Vestígios de DNA fóssil encontrados em crânio de dinossauro

Cientistas descobriram estruturas celulares — e uma substância que se comporta como o DNA — em cartilagem com mais de 70 milhões de anos.

Por Michael Greshko
Publicado 10 de mar. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Há mais de 70 milhões de anos, o Hypacrosaurus stebingeri, um hadrossauro herbívoro, habitava o local onde hoje é o estado de Montana, nos Estados Unidos. Um novo estudo envolvendo filhotes de H. stebingeri encontrou fósseis de células em divisão, núcleos e cromossomos — além de vestígios interessantes de DNA preservado.

Há bilhões de anos, o DNA atua como molécula de informação da vida, contendo instruções sobre como e quando as proteínas dos organismos vivos devem ser formadas. Mas quanto tempo essa informação biológica consegue sobreviver? Em um novo e provocador estudo, uma equipe internacional de pesquisadores revela fósseis de dinossauros tão bem preservados que alguns contêm contornos de células — e estruturas que podem ter se formado a partir do DNA original dos dinossauros.

O estudo, publicado na revista científica National Science Review, analisa em detalhes dois ossos do crânio de um jovem hadrossauro, o Hypacrosaurus stebingeri, um herbívoro que viveu no local onde hoje é o estado de Montana, nos Estados Unidos, há cerca de 75 milhões de anos.

No interior dos minúsculos fósseis, os pesquisadores conseguem ver o que parecem ser células, algumas congeladas no processo de divisão. Outros contêm esferas escuras que se parecem com núcleos, as estruturas celulares que armazenam o DNA. E uma célula parece conter hélices emaranhadas de coloração escura que se assemelham aos cromossomos, os filamentos condensados de proteínas e DNA formados durante a divisão celular.

“É um nível de preservação subcelular nunca antes relatado em um vertebrado”, diz Alida Bailleul, pesquisadora de pós-doutorado no Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Vertebrados da China e principal autora do novo estudo.

Para testar o material fossilizado, os pesquisadores aplicaram um corante nos fragmentos de crânio do dinossauro. Em células vivas, esse corante se liga ao DNA. O corante se ligou a pontos específicos dentro das células do fóssil e corou esses pontos em vermelho e azul fluorescente. Até onde os pesquisadores sabem, o que quer que seja que o corante esteja realçando foi derivado de moléculas originais do dinossauro, e não de um contaminante externo, como bactérias.

A descoberta significa que conseguiremos sequenciar o DNA dos dinossauros? Não estamos nem perto disso. Os pesquisadores não tentaram extrair DNA das células fósseis, portanto não confirmaram se o material é DNA inalterado ou algum tipo de subproduto fóssil proveniente de um material genético em decomposição. Os cientistas também alertam que, se houver DNA nas células do dinossauro, provavelmente estará presente em minúsculos fragmentos, quimicamente alterados e misturados com uma substância que antes já foi proteína.

“Não estamos fazendo aquilo que fizeram no filme Jurassic Park”, diz Bailleul.

Mesmo assim, o estudo nos lembra de que fósseis podem preservar estruturas microscópicas e até traços das moléculas que compuseram as células de um organismo, variando de pigmentos a proteínas e muito mais. Um estudo recente até encontrou biomoléculas em um fóssil de Dickinsonia, uma criatura que viveu mais de meio bilhão de anos atrás, e as utilizou para confirmar se o organismo era um animal e não outra forma de vida.

A cartilagem de um Hypacrosaurus contém duas células congeladas durante o processo de divisão (esquerda), contendo material de coloração mais escura consistente com os núcleos. Uma célula, visualizada com maior ampliação (centro), contém o que parecem ser cromossomos condensados. Quando imersa em iodeto de propídio, substância utilizada para dar coloração ao DNA em células vivas, pequenos pontos de condensação dentro das células isoladas de do Hypacrosaurus são marcados por fluorescência (à direita), o que sugere a presença de uma substância que se comporta como o DNA.
Images by Alida Bailleul and Wenxia Zheng

“Essa pesquisa ainda é muito incipiente, mas as possibilidades são bastante animadoras se realmente acreditarmos, investigarmos os dados e continuarmos a testar e refinar nossas ideias sobre preservação molecular em fósseis”, diz David Evans, paleontólogo do Museu Real de Ontário, que não participou do estudo.

Células surpreendentes

A descoberta casual de células de dinossauro fossilizadas começou nos terrenos rochosos de Montana na década de 1980, quando o paleontólogo da Universidade Chapman, Jack Horner, que na época trabalhava no Museu das Montanhas Rochosas de Montana, descobriu um local que continha os ossos de diversos filhotes de Hypacrosaurus stebingeri. Horner estudou os ossos dos membros desses dinossauros jovens, mas também encontrou alguns crânios de Hypacrosaurus entre os restos mortais. Para observar a estrutura interna dos crânios, Horner e seus colegas incorporaram alguns deles em resina e depois trituraram as peças para que ficassem com uma espessura um pouco maior do que a de um fio de cabelo.

As lâminas com esses minúsculos fragmentos de crânio de dinossauro ficaram esquecidas por mais de duas décadas no Museu das Montanhas Rochosas até que Bailleul — então doutoranda no museu — as utilizou em 2010 para estudar as pequenas articulações e suturas que mantêm o crânio unido. Enquanto observava os finos cortes sob o microscópio, Bailleul notou pequenas configurações circulares no osso supraoccipital de um filhote, que formava a parte de trás do crânio.

As estruturas circulares pareciam células, e Bailleul notou que muitas delas tinham pontos menores e mais escuros no interior, que se assemelhavam a núcleos. Algumas até continham hélices emaranhadas, fazendo Bailleul achar que se pareciam com cromossomos.

“Levei um susto — me afastei do microscópio, pensei e me aproximei novamente”, conta ela. “Eu estava tipo, meu Deus, não é possível, mas essas estruturas só podem ser isso!”

Bailleul ficou tão surpresa com o que viu que não contou a ninguém por alguns dias — mas uma das ex-alunas de doutorado de Horner, a paleontóloga da Universidade Estadual da Carolina do Norte, Mary Schweitzer, estava visitando o museu. Schweitzer, pioneira em paleontologia molecular, já havia publicado evidências de que fósseis de dinossauros poderiam preservar células e — de modo controverso — até traços de suas proteínas originais.

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    Os pesquisadores descobriram células excepcionalmente preservadas de Hypacrosaurus no supraoccipital, um osso localizado na parte de trás do crânio. Conforme o dinossauro se desenvolvia, essa parte do crânio deixava de ser cartilagem e se transformava em osso.
    Foto de Alida Bailleul

    Schweitzer analisou os fósseis e também achou que Bailleul havia encontrado algo extraordinário. Na década seguinte, Bailleul trabalhou com Horner, Schweitzer e seus colegas para estudar os fósseis, considerando a empreitada como um projeto paralelo de longo prazo. Em 2014, a equipe recebeu uma inesperada injeção de ânimo quando um grupo sueco anunciou que havia encontrado uma samambaia de 180 milhões de anos com núcleos e cromossomos fossilizados. “Quando aquele artigo sobre a samambaia foi publicado, eu pensei: ‘Nossa, certo, não somos loucos’”, conta Bailleul.

    Depois de estudar as estruturas celulares, a equipe queria saber do que os fósseis eram feitos. Bailleul visitou o laboratório de Schweitzer em Raleigh, na Carolina do Norte, e retirou amostras para testes, utilizando amostras frescas de tecido de emu para verificar novamente as pesquisas realizadas (em um laboratório diferente, para evitar contaminação).

    Primeiro, os pesquisadores aplicaram nos fósseis corantes químicos que se ligam à cartilagem, o que sugeriu que os fragmentos em desenvolvimento do crânio de dinossauro ainda não haviam se transformado em osso quando os animais morreram, exatamente como a equipe suspeitava. Bailleul e Schweitzer então isolaram algumas células fósseis e aplicaram iodeto de propídio e DAPI, dois corantes químicos amplamente utilizados em pesquisas médicas para visualizar DNA recém-coletado. Como era de se esperar, as células do emu atraíram mais os corantes — mas eles também coraram pontos específicos dentro das células fossilizadas dos dinossauros.

    “Nem quero dizer que se trata de DNA porque sou cautelosa e não quero exagerar em relação aos resultados”, diz Schweitzer. “Mas há algo nessas células que é quimicamente compatível com DNA e que reage como o DNA.”

    Como o DNA é fossilizado?

    Se DNA intacto estiver presente nesses fósseis de dinossauros, os cientistas podem precisar reavaliar a rugosidade da molécula. Estudos anteriores descobriram que o material genético se desintegra no interior de ossos após alguns milhões de anos. O genoma completo mais antigo já sequenciado é proveniente de um osso de cavalo de 700 mil anos encontrado na Sibéria, congelado no permafrost desde a morte do animal — e os ossos do Hypacrosaurus são cerca de cem vezes mais velhos.

    Os ossos são extremamente porosos, o que os torna cápsulas do tempo imperfeitas após a morte de uma criatura. As células de dinossauros preservadas provavelmente foram incorporadas à cartilagem, afirma Schweitzer, que não possui poros. A estrutura da cartilagem pode ter protegido as células internas — e as estruturas químicas que elas continham — de forma mais eficaz.

    “A cartilagem fossilizada e calcificada pode ser um ótimo lugar para procurar biomoléculas excepcionalmente preservadas em outros fósseis, pois esse tecido pode ser menos propenso à contaminação e deterioração interna do que o osso”, diz Evans. “Na cartilagem calcificada, as células ficam presas e isoladas em sua matriz e é mais provável que sejam preservadas em um microambiente lacrado.”

    Apesar da proteção da cartilagem, é possível que os corantes químicos não se liguem ao DNA inalterado dos fósseis. Bailleul e Schweitzer afirmam que, se houver DNA, ele poderá ter sobrevivido devido à formação de ligações químicas adicionais em diferentes partes de um único filamento de DNA. Em organismos vivos, esse tipo de reação — chamado de reticulação — é tão tóxico que alguns medicamentos contra o câncer induzem essas ligações no DNA do tumor. Mas durante a fossilização, as ligações podem ajudar a estabilizar o DNA em longo prazo.

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    Jasmina Wiemann, doutoranda de Yale e especializada na fossilização de biomoléculas, diz que a reticulação entre DNA e proteínas também pode ajudar na fossilização. Estudos anteriores mostraram que o DNA e as histonas — proteínas que atuam como carretéis de material genético — podem se ligar. Ela acrescenta que seriam necessárias mais análises químicas para confirmar o conceito.

    Se as células do dinossauro preservam DNA inalterado — e isso é apenas uma grande hipótese — os corantes químicos indicam que os filamentos de DNA contêm pelo menos seis pares de bases, que são como “degraus” na estrutura em formato de escada do DNA. Os corantes realçam apenas um comprimento mínimo e fragmentos curtos assim provavelmente não seriam úteis para sequenciar o DNA. Beth Shapiro, paleogenomicista da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, afirma que pesquisadores que estudam DNA antigo ignoram fragmentos com menos de 30 pares de bases, uma vez que esses minúsculos pedaços de material genético não contêm informações suficientes para serem colocados com precisão em um genoma. Utilizar fragmentos pequenos de DNA para formar um genoma completo seria como tentar encontrar uma frase específica em Moby Dick, sabendo apenas que contém a palavra “baleia”.

    Mas o DNA fóssil, mesmo que não possa ser sequenciado, ainda pode ser útil. Wiemann e outros mostraram que até mesmo proteínas fósseis drasticamente alteradas podem preservar informações valiosas, como a taxa metabólica de um animal, e o mesmo pode ser válido para os restos de DNA.

    Mais análises químicas são necessárias para determinar com precisão o conteúdo desses fragmentos de crânio de dinossauro, mas Bailleul espera que, no futuro, os cientistas compreendam totalmente como o DNA é fossilizado — e quais informações genéticas esses pequenos fragmentos preservados podem conter.

    “Seríamos cientistas loucos se ignorássemos a descoberta e não fizéssemos nada”, diz Bailleul. “Eu sei que é um trabalho preliminar, mas se ninguém começar com alguma coisa, nunca chegaremos a lugar nenhum.”

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