Culpa de Mercúrio retrógrado? O que diz a ciência sobre esse fenômeno

O movimento aparentemente retrógrado do planeta ocorre por algumas semanas, aproximadamente a cada quatro meses. Veja o que realmente está acontecendo e como a astrologia se tornou um fenômeno moderno.

Por Eva Botkin-Kowacki
Publicado 25 de ago. de 2023, 14:36 BRT
PIA10189

Mercúrio é visto em uma imagem tirada pela sonda Messenger da Nasa a uma distância de cerca de 273 mil quilômetros. Várias vezes ao longo do ano, o planeta parece se mover para trás a partir de nossa perspectiva na Terra.

Foto de NASA Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory, Carnegie Institution of Washington

Desde uma briga com seu cônjuge até uma peça recém-quebrada em seu carro, Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol, é frequentemente responsabilizado pelos infortúnios da vida, grandes e pequenos.

É possível que você ouça a responsabilidade ser atribuída a "Mercúrio retrógrado", referindo-se à forma como o planeta parece retroceder em sua marcha pelo céu por algumas semanas a cada quatro meses. Nos próximos dias, isso ocorrerá de 23 de agosto a 14 de setembro. 

O aparente movimento retrógrado de Mercúrio é um fenômeno astronômico real, mas sua conexão com os acontecimentos na Terra (astrologia) é amplamente refutada como pseudociência. Ainda assim, a ideia de que Mercúrio tem poder sobre nossa comunicação é popular no Ocidente. 

O movimento retrógrado tem capturado a atenção dos humanos que observam o céu há milênios. A interpretação astrológica atual dos movimentos dos planetas tem raízes profundas em antigas tábuas gravadas pelos primeiros astrônomos.

O que acontece durante a retrogradação de Mercúrio?

Na verdade, Mercúrio não está se movendo para trás em sua órbita ao redor do Sol. O movimento retrógrado é uma ilusão de ótica causada pelo fato de todos os planetas se moverem em velocidades diferentes uns dos outros. 

“É como dirigir em uma rodovia com várias pistas na mesma direção”, explica Carolyn Ernst, cientista planetária do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, e vice-presidente do Grupo de Avaliação de Exploração de Mercúrio da Nasa. “Se você estiver passando por um carro em outra pista que esteja indo mais devagar, ele pode parecer estar se movendo para trás em comparação com você, apesar de estar indo na mesma direção, e vice-versa. Isso é o que acontece quando Mercúrio passa pela Terra”, acrescenta a cientista.

Em meio às ideias centradas na Terra dos astrônomos antigos sobre os céus, um corpo celeste que parecesse se mover para trás teria apresentado um enigma atraente. De fato, o aparente movimento retrógrado dos planetas foi documentado bem no início da história humana.

Primeiras observações registradas de Mercúrio retrógrado

Mercúrio retrógrado foi provavelmente documentado pela primeira vez por astrônomos babilônicos por volta do século 7 a.C., diz Mathieu Ossendrijver, historiador da ciência antiga, assiriologista e astrofísico da Freie Universität, Berlin, Alemanha. 

Esses astrônomos antigos gravaram diários astronômicos em tábuas de argila, descrevendo o movimento dos planetas em detalhes – inclusive como Mercúrio parecia desacelerar e dar voltas sobre si mesmo. Os astrônomos babilônicos também criaram fórmulas para prever onde os corpos celestes, incluindo Mercúrio, apareceriam no céu.  

"Eles tinham uma compreensão matemática muito clara desse movimento", destaca Ossendrijver. 

(Artigo relacionado: A astrologia é uma ciência?)

"Na Babilônia, os planetas e as estrelas eram vistos como manifestações de deuses", acrescenta. Portanto, qualquer movimento ou fenômeno relacionado aos planetas era visto como sinais a serem interpretados sobre o destino do "rei ou do país", explica Ossendrijver. Os horóscopos mais voltados para o indivíduo surgiram mais tarde, por volta de 400 a.C.

Outro conjunto de tábuas cuneiformes detalhava como interpretar o movimento dos corpos celestes. Infelizmente, a tábua que interpretava o movimento de Mercúrio está faltando, diz Ossendrijver, portanto não sabemos que presságios os babilônios viam em Mercúrio retrógrado. 

Sabemos que o nome babilônico para o planeta Mercúrio "significa algo como 'o saltitante'", esclarece Ossendrijver. "É um planeta que pula para frente e para trás. É claro que é o planeta mais rápido e, portanto, há alguma peculiaridade em Mercúrio no céu, algo mercurial, pode-se dizer, que os babilônios já viam nesse planeta."

Como as opiniões sobre astrologia no Ocidente mudaram

A ideia de que as posições e o movimento dos corpos celestes poderiam prever o destino de uma nação, um governante, uma colheita ou um evento perdurou na Europa medieval. 

Alguém muito poderoso ia a um astrólogo e dizia: "quero sitiar um castelo ou atacar meus inimigos, qual é o melhor momento?", cita Nicholas Campion, diretor do Sophia Centre for the Study of Cosmology in Culture, da University of Wales Trinity Saint David, País de Gales. 

Acreditava-se que Mercúrio retrógrado impedia esses empreendimentos, bem como as adivinhações desses astrólogos. De fato, acrescenta Campion, alguns astrólogos poderiam dizer que não conseguiam ler o mapa quando Mercúrio estava retrógrado.

Ainda assim, "nenhuma decisão astrológica teria sido tomada puramente com base em Mercúrio retrógrado", explica Campion. Um astrólogo analisaria todo o horóscopo ao responder a uma pergunta de alguém, diz ele. 

A astrologia tornou-se popular na Europa já no século 12, diz Campion, e atraiu mais entusiastas depois que a prensa mecânica foi inventada em 1439. Ela ainda não havia sido separada da astronomia como é hoje. 

Mas as coisas começaram a mudar em poucos séculos, provavelmente devido a uma combinação de fatores políticos, culturais e científicos. 

Em 1543, Nicolau Copérnico propôs que nosso sistema planetário girava em torno do Sol, não da Terra. Quando Galileu começou a usar telescópios nos céus no início dos anos 1600, o modelo heliocêntrico pegou – o que, "para muitas pessoas, tornou a astrologia um pouco menos provável", conta Campion. 

Também pode ter havido um componente político que corroeu o interesse pela astrologia, acrescenta ele. Durante as tensões em torno das guerras civis inglesas, em meados de 1600, a astrologia passou a ser associada aos puritanos radicais que derrubaram a monarquia em 1649. Depois que a monarquia foi restaurada, todas as coisas vistas como radicais foram revertidas. 

Por volta de 1700, a consulta astrológica para destinos pessoais e o uso de horóscopos pessoais "praticamente desapareceram da Europa (...) e não eram mais levados a sério por pessoas instruídas", diz Campion. A astrologia perdurou apenas na publicação de almanaques mensais ou anuais. 

Astrologia: um fenômeno moderno

A astrologia de horóscopo começou a ressurgir por volta da década de 1920, explica Campion, com colunas regulares de jornal descrevendo previsões para os 12 signos do zodíaco. Mas a popularidade do conceito de Mercúrio retrógrado é uma tendência mais recente, principalmente nos últimos cinco anos, diz Jennifer Freed, astróloga com doutorado em psicologia. 

Mercúrio retrógrado é um conceito fora dos signos do zodíaco, por isso pode atrair as pessoas que são novas na astrologia, acredita. "É adjacente à experiência de todos", diz ela. "Ninguém fica de fora da conversa".

Quer ver Mercúrio ficar retrógrado no céu?

Devido à sua velocidade, Mercúrio fica retrógrado várias vezes em um ano terrestre. Depois de ficar retrógrado de 23 de agosto a 14 de setembro, o planeta parecerá retroceder de 13 de dezembro a 1º de janeiro de 2024. 

Observadores atentos do céu poderão observar Mercúrio parecer desacelerar e depois inverter a direção durante esses períodos, diz Ernst. O truque é observar a posição de Mercúrio no céu em relação às estrelas ou constelações a cada noite clara e anotá-la. Com o passar das noites, esses gráficos mostrarão Mercúrio parecendo desacelerar em sua progressão através da paisagem estelar e, em seguida, dar uma volta sobre si mesmo, antes de continuar. 

mais populares

    veja mais
    loading

    Descubra Nat Geo

    • Animais
    • Meio ambiente
    • História
    • Ciência
    • Viagem
    • Fotografia
    • Espaço
    • Vídeo

    Sobre nós

    Inscrição

    • Assine a newsletter
    • Disney+

    Siga-nos

    Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados