Seria o fim do câncer no colo do útero?

Novas evidências sugerem que apenas uma dose da vacina contra o HPV é tão eficaz quanto duas ou três – e isso tem implicações enormes na batalha contra o câncer do colo do útero.

Por Amy McKeever
Publicado 30 de mai. de 2023, 10:00 BRT

As vacinas contra o HPV existem desde 2006, mas sua distribuição é onerosa, pois exigem várias doses. Mas isso pode estar mudando com o surgimento de novas evidências sobre a eficácia de uma única dose do imunizante, o que também permitiria que os países expandissem seus programas de vacinação.

Foto de Ramon van Flymen ANP, Redux

câncer no colo do útero é frequentemente chamado de "assassino silencioso" porque não há sinais óbvios de alerta precoce. Sendo o quarto câncer mais comum em mulheres, ele mata mais de 300 mil por ano em todo o mundo.

Mas e se pudéssemos nos proteger melhor contra o vírus que causa essa doença?

O papilomavírus humano, mais conhecido como HPV, é uma das infecções sexualmente transmissíveis mais comuns no mundo, pois geralmente circula sem causar nenhum sintoma perturbador. No entanto, ele pode causar verrugas genitais e vários tipos de câncer em homens e mulheres – e está impulsionando o recente aumento do câncer de garganta em homens.

Embora as vacinas que previnem o HPV existam desde 2006, os especialistas afirmam que um novo desenvolvimento pode colocar a meta global de vacinar 90% das meninas com menos de 15 anos ao alcance.

A revelação em questão é mais simples do que se poderia esperar. Novas evidências sugerem que as vacinas contra o HPV são eficazes após apenas uma dose – em vez das duas ou três que são recomendadas atualmente na maioria dos países. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselhou a mudança para uma única dose da vacina, explicando que, além de ser eficaz, isso também facilitará a distribuição, principalmente em países de baixa e média renda.

"Essas vacinas são extraordinárias. Elas são incrivelmente potentes na prevenção de infecções", diz Andrew Pollard, presidente do Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido. "Acho que veremos um mundo em que o câncer do colo do útero será uma raridade."

O Reino Unido está entre os mais de 20 países que anunciaram planos de mudar para uma única dose, um grupo que também inclui Austrália, Irlanda e México. Mas será que outros países seguirão o exemplo?

Descoberta surpreendente

O primeiro indício de que uma dose da vacina funciona tão bem quanto duas ou três veio de forma um tanto inesperada – resultado de estudos na Costa Rica e na Índia que estavam testando doses múltiplas. Em ambos os casos, os pesquisadores examinaram posteriormente mulheres que haviam recebido apenas uma única dose, e esses estudos revelaram que a eficácia ainda era notável.

"Há uma justificativa biológica muito forte para esperarmos que uma única dose funcione", diz Ruanne Barnabas, chefe de doenças infecciosas do Massachusetts General Hospital, nos EUA, que está liderando o estudo KEN SHE, um ensaio clínico randomizado que investiga a eficácia da vacina de dose única em mulheres quenianas de 15 a 20 anos.

Normalmente, ela explica, vacinas como a do HPV são administradas em várias doses porque usam apenas parte do vírus para provocar uma resposta imunológica. No entanto, as proteínas da vacina contra o HPV se comportam de maneira um pouco diferente: elas se recombinam para imitar o vírus inteiro, o que torna plausível que a vacina possa ser mais protetora.

Mais evidências têm surgido para apoiar essa hipótese. No ano passado, o estudo KEN SHE relatou que a dose única tinha 98% de eficácia aos 18 meses, e novos dados divulgados no mês passado mostram que essa eficácia se manteve até os 36 meses. Enquanto isso, os resultados de um estudo que comparou a eficácia da vacina nas mulheres quenianas com a de meninas de 9 a 14 anos na Tanzânia mostraram que suas respostas imunológicas estavam no mesmo nível, sugerindo que uma única dose poderia ser igualmente eficaz na faixa etária mais jovem.

Por fim, estudos de acompanhamento das mulheres e meninas dos estudos originais da Índia e da Costa Rica mostram que suas respostas imunológicas continuam fortes mais de uma década depois de receberem apenas uma única dose. Para Pollard, essa foi uma evidência particularmente convincente ao ponderar se deveria recomendar uma mudança no programa de vacinação do Reino Unido.

"Se seus níveis de anticorpos permanecerem absolutamente sólidos por 10 anos, eles não cairão de repente", diz ele. "O sistema imunológico não faz isso."

Vacina de dose única: um divisor de águas

Se as evidências continuarem a se acumular a favor da vacina de dose única, ela será um divisor de águas, especialmente em países de baixa e média renda.

Esses países enfrentam grandes desafios para fornecer vacinas contra o HPV e, como resultado, sofrem a maior carga, ou seja, cerca de 90% das mortes por câncer do colo do útero.

O primeiro desafio é encontrar as pessoas que precisam das vacinas, diz Greg Widmyer, consultor sênior de imunização da Fundação Bill & Melinda Gates, que financiou o estudo KEN SHE. “Já é difícil levar meninas pré-adolescentes e adolescentes a uma clínica para tomar uma vacina, mas elas voltam para tomar uma segunda dose ou uma terceira? Estávamos observando uma grande queda", destaca Widmyer.

A aplicação de várias vacinas também é cara – e não apenas as vacinas em si. Widmyer ressalta que toda vez que uma dose é administrada, é necessário pagar pelo tempo da equipe, transporte e outros custos gerais. Para alguns países, esses custos para uma vacina de duas ou três doses podem ser tão altos que eles nem se dão ao trabalho de estabelecer um programa de vacinação – outros países estão apenas começando a introduzir a vacina.

Com a dose única, diz Greg, o canal para alcançar as meninas "se abre completamente" – você pode montar clínicas de vacinação em locais onde as meninas já estão, de escolas a salões de cabeleireiro ou outros locais em suas comunidades.

Mas isso também pode ser uma vitória em qualquer lugar. A mudança para uma única dose garantiria a disponibilidade de mais vacinas, o que significa que os países poderiam vacinar um número maior de pessoas para alcançar a imunidade de rebanho, ou seja, o ponto em que um número suficiente de pessoas foi vacinado ou infectado naturalmente para que a população como um todo se torne imune a uma doença. Barnabas ressalta que os países que já permitem a vacinação entre meninos e grupos etários mais velhos observaram uma redução "realmente dramática" no número de lesões pré-cancerosas, verrugas e cânceres.

Para o Reino Unido, Pollard conta que foi principalmente uma questão de eficiência. "Essa decisão foi realmente impulsionada pelos dados emergentes, que deixaram muito claro que não perderíamos a proteção ao reduzir para uma dose – e, portanto, por que não o faríamos?"

O fim do câncer no colo do útero?

Ainda não está claro quando – ou se – outros países darão o salto para uma única dose da vacina. Alguns podem esperar por mais evidências de estudos que estão em andamento, incluindo um estudo que avalia a eficácia de uma única dose em 20 mil meninas de 12 a 16 anos na Costa Rica. Espera-se que esse estudo atinja seu ponto final em dois anos. 

Mas os especialistas estão otimistas. "Acredito firmemente que a eliminação do câncer no colo do útero é possível", disse a diretora-geral assistente da OMS, Princess Nothemba (Nono) Simelela, em um comunicado à imprensa anunciando a decisão da organização de aconselhar a mudança para uma única dose. "Essa recomendação de dose única tem o potencial de nos levar mais rapidamente à nossa meta de vacinar 90% das meninas até os 15 anos de idade em 2030."

No entanto, Pollard diz que provavelmente levará décadas para vermos o verdadeiro impacto sobre o câncer do colo do útero, pois muitas mulheres já foram infectadas. "O que estamos fazendo é comprar vidas hoje que teriam sido perdidas no futuro", destaca.

Mas ele e outros especialistas concordam que isso seria transformador e proporcionaria mais equidade no sistema de saúde global.

"Na África, cada família conhece uma mulher que sofreu com esse câncer. E esse é um câncer feio. É um câncer que leva a um fim doloroso e um tanto desumano para essas mulheres", diz Widmyer. Para as pessoas que vivem em países de renda mais alta, ele acrescenta, "o privilégio de não conhecer alguém que tenha morrido dessa forma é bastante singular".

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