“Nascimento virgem”: crocodilos fêmeas geram filhotes sem machos e intrigam cientistas
Um crocodilo norte-americano submerso, Crocodiles acutus, nada nos densos manguezais do Parque Nacional Marinho Gardens of the Queen, em Cuba. A espécie é capaz de se reproduzir sem um parceiro, de acordo com uma nova descoberta feita este ano na Costa Rica.
Cientistas acabaram de descobrir que as fêmeas de crocodilos-americanos podem gerar filhotes sem machos – um fenômeno conhecido como partenogênese facultativa ou "nascimento virgem".
Embora a partenogênese já tenha sido documentada em vários vertebrados, tanto em cativeiro quanto na natureza, como tubarões-zebra, lagarto whiptail do Novo México, víboras e até mesmo aves criticamente ameaçadas de extinção, a estratégia não foi registrada em nenhuma espécie de crocodilo. A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) lista o crocodilo-americano como vulnerável à extinção, embora seu número esteja aumentando em partes das Américas e do Caribe.
"Ao longo dos anos, percebemos que a partenogênese é realmente bastante difundida e comum", diz Warren Booth, biólogo evolutivo urbano da Virginia Tech (EUA) e principal autor de um estudo recente que descreve a descoberta na revista Biology Letters.
Essa reprodução assexuada em espécies que normalmente se reproduzem sexualmente ocorre quando determinadas células produzidas com o óvulo de uma fêmea se comportam como espermatozoides e se fundem com o óvulo.
O caso mais recente foi encontrado em um crocodilo de 18 anos, exposto sozinho no Parque Reptilandia, na Costa Rica, por aproximadamente 16 anos. Durante todo esse tempo, os tratadores achavam que o animal era macho – até que um dia ele começou a agir de forma estranhamente agressiva.
"Eles entraram e perceberam que não era um macho, mas uma fêmea, e que ela estava guardando um ninho", diz Booth.
Nascimento virgem: meio-clone confirmado
Dos 14 ovos que os tratadores encontraram, sete pareciam ser férteis e foram colocados em uma incubadora.
Depois de três meses, nenhum ovo eclodiu. Entretanto, um dos ovos continha um feto totalmente formado, mas que não chegaria a nascer.
Embora o crocodilo não tenha sido exposto a outro membro de sua espécie por tanto tempo, havia uma pequena possibilidade de a gravidez ter sido resultado de um caso extremo de fertilização tardia.
Assim, usando um novo programa de análise genética criado pela coautora do estudo Brenna Levine, a equipe comparou o DNA do feto com o da mãe – confirmando que ele era um clone parcial e, portanto, produto de um nascimento virgem.
"A evidência genética fala por si só", diz Matthew Fujita, professor de biologia da Universidade do Texas em Arlington, que recentemente realizou uma revisão da pesquisa sobre partenogênese.
"Esse é um caso muito convincente de partenogênese facultativa", diz Fujita, que não participou do novo estudo.
A vida encontra um caminho
O mais novo exemplo de reprodução partenogênica é de particular importância por ser de um crocodiliano, ou réptil que pertence à ordem Crocodilia, que inclui crocodilos, jacarés, jacarés e gaviais, entre outras espécies, na árvore genealógica maior.
"As aves e os crocodilos fazem parte dessa linhagem antiga chamada de arcossauros", diz Booth.
Entre os arcossauros, os crocodilianos são o grupo mais antigo, com os pterossauros e dinossauros divergindo mais tarde e, em seguida, as aves descendendo dos dinossauros. Se tanto os crocodilianos quanto as aves – as linhagens mais antigas e mais recentes – são capazes de partenogênese, os que estão no meio, como os pterossauros e os dinossauros, provavelmente também teriam essa característica.
"Acho que é uma característica muito antiga que nunca se perdeu das linhagens antigas a partir das quais outros organismos evoluíram", diz Booth.
Os fãs de Jurassic Park se lembrarão de que um dos principais pontos da trama do filme girava em torno da capacidade dos dinossauros de se reproduzirem por conta própria. É claro que isso não seria possível, pois os cientistas do filme teriam de projetar todos os dinossauros para serem fêmeas. No entanto, a reviravolta acontece quando consideramos que os cientistas usaram DNA de anfíbio para completar o "dino-DNA", pois alguns anfíbios podem mudar de sexo.
"O que isso realmente mostra é que, se houvesse um novo filme de Jurassic Park, não haveria motivo para ir tão longe", diz Booth, que é um grande fã da franquia.
"Eles poderiam simplesmente dizer que é muito provável que o DNA do dinossauro carregasse a variante do gene que permite a partenogênese."
Nascimento virgem: as próximas seriam as tartarugas?
Com a descoberta limitada a um animal em cativeiro, muitas perguntas permanecem.
"Com que frequência isso acontece? Os filhotes serão viáveis? Ou, por que os filhotes não nasceriam nesses casos? O que faz com que uma fêmea produza filhotes partenogeneticamente? Por que a fêmea levou 18 anos para fazer isso?", questiona Fujita.
"Todas essas perguntas não podem ser respondidas, mas seria muito interessante saber."
Felizmente, as chances de descobrir partenogênese são maiores do que nunca, graças a uma combinação de mais cientistas procurando por esses casos, milhões de animais em cativeiro devido ao comércio de animais de estimação e melhores ferramentas para ajudar a identificar o fenômeno.
Para isso, Levine tornou seu novo programa, ParthenoGenius, de acesso aberto, na esperança de que outros cientistas o utilizem para analisar mais genomas em busca de evidências de partenogênese.
Em seguida, Booth diz que espera encontrar provas concretas de que as tartarugas também podem se reproduzir por meio da partenogênese facultativa.
"Ao longo dos anos, fui contatado várias vezes por donos de animais de estimação que tinham tartarugas fêmeas que estavam sozinhas e, de repente, produziram ovos e esses ovos eclodiram", diz Booth. "Mas nunca conseguimos obter os tecidos."