
A análise, que comparou genes de cães de trenó antigos e modernos com os de outras raças, também revelou vários tipos de adaptações fascinantes e peculiares à vida no Ártico, como a capacidade de se desenvolver à base de uma dieta com alto teor de gordura.
“Uma das maiores diferenças entre um urso pardo e um urso polar é que este último tem uma adaptação genética específica para comer muita gordura. E vemos quase exatamente a mesma modificação nos cães [de trenó]”, diz Sinding.
Isso tem sentido lógico, pois os povos inuíte e thule do Ártico e seus cães de trabalho sobrevivem há milhares de anos caçando mamíferos marinhos ricos em gorduras, como focas e baleias.
[Fotos: Seriam estas as imagens mais antigas de cachorros?]
Os cientistas também compararam o DNA do cão de Zhokhov com um canídeo ainda mais antigo — um lobo siberiano do Pleistoceno, que viveu há cerca de 33 mil anos. Juntamente com os genomas de lobos modernos e cães domesticados, a equipe revelou que, de forma notável, os cães de trenó não cruzaram com lobos cinzentos nos últimos 9,5 mil anos, ao contrário de outras raças. Isso é especialmente estranho, uma vez que povos indígenas documentaram acasalamentos entre cães e lobos. O fato de as características genéticas dos lobos não aparecerem no genoma dos cães de trenó da Groenlândia sugere que os híbridos não sobreviveram como deveriam ou que havia algum motivo pelo qual os humanos não os tenham criado.
A pesquisa também mostrou que os genomas de cães de trenó contêm mutações relacionadas a ambientes frios, como por exemplo, correr e puxar trenós em condições de baixo oxigênio.
“Portanto, ainda é possível se exercitar mesmo sem fôlego”, diz Elaine Ostrander, geneticista dos Institutos Nacionais de Saúde que estuda genomas caninos, mas que não participou do estudo.
Uma outra mutação permite que os cães de trenó tenham alto controle da regulagem da temperatura corporal, diz Ostrander — algo necessário não apenas para sobreviver ao frio, mas para se refrescar após um período de esforço.
Isso tem uma semelhança impressionante com uma mutação genética no mamute-lanoso, outra criatura adaptada ao frio capaz de ajustar sua temperatura, diz Sinding.
Como fazer um cão de trenó feliz
Curiosamente, essas características ainda estão presentes nos cães atuais, o que constitui uma orientação útil para os donos de animais de estimação — particularmente os de raça pura.
“Além de todas as relações geográficas e evolutivas que eles fazem [no estudo]”, diz Ostrander, “a relação com a maneira como devemos pensar sobre nossos animais de estimação modernos é muito importante”.
Por exemplo, com base nos genes dos animais, Sinding aconselha os donos de cães de trenó a evitarem dietas com alto teor de carboidratos e de amido. “Alimente-os com proteína e gordura”, indica. “Eles se desenvolveram para ter essa alimentação.”
Da mesma forma, o estudo mostra que esses cães evoluíram para se movimentarem, e não “ficar parados em um apartamento o dia todo”, explica Ostrander, sugerindo que muito exercício e brincadeiras que incluam tarefas são fundamentais.
Ela diz que os donos de animais de estimação também devem considerar o clima antes de escolher um novo filhote. Os cães de trenó superaquecem facilmente e ficam mais letárgicos em ambientes quentes ou úmidos, mas quando “são levados para a neve, vemos como ficam felizes”, conta ela.
Futuramente, Sinding quer desvendar o mistério da evolução dos canídeos envolvendo os cães de trenó de Zhokhov e os cães dos dias atuais.
“Existe uma lacuna de 9,5 mil anos”, diz ele. “Tem tanta história no meio desses dois pontos que queremos investigar.”