Papagaios em cativeiro criam novos dialetos. Os parentes selvagens conseguem entendê-los?

A reprodução em cativeiro salvou esses pássaros falastrões da extinção, mas também mudou o modo como se comunicam, trazendo preocupações em relação ao seu futuro.

Por Erica Tennenhouse
Publicado 25 de set. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Um papagaio-de-porto-rico que acabou de ser solto na natureza come o fruto da miconia. Restam somente ...

Um papagaio-de-porto-rico que acabou de ser solto na natureza come o fruto da miconia. Restam somente cerca de 600 desses papagaios.

Foto de Tanya Martinez

Atualmente, os grasnidos, guinchos e assobios dos papagaios reverberam pela floresta tropical de Porto Rico. Mas, há algumas décadas, esses sons praticamente desapareceram.

O desmatamento teve consequências nos papagaios-de-porto-rico. Antes da colonização europeia em 1500, estima-se que sua população era de um milhão. Na década de 1970, restavam apenas 13 papagaios-de-porto-rico na natureza, limitados a uma das únicas áreas florestais remanescentes da ilha, El Yunque.

Na última tentativa de salvar a espécie da extinção, conservacionistas começaram a criar os papagaios em cativeiro. Foi uma estratégia bem-sucedida: embora esses pássaros tagarelas de cor verde-esmeralda sejam ainda considerados criticamente ameaçados, hoje em dia existem mais de 600 indivíduos.

Agora, pode haver uma nova ameaça à sua sobrevivência, segundo seus protetores. Os papagaios em cativeiro desenvolveram um dialeto totalmente novo, um fenômeno que não havia sido observado anteriormente em outras populações de pássaros que vivem em cativeiro, conta a líder do estudo Tanya Martínez, bióloga conservacionista do Projeto de Recuperação de Papagaios-de-Porto-Rico do Departamento Porto-Riquenho de Recursos Naturais e Ambientais.

Por volta de 2013, Martínez, na época mestranda da Universidade de Porto Rico, começou a perceber que os papagaios-de-porto-rico não “falavam” todos a mesma língua. “Ao entrar na floresta de El Yunque para trabalhar com a população selvagem, poderíamos dizer que o som era de uma espécie diferente” daquele emitido pelas aves em cativeiro, diz Martínez, cujo artigo foi publicado recentemente na revista científica Animal Behavior.

Curiosa para saber mais, ela passou a prestar atenção nos sons de todas as quatro populações de papagaios existentes — duas selvagens e duas em cativeiro — e os gravou. O que ela ouviu confirmou sua suspeita: as vocalizações não eram as mesmas entre as populações.

A possível barreira da comunicação é preocupante, diz Timothy Wright, biólogo da Universidade Estadual do Novo México, que não participou da pesquisa. Segundo ele, para serem reintroduzidos na natureza com sucesso, os papagaios devem ser capazes de se comunicar com seus semelhantes, principalmente para fortalecer os relacionamentos em suas comunidades individuais.

“Se um indivíduo não consegue comunicar aos outros que faz parte do mesmo grupo, talvez não obtenha os benefícios de fazer parte desse grupo”, como unir-se aos bandos para fugir de predadores e trabalhar em conjunto para procurar comida, explica Wright.

Três ovos de papagaio-de-porto-rico dentro da cavidade de uma árvore.

Foto de Tanya Martinez

Um casal de papagaios-de-porto-rico usando coleiras com radiotransmissores espia pela cavidade do ninho. As coleiras ajudam os cientistas a monitorar a localização das aves.

Foto de Tanya Martinez

População em crescimento

O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estado Unidos declarou que o primeiro bando de papagaios-de-porto-rico em cativeiro nasceu em 1973, não muito longe do território isolado dos papagaios residentes na natureza, em El Yunque.

Com a população selvagem tão reduzida, os cientistas tiveram que usar a criatividade. Eles levaram para Porto Rico os papagaios-de-hispaniola, que têm um grau de parentesco próximo — e eram relativamente abundantes em seus países de origem, Haiti e República Dominicana — e os colocaram para criar os filhotes de papagaios-de-porto-rico como se fossem seus pais.

O programa foi um sucesso. Em 2006, havia quatro populações de papagaios-de-porto-rico: um bando cativo em El Yunque, um bando cativo e um reintroduzido na Floresta Estadual de Rio Abajo e o bando selvagem original remanescente em El Yunque.

Depois de gravar o som das quatro populações em campo, Martínez converteu mais de 800 horas de gravações dos pássaros em representações visuais denominadas espectrogramas. Ela e seu orientador David Logue, agora na Universidade de Lethbridge, no Canadá, agruparam as vocalizações de acordo com sua semelhança.

Eles se concentraram nas duas vocalizações mais comuns, o cou e o tchi que os membros do bando reproduzem para manter contato entre si. A pesquisa revelou que os pássaros em cativeiro fazem as vocalizações cou e tchi com pelo menos duas sílabas diferentes, enquanto os pássaros silvestres de El Yunque fazem vocalizações completamente diferentes, que são basicamente uma única sílaba repetida.

A exposição desde tão novos aos sons dos papagaios-de-hispaniola somada ao fato de terem sido separados dos mais velhos de sua própria espécie provavelmente colaborou para que as aves criadas em cativeiro desenvolvessem novas vocalizações, diz Martínez.

Mas as mudanças vocais não param por aí. O estudo também constatou que cada vez que os conservacionistas dividiam posteriormente os pássaros em novos grupos, pequenas inovações surgiam em suas vocalizações. O grupo de Rio Abajo em cativeiro começou a emitir sons distintos de seu bando original em El Yunque — e depois que os pássaros de Rio Abajo em cativeiro foram soltos na floresta de Rio Abajo, as vocalizações mudaram novamente.

Por fim, Martínez acabou concluindo sua pesquisa a tempo. Em 2017, logo depois de terminar suas gravações, uma tragédia atingiu a floresta de El Yunque: o furacão Maria matou todo o bando de aproximadamente 50 papagaios silvestres.

“Esse foi o último refúgio dos papagaios silvestres”, diz ela. “Se não fosse por essa floresta, essa espécie já estaria extinta” — mas agora está preservada nos bandos em cativeiro e bandos reintroduzidos cujos antepassados foram coletados daquela floresta há quase 50 anos.

Instrutores de idiomas

Mudanças nas vocalizações podem afetar o comportamento do papagaio, diz Wright, que estuda os papagaios-de-nuca-amarela da Costa Rica, outra espécie dessa ave. Quando ele  inseriu experimentalmente diversos papagaios em uma população com dialeto desconhecido, os pássaros mais jovens aprenderam rapidamente a nova linguagem, mas os pássaros mais velhos não conseguiram dominá-la, ele conta: “parecia que os adultos não queriam aprender o novo dialeto; eles só ficavam com pássaros do mesmo dialeto.”

Embora alguns papagaios-de-porto-rico tenham adquirido um novo dialeto após serem transferidos para uma população diferente, nem todos os pássaros têm talento para isso, observa Thomas White, biólogo da vida selvagem que trabalhou no programa de recuperação de papagaios-de-porto-rico do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos há mais de 20 anos.

“É parecido com humanos aprendendo uma língua estrangeira — algumas pessoas aprendem com mais rapidez e facilidade do que outras”, diz White.

Então, para ajudar as aves em cativeiro a assimilar as vocalizações selvagens, o programa de recuperação utilizou os papagaios reintroduzidos como instrutores.

Os pássaros prestes a serem libertados na floresta de El Yunque primeiro passam um período em um local onde podem assistir, ouvir e aprender com seus futuros companheiros. Agora que há papagaios-de-porto-rico suficientes para criar seus próprios filhotes, os conservacionistas também pararam de usar papagaios-de-hispaniola como “pais substitutos”.

E no início deste ano, a equipe libertou 30 papagaios, que viviam em cativeiro, na floresta de El Yunque para substituir a população morta pelo furacão. Seus dialetos, embora não sejam exatamente os mesmos, devolverão à floresta as vocalizações cacofônicas dos papagaios.

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