
Pítons em festa e cascavéis buscando amigos: uma câmera mostra cobras em comportamentos inesperados
Duas cobras-garter orientais são captadas pelas câmeras: os cientistas estão descobrindo que as cobras exibem comportamentos mais sociais do que se pensava anteriormente.
Imagine um animal que se aconchega com outros quando está estressado, ou que cuida de seus filhotes, fica perto de parentes e se reúne em grandes grupos todos os anos. Você imaginou que ele poderia ser… Uma cobra cascavel?
Por muito tempo, os cientistas acreditavam que as cobras se não encaixavam nessa descrição de animal com uma vida social ativa.
“Havia dois grandes mitos”, disse Noam Miller, que estuda cognição social animal na Universidade Wilfrid Laurier, no Canadá. Um deles é que as cobras agem principalmente por reflexo. O outro é que as cobras não se reúnem, em geral, já que as pessoas tendem a encontrar apenas uma cobra por vez. “Então, havia essa ideia de que elas simplesmente não eram sociais.”
Nos últimos anos, porém, pesquisadores como Miller descobriram em experimentos de laboratório e de campo que várias espécies de cobras — de cascavéis a pítons — têm uma vida social surpreendentemente ativa, sugerindo que os pesquisadores subestimaram por muito tempo um grupo de animais extremamente incompreendido — e ameaçado.
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As cascavéis das pradarias do Colorado podem ser vistas em uma transmissão ao vivo pelo Projeto RattleCam.
Por que é tão difícil estudar a vida social das cobras?
Pesquisas revelaram que crocodilos e lagartos têm vidas sociais dinâmicas, mas as cobras receberam pouca atenção até recentemente. Parte da dificuldade em estudar o comportamento social das cobras é que — ainda mais do que outros répteis — elas são bastante reservadas. “Na maioria das vezes, você nem consegue vê-las — elas se escondem em algum lugar”, disse Vladimir Dinets, especialista em comportamento de répteis da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, Estados Unidos.
As cobras também têm uma vida muito diferente da maioria dos mamíferos e pássaros, que costumam viver em ambientes abertos, o que as torna mais fáceis de estudar. Em vez de exibições ou chamados extravagantes, observou Dinets, as cobras passam a maior parte do tempo escondidas e dependem muito do olfato.
O mundo de uma cobra consiste principalmente em rastros e sinais químicos, tornando sua perspectiva fechada para animais mais visuais como os humanos. “Para nós, é muito difícil estudá-las.”
Essa é uma das razões pelas quais os pesquisadores interessados no comportamento social dos répteis tendem a prestar atenção a uma serpente em particular, disse Miller: a cobra-garter de flanco vermelho (Thamnophis sirtalis parietalis).
Essa espécie de cobra que é encontrada desde o meio-oeste americano até Manitoba, no Canadá, dá à luz em vez de botar ovos e hiberna em grandes grupos durante o inverno. Quando emergem na primavera, elas formam bolas de acasalamento com milhares de cobras. Para Morgan Skinner, estudante do laboratório de Miller, as cobras-garter pareciam uma espécie natural para observar mais de perto: “Elas eram o grupo que já sabíamos ter algum tipo de comportamento social”.
Os cientistas começaram com experimentos para ver como as cobras-garter orientais aprendem, mas se depararam com um problema: é difícil motivar cobras. “Elas não se importavam muito com muitas das tarefas que lhes dávamos”, disse Miller.
Em vez disso, ele e Skinner decidiram apenas observar as cobras para ver o que elas faziam. Eles construíram uma arena aberta com vários abrigos diferentes e colocaram 40 cobras-garter orientais jovens — cada uma marcada individualmente — dentro dela. Ao gravar as cobras e rastrear seus movimentos na arena, eles coletaram dados sobre quais cobras se reuniam umas com as outras.

Duas cobras-do-milho (Pantherophis guttatus) compartilham um abrigo enquanto uma terceira cobra passa rastejando.

Um par de cobras-do-milho (Pantherophis guttatus) sobe em uma árvore juntas.
As cobras escolhem seus “melhores amigos”
Nos resultados publicados, os cientistas descobriram que os indivíduos mais jovens não apenas preferiam se reunir umas com as outras — as cobras tendiam a ficar mais tempo em abrigos que já estavam bem ocupados e coordenavam os horários em que saíam para explorar. Elas também pareciam preferir associar-se massivamente a outros indivíduos específicos, “o que coloquialmente chamamos de ‘amigos’”, diz Miller.
“Embora as pessoas soubessem que as cobras-garter eram sociais na medida em que qualquer cobra é social”, diz Miller, “a sofisticação do que estava acontecendo socialmente não era amplamente suspeitada”.
As cobras-garter não são a única espécie que prefere companhia. Muitas espécies de cascavéis norte-americanas — incluindo as cascavéis-diamante-ocidentais, as cascavéis-de-cauda-preta e as cascavéis-da-pradaria — também dão à luz filhotes vivos e hibernam em grupos durante o inverno, disse Emily Taylor, especialista em cascavéis da Universidade Politécnica Estadual da Califórnia, nos Estados Unidos.
Mas ainda que os avanços na tecnologia de rastreamento por rádio tenham permitido aos pesquisadores começar a mapear os movimentos das cascavéis na década de 1980, a profundidade de seu comportamento social está ganhando destaque somente agora.
Um estudo de 2004 com cascavéis-da-madeira em cativeiro descobriu que as cobras fêmeas reconheciam — e preferiam se associar — com suas irmãs, enquanto um estudo de 2011 sobre cascavéis-de-cauda-preta descobriu que mães cascavéis solitárias cuidavam ativamente de seus filhotes recém-nascidos por vários dias, incluindo afugentando predadores.
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Cobras-garter orientais participam de um experimento para verificar se elas selecionam abrigos para socializar com outras cobras. As cobras têm marcas coloridas na cabeça para sua identificação.
Cobras flagradas por câmeras escondidas
Algumas das descobertas mais empolgantes vieram do “Projeto RattleCam”, um programa de câmeras ao vivo que transmite a vida de cobras cascavéis com o objetivo de estudar seu comportamento, financiado por doações, e que Taylor e seus colegas criaram para uma enorme colônia de cascavéis da pradaria no Colorado, nos Estados Unidos.
Nesse grupo estão dezenas de cascavéis-fêmeas grávidas que se reúnem para dar à luz antes de se abrigarem juntas para o inverno. Embora as cascavéis — como a maioria das outras cobras — sejam reservadas, essa reunião anual, que dura meses, proporcionou uma oportunidade de ver “comportamentos sociais selvagens que não tínhamos ideia de que elas apresentavam”, disse Taylor.
Uma dessas atividades inesperadas é cuidar dos filhotes. “Há centenas de filhotes no verão, e vemos que eles tendem a se enrolar em cima ou junto a um adulto”, disse Taylor. “Mas o adulto nem sempre é a mãe.” Como as fêmeas grávidas dão à luz em momentos diferentes, sempre há adultos por perto para proteger os filhotes recém-nascidos de pássaros e outros predadores. Os filhotes costumam ficar na colônia durante a hibernação do inverno e até a primavera seguinte.
Esses abrigos não são apenas alianças de conveniência. Embora as cobras pareçam passar boa parte do ano sozinhas, o abrigo parece ser o local da sociedade das cascavéis, disse Taylor. Em 2023, uma equipe de pesquisadores demonstrou que as cobras ficavam menos estressadas com perturbações se tivessem outra cascavel com quem se aconchegar. Em 2025, disse Taylor, eles concluíram um estudo sobre o abrigo do Colorado, usando a transmissão ao vivo gravada para determinar quais cobras passavam mais tempo juntas.
“Vimos sinais muito, muito fortes de que certas fêmeas parecem preferir ficar juntas”, disse Taylor. As que estavam grávidas geralmente buscavam a companhia individual umas das outras. Os machos — que vinham à toca para lutar com rivais, acasalar e hibernar — pareciam muito menos exigentes.
A câmera até captou o que pode ser um tipo estranho de comunicação, disse Taylor: as cascavéis que se aproximavam umas das outras frequentemente moviam a cabeça para frente e para trás em padrões rápidos e perceptíveis — gestos cujos significados a equipe espera um dia decifrar.

Cascavéis da pradaria são vistas se amontoando em uma transmissão ao vivo do Projeto RattleCam. As pequenas cobras cinzentas são recém-nascidas.
Como é a “festas de pítons”
No entanto, tanto as cascavéis quanto as cobras-garter são incomuns entre as cobras: elas habitam ambientes mais temperados, hibernam em comunidade e dão à luz filhotes vivos. Em 2020, Skinner se perguntou como uma cobra com uma ecologia muito diferente e sem comportamento social relatado se sairia sob observação próxima. Skinner e Miller escolheram as pítons-bola (Python regius), uma pequena píton africana aparentemente solitária, popular no comércio de animais de estimação.
Assim como fizeram com as cobras-garter, eles colocaram cinco grupos diferentes de cobras pítons jovens na arena com recintos de plástico suficientes para cada cobra e os deixaram lá por 10 dias com uma câmera ligada.
Para surpresa do laboratório, todas as seis cobras rapidamente se amontoaram no mesmo abrigo, passando mais de 60% do tempo juntas. Quando a equipe removeu esse abrigo para se certificar de que não havia nada de incomum nele, as cobras píton escolheram outro. Skinner repetidamente trocou as cobras de abrigo, colocou todas elas ao ar livre e removeu os esconderijos preferidos. Repetidamente, as jovens pítons se reuniram.
Para a surpresa dos pesquisadores, as pítons-bola eram mais sociáveis — e menos exclusivas — do que as cobras-garter orientais, disse Miller. “O que elas mais tendem a fazer é se amontoar no mesmo abrigo. E, por causa disso, não conseguimos nem identificar se elas têm amigos ou não.”
Quando a equipe examinou os cérebros das pítons após uma experiência social, Miller disse que descobriu que certas áreas do cérebro se iluminavam — exatamente as mesmas encontradas em uma área chamada “rede de tomada de decisão social” nos cérebros de aves e mamíferos – incluindo humanos. Isso sugere que, quando se trata de se reunir em grupos, as cobras usam um conjunto de ferramentas cognitivas semelhante ao de outros animais.
Embora seu comportamento social possa ser mais simples do que o observado em muitas aves e mamíferos, disse Miller, trata-se do mesmo processo cerebral básico. “Todas as coisas que essas pítons fazem são as mesmas que nós também fazemos”, diz ele. “Basicamente, o que os humanos fazem é sobrepor um monte de outras complicações a essas tarefas.”
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Mais estudos sobre o comportamento das cobras
O laboratório de Miller já realizou experimentos semelhantes com cobras-de-nariz-achatado, um animal com nariz em forma de pá, supostamente anti-social e comedor de sapos, encontrado na América do Norte, e com cobras-do-milho — e, embora ainda não tenham publicado os resultados dessas investigações, a equipe encontrou resultados semelhantes, diz Miller.
Esse tipo de observação é provavelmente apenas o começo quando se trata de estudar o comportamento social das cobras, diz Dinets. Há muitas observações sobre a socialização das cobras na natureza que não foram acompanhadas, em parte porque o estudo seria bastante difícil.
As cobras marinhas de barriga amarela, por exemplo, reúnem-se ocasionalmente em grandes grupos antes de desaparecerem na vastidão do oceano, enquanto algumas espécies parecem, em contraste, territoriais em torno de áreas de alimento potencial — o que é uma forma diferente de comportamento social complexo.
Um ambiente de laboratório é inerentemente artificial, então sempre existe a possibilidade de que as cobras ajam de maneira diferente nos experimentos do que agiriam na natureza. Mas, com base nas próprias observações de Dinets sobre o comportamento social dos crocodilos, ele diz que é razoável supor que muitas espécies são, na verdade, menos sociáveis em cativeiro do que na natureza.
Em outras palavras, os experimentos de laboratório provavelmente capturam um nível mais baixo de comportamento social do que as cobras exibem em seus habitats naturais. “A ideia de que os répteis não são sociais é basicamente apenas uma conjectura”, disse Dinets. “Sempre que as pessoas começam a observar os répteis, elas começam a descobrir isso. Praticamente todos eles se mostram mais sociais do que esperamos.”