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A menopausa pode ser adiada? A resposta levaria a uma vida mais longa para as mulheres

Os cientistas estão descobrindo que os ovários não são importantes apenas para gerar bebês – eles também mantêm o coração, o cérebro e os ossos saudáveis.

Um ovário de camundongo tratado com uma dose alta de hormônio anti-Mulleriano (AMH) – um hormônio produzido naturalmente pelos folículos no ovário – apresenta mais folículos pequenos e dormentes e menos folículos maiores. Em níveis elevados, o AMH atua como um contraceptivo, impedindo que os folículos cresçam e liberem um óvulo. O laboratório do biólogo reprodutivo David Pépin vem testando anticoncepcionais à base de AMH em gatos e espera desenvolver outros semelhantes para humanos.

Foto de Micrograph by David Pepin
Por Connie Chang
Publicado 5 de jun. de 2024, 15:03 BRT

Quando uma mulher entra na menopausa – que é definida basicamente como a ausência de menstruação por pelo menos 12 meses –, os impactos em sua saúde são imediatos e notáveis. E se pudéssemos retardar a menopausa, mantendo os ovários funcionando por mais tempo, isso se traduziria em mais anos de boa saúde?

Talvez. Isso porque os ovários (além de sua função reprodutiva) são órgãos endócrinos. E quando eles param de bombear o coquetel de substâncias químicas (hormônios) que se comunicam com quase todos os tecidos do corpo, tudo é afetado, desde o cérebro até os músculos e a pele.

(Se te interessa temáticas femininas, leia também: Joana D’arc: 7 curiosidades históricas sobre a guerreira e santa francesa)

O risco de uma mulher desenvolver osteoporose aumenta da noite para o dia e seu risco de doença cardiovascular aumenta de uma hora para outra também”, diz Jennifer Garrison, neurocientista do Buck Institute for Research on Aging, na Califórnia, Estados Unidos. E essa mudança sísmica na vida da mulher geralmente ocorre entre as idades de 45 e 55 anos (a idade média de início é 51 anos), coincidindo com os anos de pico da mulher na força de trabalho

Um estudo divulgado pela Mayo Clinic estima que, nos Estados Unidos, a menopausa é responsável por até 1,8 bilhão de dólares em tempo de trabalho perdido e mais de 26 bilhões de dólares em custos médicos.

Os ovários são os arquitetos do envelhecimento saudável nas mulheres”, afirma Garrison. Portanto, não faz sentido falar sobre a saúde e a longevidade das mulheres sem considerar a longevidade reprodutiva. Por exemplo, por que os ovários, que começam a mostrar sinais de envelhecimento na faixa dos 30 anos, se deterioram décadas antes de outros órgãos? 

Por que algumas pessoas chegam à menopausa mais cedo ou mais tarde do que a média? E se conseguíssemos retardar a menopausa, será que as mulheres teriam mais tempo de boa saúde?

Infelizmente, durante muito tempo, as pesquisas sobre saúde reprodutiva da mulher se concentraram na fertilidade e nos anos férteis. David Pepin, biólogo reprodutivo da Universidade de Harvard, lembra-se de uma reunião com a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos há cinco anos para discutir o financiamento de uma pesquisa com outro foco.

Um ovário normal de camundongo mostra muitos óvulos imaturos – ou oócitos – em vermelho. Oócitos maiores cercados por células da granulosa verdes produtoras de hormônios indicam folículos em crescimento. Sendo que um oócito geralmente cresce o suficiente para ser liberado durante a ovulação.

Foto de Micrograph by David Pepin

Não consegui convencê-los de que o fato de os ovários funcionarem e produzirem hormônios é importante por si só; que os ovários não servem apenas para gerar bebês”, conta David Pepin. Como resultado, ele teve que ser engenhoso. Parte do trabalho que ele fez sobre o ciclo de vida dos ovários foi financiado por suas aplicações no controle da população de gatos domésticos.

Mas a maré está mudando. “Houve um aumento exponencial no interesse e na pesquisa” nos últimos cinco anos, diz Garrison, que em 2020 foi co-fundador do Global Consortium for Reproductive Longevity and Equality, uma iniciativa que financia cientistas, promove colaborações e educa o público sobre o papel crucial da saúde reprodutiva na saúde da mulher.

“De repente, nas conferências de pesquisa sobre envelhecimento, o envelhecimento reprodutivo está representado agora, enquanto não estava há dois ou três anos.”

Por que os ovários são importantes?


Os ovários saudáveis produzem uma série de moléculas que enviam sinais a órgãos distantes para ajudá-los a funcionar. Entre as mais bem estudadas está o estrogênio, que oscila e flui com o ciclo menstrual e atinge seu pico nos dias anteriores à ovulação. Mas os receptores de estrogênio – as moléculas que captam o estrogênio, desencadeando ações posteriores nas células e nos tecidos – estão presentes em todo o corpo, estendendo o alcance do estrogênio muito além dos órgãos reprodutivos.

Quando o estrogênio se liga ao seu receptor, o complexo resultante atua no DNA para ativar alguns genes e desativar outros. O estrogênio, portanto, está envolvido em muitas coisas. No sistema cardiovascular, o hormônio ajuda a alargar os vasos sanguíneos e a garantir que seu revestimento seja liso e escorregadio, o que reduz a pressão arterial e evita a formação de coágulos.

 No cérebro, ele é neuroprotetor – atenuando a inflamação, promovendo sinapses saudáveis e eliminando proteínas mal dobradas. No sistema musculoesquelético, o estrogênio ajuda a construir e reparar os músculos, além de manter os ossos.

perda de estrogênio, portanto, coloca as mulheres em maior risco de desenvolver diabetes, doenças cardiovasculares, demência, osteoporose e muito mais. Por outro lado, as pessoas que entram na menopausa mais tarde na vida, em comparação com seus pares, tendem a viver mais tempo e com mais saúde. Esse benefício se estende até mesmo a seus irmãos homens, apontando para uma possível ligação genética entre a saúde reprodutiva e a longevidade geral.

Como os ovários envelhecem?


Embora os cientistas tenham caracterizado algumas consequências da falência ovariana vinda com a menopausa – tanto prematura quanto como parte do envelhecimento normal – os processos que a causam permanecem misteriosos.

O que sabemos: na puberdade, quando os ovários contêm aproximadamente 400 mil folículos, o cérebro começa a se comunicar com esses órgãos e ativa até mil folículos dormentes – bolsas cheias de líquido que abrigam um óvulo em desenvolvimento – a cada mês. Desses, alguns amadurecem, produzindo hormônios como estrogênio e progesterona, que enviam sinais ao cérebro para preparar o útero para uma possível gravidez. 

A maioria dos folículos em crescimento murcha e morre, mas a cada mês um (e às vezes dois ou três) amadurece completamente e libera um óvulo para possível fertilização. Esse processo se repete todos os meses até a menopausa – quando restam menos de mil folículos.

Anos antes da menopausa, entretanto, os mecanismos de feedback entre o cérebro e os ovários (e os folículos que eles contêm) tornam-se caóticos à medida que o número de folículos diminui, explica Pepin. “Mas é uma caixa preta completa” no que diz respeito a como isso afeta a trajetória do envelhecimento ovariano ou se isso difere em pessoas diferentes, afirma ele.

No entanto, se esses mecanismos de feedback forem importantes, uma maneira de preservar a função ovariana saudável pode ser manter os folículos que você tem.

Pepin demonstrou que o hormônio anti-Mülleriano, que é produzido nos folículos e controla o número de folículos que são ativados (e, portanto, eventualmente perdidos em um ciclo menstrual), pode fazer exatamente isso. 

Quando camundongos expostos à quimioterapia (que parece estimular o desenvolvimento de folículos dormentes, aumentando o número de óvulos que morrem em cada ciclo) foram injetados com o hormônio, menos folículos foram ativados e mais óvulos foram mantidos em reserva do que os controles que receberam solução salina.

Da mesma forma, quando um consumo curto de duas semanas de rapamicina – um medicamento que também impede o desenvolvimento de folículos dormentes – foi administrado a camundongos fêmeas, o composto demonstrou prolongar a fertilidade, especialmente em camundongos mais velhos (equivalente a humanos no final dos 40 anos), e aumentar o número de folículos em reserva.

Outro benefício do uso da rapamicina: a qualidade dos óvulos melhorou. Em outras palavras, os óvulos de camundongos tratados tinham menos anormalidades cromossômicas e mitocôndrias mais saudáveis.

Yousin Suh, geneticista da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, acredita que a rapamicina é muito promissora. Usada para tratar alguns tipos de câncer, a rapamicina tem um sólido histórico de segurança, abrindo caminho para testá-la em outros contextos

Atualmente, Suh e seus colaboradores estão conduzindo um estudo clínico de Fase II que medirá a reserva ovariana das participantes, que têm entre 38 e 45 anos de idade, quando restam cerca de 20 mil folículos, após três meses de tratamento com o medicamento.

Mas o poder da rapamicina pode ir além de sua capacidade de suprimir a ativação dos folículos. A molécula também tem como alvo, ou bloqueia, os processos (controlados por uma molécula chamada mTOR) que regulam o crescimento e o metabolismo das células em espécies tão variadas quanto moscas, camundongos e seres humanos. 

Quando esses mecanismos estão excessivamente ativos, eles levam as células a se dividirem e proliferarem, razão pela qual essas atividades ligadas ao mTOR estão implicadas no envelhecimento e no câncer. 

Por isso, faz sentido que seu bloqueio possa se traduzir em maior longevidade. E em estudos com camundongos de meia-idade, a rapamicina diminuiu a inflamação e aumentou a vida útil. O efeito da rapamicina no envelhecimento ovariano, portanto, pode ser duplo, diz Suh.

As mudanças no ambiente do óvulo: os ovários


Como geneticista, Suh é relativamente nova na biologia reprodutiva. Ela mudou de área quando foi recrutada para a Universidade de Columbia, em Nova York, em outubro de 2019.

“Eu não tinha preconceitos; não sabia nada, exceto pelo fato de que estava envelhecendo reprodutivamente, e isso era terrivelmente ruim”, revela Suh. Ela abordou o problema a partir de suas lentes exclusivas, procurando identificar os genes e as moléculas que eram mais e menos ativos no ovário envelhecido

“O que descobrimos é que em todo o tecido do ovário, em todos os tipos de células, você vê a assinatura gritante da ativação do mTOR”, diz Suh.

E não se trata apenas da mTOR. Os caminhos para a comunicação celular, a função mitocondrial e o reparo do DNA foram marcadamente diferentes entre ovários jovens e velhos. Claramente, os folículos e os óvulos são apenas parte da história; o ambiente em que eles se encontram pode ser igualmente importante.

Francesca Duncan, bióloga de reprodução da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, descobriu esse insight quase por acaso. Ela começou sua carreira como bióloga de óvulos, trabalhando com óvulos isolados de camundongos e descartando o restante do tecido ovariano. Mas os folículos que contêm óvulos estão aninhados em um ambiente de células especializadas que os nutrem e sustentam. Considerar um sem o outro é um quadro incompleto.

“Só quando começamos a comparar óvulos de camundongos jovens e velhos é que percebemos que é difícil obter folículos de um ovário envelhecido em comparação com um ovário jovem”, explica Duncan. De fato, a dificuldade de retirar um folículo de sua matriz era um indicador bastante confiável da idade do animal. Essa epifania mudou a trajetória de seu trabalho e revelou um novo caminho de pesquisa.

Com a idade, Duncan e outros descobriram, o ambiente ovariano se torna rígido e fibrótico – um processo que também ocorre em outros tecidos que falham com o tempo, como o fígado, os pulmões e o coração. Os ovários rígidos impedem o crescimento dos folículos, o que afeta a fertilidade, diminui a produção de hormônios que mantêm as mulheres saudáveis e prejudica a qualidade dos ovos. 

Pense nisso como ovos em um ninho, diz Duncan. “Se você puder criar um ninho hospitaleiro e adequado, isso sustentará a função do óvulo e a função endócrina por muito mais tempo.” A ideia de que o ambiente de uma célula pode influenciar seu comportamento não é sem precedentes. O ambiente do tumor, por exemplo, geralmente determina a agressividade das células cancerosas.

Para enfatizar esse ponto, um grupo na Austrália demonstrou que o tratamento agudo com medicamentos antifibróticos usados para fibrose pulmonar pode reverter o envelhecimento do ovário e restaurar a ovulação em camundongos mais velhos. A equipe de Duncan obteve resultados semelhantes com um curso de longo prazo e de dose mais baixa destinado a prolongar a vida útil dos ovários.

Futuros tratamentos para a menopausa


Embora haja muito mais a aprender, os cientistas têm esperança de que o progresso seja real e esteja se acelerando. “Para mim, é uma loucura” que, menos de uma década depois do nosso primeiro artigo observacional sobre rigidez ovariana em 2016, estejamos pensando em ensaios clínicos para terapias antifibróticas e biomarcadores, comenta Duncan.

Ela está muito entusiasmada com o fato de as soluções que estão sendo discutidas irem além das práticas padrão atuais: congelamento de óvulos e embriões (para fertilidade) e terapia de reposição hormonal (para função endócrina), que apenas reduzem os sintomas, mas não abordam a causa principal.

“Pessoalmente, não estou interessada em uma solução do tipo “band-aid; quero que o ovário mantenha sua função normal por mais tempo”, afirma Duncan.

destino dos ovários é mais complexo e seu impacto no bem-estar é mais sutil do que se imaginava. Mesmo após a menopausa, por exemplo, os ovários estão fazendo alguma coisa: mulheres na menopausa que se submetem a ooforectomias correm um risco maior de doença coronariana e morte em comparação com as que têm os ovários intactos. 

De acordo com Garrison, é fundamental investigar o que acontece com o ovário durante toda a vida adulta – da puberdade aos anos férteis, à menopausa e além. Em um futuro ideal, diz ela, “teríamos intervenções, tratamentos e terapias disponíveis para cada um desses estágios da vida”.

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