A luta desesperada de um predador para sobreviver à pior extinção da Terra

Extinção no período Permiano eliminou 70% das espécies terrestres conhecidas. Aquelas que sobreviveram tiveram que ser criativas. Outras lutaram até o último suspiro.

Por Riley Black
Publicado 6 de jun. de 2023, 09:58 BRT
Karroo_Inostrancevia_Color

Um predador que viveu na África do Sul pré-histórica, Gorgonopsian inostrancevia, afugentando uma espécie menor. A rápida rotatividade de predadores no final do período Permiano revela detalhes de uma extinção em massa prolongada. 

Arte de Matt Celeskey

fóssil não deveria estar lá. Os ossos originais do predador dente-de-sabre do tamanho de um urso preto, Inostrancevia, foram encontrados no norte da Rússia, envoltos em rochas com mais de 253 milhões de anos. No entanto, os paleontólogos descobriram recentemente os restos do temível animal em rochas antigas da África do Sul, a milhares de quilômetros de distância.

A história de como o caçador de presas longas chegou a um local tão distante não é uma história de sucesso carnívoro, mas destaca o último suspiro de um animal que fugiu do caos da pior extinção em massa da história da Terra. Provocado por erupções incessantes das armadilhas siberianas, vulcões na Rússia pré-histórica, o evento de extinção no final do período Permiano eliminou cerca de 70% das espécies animais terrestres.

Parece que o Inostrancevia migrou milhares de quilômetros através do supercontinente Pangeia, indo para o sul em busca de áreas de caça mais favoráveis. Descritos recentemente na revista Current Biology, os fósseis do deserto de Karoo, na África do Sul, foram imediatamente reconhecidos como uma espécie irmã do Inostrancevia da Rússia. "Sua identificação foi bastante simples", diz a paleontóloga do Field Museum, nos Estados Unidos, e coautora do estudo, Pia Viglietti, observando que o tamanho grande, as proporções relativamente esbeltas e os quatro dentes incisivos superiores identificam o animal.

Batizado com o nome Inostrancevia africana, o carnívoro era um protomamífero, ou seja, um animal mais próximo dos mamíferos do que dos répteis, apesar de alguns atributos semelhantes aos dos répteis. Observando as camadas de rocha onde ele foi encontrado, os pesquisadores detectaram uma sucessão de diferentes predadores em um período de tempo relativamente curto. Entre cerca de 259 e 253 milhões de anos atrás, um predador semelhante chamado rubidgeines caçava na região. Em seguida, os rubidgeines desapareceram abruptamente, sendo substituídos pelo Inostrancevia africana, que se extinguiu há cerca de 252 milhões de anos para ser substituído por diferentes protomamíferos predadores e parentes primitivos dos crocodilos.

"Essa é uma descoberta incrível", destaca Megan Whitney, paleontóloga da Loyola University Chicago, EUA, que não participou da nova pesquisa. "O Inostrancevia há muito tempo é considerado endêmico das rochas russas, portanto, encontrar esse animal na Bacia do Karoo, na África do Sul, sugere uma distribuição geográfica surpreendentemente grande", diz ela. Encontrar uma nova e enorme espécie de protomamífero em uma área tão bem amostrada também sugere que ainda há descobertas importantes a serem feitas na região.

Rotatividade predatória

Por mais surpreendente que seja o fato de o Inostrancevia africano ter vivido na África do Sul pré-histórica, o animal não sobreviveu por muito tempo. O aparecimento repentino de carnívoros para depois serem extintos é um sinal de extinção em massa prolongada. "A extinção terrestre do final do Pérmico foi, na verdade, mais prolongada do que se pensava", informa Jennifer Botha, coautora do novo estudo e paleontóloga da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul. A vida lutou contra as mudanças nas condições por até um milhão de anos.

"O que estava causando a rápida rotatividade dos predadores era uma crise de aquecimento global", aponta Viglietti. Os vulcões siberianos em erupção derramaram lava suficiente para enterrar um pedaço de terra do tamanho do estado de Illinois, EUA, sob 610 metros de rocha derretida. Mas o mais devastador para a vida foi a liberação de uma grande quantidade de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera, distorcendo o clima da Terra e causando a queda da quantidade relativa de oxigênio no ar.

Em um planeta que se aquecia rapidamente, onde as mudanças na temperatura, nas chuvas e na aridez causaram o colapso dos ecossistemas, os organismos tiveram que se adaptar ou se mudar para evitar a extinção. "As condições ambientais mudaram de ecossistemas sazonalmente úmidos para ambientes cada vez mais quentes e o que parecem ser oscilações imprevisíveis entre secas extremas e inundações", detalha Botha. Os ambientes mudaram de forma tão rápida e drástica que muitas espécies não resistiram.

"Na época em que o Inostrancevia assumiu o controle da África do Sul como predador principal, ainda havia grandes herbívoros como fonte de alimento", diz Viglietti. A extinção dos primeiros gorgonopsianos proporcionou uma abertura – mas, por fim, as mudanças na vegetação levaram à extinção dos animais herbívoros, o que também significou o fim do Inostrancevia.

A descoberta altera o que os especialistas pensavam sobre a pior catástrofe ecológica da Terra. No passado, observa Whitney, os paleontólogos pensavam que os protomamíferos haviam sofrido perdas drásticas e que os répteis simplesmente entraram em cena para preencher o vazio no período Triássico que se seguiu. O fato de encontrar vários carnívoros que tentaram se firmar antes de serem extintos indica que "havia uma dinâmica mais complicada em jogo", diz ela.

Como sobreviver a uma extinção em massa

Os grandes carnívoros não se deram bem com o caos climático. A maior parte da vida também não. "Embora os poucos milhões de anos em que ocorreu essa renovação da fauna pareçam um grande período de tempo para nós, isso é um piscar de olhos no tempo geológico", compara Whitney. Mas alguns organismos conseguiram sobreviver às condições adversas e chegar ao Triássico, quando novos ecossistemas surgiram como coleções de "espécies sobreviventes".

"Os sobreviventes do início do Triássico conseguiram sobreviver às condições ambientais em constante mudança", diz Botha. "Os rápidos e os mortos, por assim dizer."

O sobrevivente mais icônico do Permiano é o Lystrosaurus. O animal era um protomamífero muito diferente do Inostrancevia – e talvez fosse até mesmo uma presa para o dente-de-sabre. O Lystrosaurus era um comedor de plantas atarracado e bicudo, que se parecia com um porco com cara de tartaruga. Seus fósseis são encontrados em rochas que datam do final do Permiano até o início do Triássico, levando o legado protomamífero para a era iminente dos dinossauros.

Seu sucesso diante de tamanha adversidade tem levantado repetidamente a mesma questão entre os especialistas: como o Lystrosaurus sobreviveu ao que a maioria não conseguiu?

O segredo pode estar nas tocas do protomamífero. O Lystrosaurus cavou na terra, abrindo espaços de refúgio em habitats caóticos. "A escavação parece ter sido um fator muito importante, usado como refúgio diário ou para escapar de condições climáticas ruins que duravam dias", esclarece Botha. O animal do tamanho de um cachorro pode até ter usado suas tocas para hibernar durante as piores estações.

Uma resposta do tipo "durma ou se esconda" pode ter permitido que o Lystrosaurus e outros animais de toca sobrevivessem ao pior. E outras espécies provavelmente também usavam esses abrigos, o que significa que o Lystrosaurus poderia ter sido uma espécie de engenheiro do ecossistema, fornecendo refúgio contra a dureza da superfície.

Lystrosaurus não desenvolveu a capacidade de escavar em resposta ao desastre. O protomamífero já conseguia fazer isso, e a escavação ofereceu uma vantagem inesperada de sobrevivência. A maioria dos organismos que sobreviveram à extinção em massa parece ter feito isso graças a golpes de sorte semelhantes.

"Para os sobreviventes", diz Viglietti, "as características paleobiológicas inatas provavelmente permitiram que eles se beneficiassem das condições que causaram a extinção em massa em outras espécies". A maneira como os organismos cresciam, se agrupavam e se reproduziam tornou-se um fator essencial para a sobrevivência.

Nossos próprios ancestrais estavam entre os afortunados. Os primeiros mamíferos evoluíram a partir de protomamíferos parecidos com doninhas, chamados cinodontes, que prosperaram no Permiano, mas foram reduzidos a alguns ramos isolados no Triássico. A escavação, a capacidade de hibernar e uma ampla tolerância a diferentes condições ambientais, pontua Viglietti, provavelmente permitiram que os cinodontes sobrevivessem.

"Isso mostra como somos sortudos por estarmos aqui", acrescenta. "Nossos parentes mamíferos superaram essa crise climática de um quarto de bilhão de anos por um triz."

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